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FERNANDO GABEIRA
As narrativas da violência na cidade
A diversidade dos crimes
que acontecem hoje no Brasil é um desafio para os repórteres
policiais e, quem sabe, pode até
abrir uma janela de inspiração
para os escritores do gênero.
Num só dia, um empresário
matou a mulher e as duas filhas e
suicidou-se numa cobertura da
Barra da Tijuca e um adolescente
em Palmas suicidou-se injetando
anabolizantes e tomando vitaminas usadas em animais. Na véspera, Almir Chediak era assassinado em Petrópolis por um assaltante, caseiro da região.
Há toda uma discussão sobre o
crime organizado. Além disso, há
uma intensidade dramática tal
no noticiário que, certamente,
inspirou a seleção brasileira de
nado sincronizado a protestar
contra a violência em sua coreografia.
Como um programa que se repete, vemos a história de uma estudante da Estácio de Sá no Rio
ferida na cabeça, numa cena filmada pelas câmaras de segurança interna. Rapidamente, o crime
filmado, apagado, recomposto e
exibido muitas vezes, deslocou a
realidade com sucessivas simulações. Talvez se esteja trabalhando
com o lado espetacular da sucessão de crimes, porque eles vão
acontecendo num ritmo rápido.
Ajudaria bastante se os repórteres
policiais tivessem tempo para tentar explicar o porquê. Por que um
adolescente injeta asteróide no
próprio braço e no braço da prima? Não se trata de alcançar a
verdade, mas de, pelo menos, sair
um instante do caleidoscópio e
mergulhar num caso.
Se, no futuro, um historiador
quisesse interpretar esse momento das grandes cidades brasileiras,
precisaria de mais do que uma
sucessão de flashes. Ele precisaria
de nossas tentativas de entender,
por mais imperfeitas que fossem.
Os motins têm se repetido quase
semanalmente nas cadeias brasileiras. No entanto quase não se
debate mais a crise do sistema penitenciário. Os motins foram incorporados à paisagem dos jornais noturnos.
Muita gente não se interroga,
porque pensa: "Aquilo é um mundo de criminosos, um inferno que
eles mesmos criam". Mesmo esses
que pensam assim se esquecem
dos que trabalham lá, não param
para imaginar o que é ser guarda
penitenciário nesse momento da
história dos presídios brasileiros.
Dessas vertentes, crime organizado, assaltos e assassinatos, crise
no sistema penitenciário e corrupção na polícia, é possível buscar uma explicação para o que está acontecendo nas metrópoles
brasileiras. Não se trata de tese
nem de visões globalizantes. Apenas de uma entrada para os pesquisadores do futuro. Uma das
muitas.
Quando falamos de cidades sustentáveis, estamos sempre nos referindo à água, à energia e a resíduos sólidos. O conceito de sustentabilidade não pode ser apenas ecológico. A violência é um
dado de insustentabilidade. É
possível medir suas repercussões
na economia e em, certos casos,
até em mudanças populacionais
Na esfera política, a energia é
dividida entre cuidar dos grandes
passos econômicos e atenuar a
violência urbana. Não há nela interesse em se aprofundar em casos
reais, mas, sim, em buscar fórmulas mais abstratas, válidas para
todo o país.
Tragédias familiares, ataques
do crime organizado, garotos de
classe média arrebentando o joelho de um ministro com uma
marreta, tudo passa rápido. Esse
ritmo hipnotiza. Cada um à sua
maneira. Seria preciso explicar o
que está se passando, deter um
pouco esse processo, nem que seja
apenas no plano imaginário, avaliando os casos como se fossem
únicos. Com o tempo, vamos recosturar o nexo.
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