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TERRA DE GELO
Região mais austral da América, percorrida hoje em cruzeiros turísticos, exigiu anos para ser desvendada
Paisagem endurecida convida ao torpor
VINCENZO SCARPELLINI
ENVIADO ESPECIAL À PATAGÔNIA
Em alguns locais é possível perceber que, se a Terra é circular,
sem início nem fim, ao menos o
mundo, como construção dos homens, delimita suas margens. São
lugares em que a natureza se endurece até a hostilidade: mais que
um objeto de contemplação, torna-se um poder universal oposto
à independência humana e, por
isso mesmo, um severo desafio.
James Cook, o mais famoso navegador inglês do século 18, escreveu em seus diários que, se não
fosse pelo prazer que naturalmente o homem prova ao ser o primeiro descobridor de algum lugar, mesmo para se deparar com
nada mais que areia e aridez, esse
tipo de missão seria insuportável.
Na época em que Cook passou
pelo triângulo austral, ainda havia
muito para explorar, e a região já
tinha sido cenário de prodigiosas
aventuras e território cobiçado
pelas cortes européias.
Hoje, a bordo de um navio moderno imerso em sua auréola tecnológica, cruzar o estreito de Magalhães -uma "passagem secreta" ligando os oceanos Atlântico e
Pacífico- parece uma façanha
agradavelmente óbvia. O difícil é
não pensar nos riscos e obstáculos
que os antigos navegantes precisaram vencer durante o percurso.
Fernão de Magalhães foi o primeiro e o maior navegante de todos que chegaram até aqui. Na
primavera do 1520, descobriu a
passagem e a batizou "estreito de
Todos os Santos". Para a terra a
norte do estreito inventou o nome
"Patagônia", para aquela ao sul,
"Terra do Fogo". Com o tempo, o
estreito recebeu seu nome e toda a
região foi dita "magalânica".
A expedição durou três anos,
partiu de Sevilha, seguiu pelo
Atlântico, saiu no Pacífico (outro
nome dado por Magalhães), passou pelas Índias e voltou para a
Espanha: foi a primeira vez que o
homem circunavegava o mundo.
A maior das cinco embarcações
de Magalhães pesava 160 toneladas, isto é, 16 vezes menos que o
Mare Australis, navio com bandeira chilena que hoje leva seus
passageiros por essas latitudes até
o cabo Horn, a ponta de terra
mais próxima à Antártida.
Ele faz cruzeiros de Punta Arenas a Ushuaia e vice-versa, avançando pelo estreito de Magalhães,
a partir de setembro e rotas que
iniciam e acabam em Ushuaia,
passando pelo cabo Horn, estas
ainda com saídas neste fim de
temporada (leia mais à pág. F4).
Na luz transparente e sutil, desfilam colinas arredondadas, picos
pontiagudos e glaciais azuis. Trata-se de uma paisagem essencial,
que não tolera os caprichos, os
equívocos ou as inquietudes dos
trópicos. Transmite uma paz que
dá até um pouco de medo. Medo
de deslizar, languidamente, num
torpor definitivo. Mas isso acontece apenas dentro do navio: para
mudar de idéia, basta ir para a
área aberta e experimentar o frio e
o vento que, a 90 km/h, ainda é
chamado, aqui, de brisa marinha.
Levando em conta a profundidade da água, que varia de 1.000 m
a 4.000 m, e observando a infinidade de enseadas, baías, fiordes,
bancos de areias e falsas passagens, surpreende que Magalhães
tenha conseguido atravessar o estreito em apenas 33 dias.
Nos séculos seguintes, muitos
navios naufragaram tentando
passar ali. O próprio Magalhães
perdeu uma embarcação de sua
expedição, a Santo Antonio. Mas
a perda foi por deserção: o capitão
encarregado de explorar o braço
de um canal fugiu para a Espanha.
Vincenzo Scarpellini viajou a convite
da Nascimento Turismo, da LAN (LanChile), do hotel Park Plaza e da Cruceros
Australis.
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