São Paulo, quinta-feira, 04 de outubro de 2007

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DELÍRIO DE PEDRO

São Petersburgo foi erguida sob perda de 150 mil vidas

Os ossos dos mortos, misturados ao cimento dos monumentos, passaram a fazer parte da mitologia local

DO ENVIADO ESPECIAL A SÃO PETERSBURGO

A fundação da cidade, em 1703, é o produto da vontade de um homem. Duas razões moveram o czar Pedro, o Grande: defender a saída para o mar Báltico, região disputada há séculos com os suecos, e modernizar o país, construindo uma espécie de "janela para o Ocidente".
O czar, desde cedo apaixonado pela indústria naval, havia feito uma grande viagem pela Europa, a chamada "grande embaixada de 1697", chegando a trabalhar nos estaleiros da Holanda para aprender a arte da construção de navios. Voltou obcecado com a idéia de ocidentalização da Rússia, para a revolta da igreja de Moscou.
Aproveitando uma trégua com os suecos, o czar lançou as fundações de sua cidade numa ilha do rio Neva, que viria a se transformar na fortaleza de Pedro e de Paulo.
Os sacrifícios humanos foram numerosos. Cerca de 150 mil trabalhadores perderam a vida durante os primeiros três anos da construção da cidade. Os ossos dos mortos misturados ao cimento dos monumentos passaram a fazer parte da mitologia local.

Insustentável
Mas São Petersburgo floresceu em grande velocidade. Cientistas, engenheiros, juristas, teóricos e economistas foram incentivados a viver por lá. Em cem anos, a cidade já era maior que Moscou e se tornou o símbolo de uma nova Rússia.
Durante o reinado de Catarina, a Grande, a cidade foi ampliada e embelezada. Severos planos urbanísticos foram impostos: as fachadas deveriam ter padrão europeu e proporção harmônica com as ruas. Foram construídos o palácio de Inverno, hoje museu Hermitage, e o monumento a Pedro, o Grande, dois marcos.
Mas a grande ironia da história da cidade ainda viria. Ao abrir a janela para o Ocidente, o czar trouxe também as idéias liberais e de modernização que não condiziam com o regime autoritário da própria Rússia. Em 1814, os soldados que empurraram Napoleão de volta à França tiveram contato com as aristocracias, os parlamentos e as monarquias constitucionais da Europa ocidental.
Em meados do século 19, entre os cafés e as vitrines da avenida Névski começaram a circular as primeiras idéias vindas do oeste. Diversas manifestações por reformas constitucionais foram esmagadas pelo regime autoritário dos czares.
Não tardou muito para a situação ficar insustentável. Em 9 de janeiro de 1905, o "domingo sangrento", 150 mil grevistas e operários foram à praça do Palácio pedir melhorias e foram recebidos a bala pelos soldados de Nicolau 2º.
A Primeira Guerra Mundial trouxe ainda mais dificuldade. No meio da turbulência, Nicolau mudou o nome da cidade para Petrogrado, termo mais eslavo, num ato simbólico para conter a ocidentalização. Mas era tarde demais.
Após a abdicação do czar, entre os diversos grupos que disputavam o poder, os bolcheviques saíram vitoriosos. Em abril de 1917, vindo do exílio, Lênin desembarcava na estação Finlândia para mudar o rumo da história.
A exposição aos inimigos fez o novo governo mover a capital de volta para Moscou, e a cidade entrou em declínio. Após a morte de Lênin, foi rebatizada Leningrado.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a população deu provas de coragem. Por quase 900 dias a cidade resistiu ao exército nazista durante o chamado "cerco do Leningrado", com toda a sorte de sacrifícios.
Leningrado permaneceu ofuscada pela importância de Moscou durante a segunda metade do século 20, até ser redescoberta pelos turistas estrangeiros depois do fim da União Soviética.
Num plebiscito em 1991, a população devolveu-lhe o nome de São Petersburgo.
(TUCA VIEIRA)


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