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DELÍRIO DE PEDRO
Hiperbólico, acervo pede tour de 11 anos
Tempo supõe que visitante
contemplaria por um minuto
cada uma das 3 milhões de
obras do Hermitage
Tuca Vieira/Folha Imagem
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Praça do Palácio e palácio de Inverno, onde fica o museu Hermitage |
RUBENS VALENTE
EM SÃO PETERSBURGO
A guia e intérprete russa Natalia Startseva, 23, uma fã de
Machado de Assis que adora o
Rio de Janeiro, costuma atender ao pedido para que a vastidão do museu Hermitage seja
conhecida em duas horas.
Esse é o tempo médio que as
hordas de turistas levam -alguns verdadeiramente correndo- para apreciar apenas as
obras-primas do acervo. Para
Natalia, especialista em arte e
guia credenciada pelo Estado
russo para trabalhar no museu,
isso soa como uma heresia.
Uma das glórias do país, patrimônio arquitetônico e artístico mundial, o museu de São
Petersburgo (ex-Leningrado),
um dos maiores do mundo, requer tempo e disposição para
ser desbravado. Além disso, paciência para entender a falha
organização das salas e, se possível, o socorro de um intérprete, já que boa parte das placas
identificadoras das obras está
apenas em alfabeto cirílico.
Para o turista interessado em
arte, dois dias de visita, ou 14
horas, ainda são insuficientes
para a contemplação das centenas de destaques desse que é o
maior rival do Louvre, em Paris, em grandeza física e exuberância artística. São 1.057 salas
e 117 escadarias.
"Por aqui dizemos que se um
visitante gastasse um minuto
para olhar cada item exposto,
levaria 11 anos", diverte-se Lana, funcionária do museu.
FHC fez tour-relâmpago
O museu é sediado no antigo
Palácio de Inverno, a residência oficial dos czares. Começou
a ser construído em 1754 e ganhou ampliações e anexos ao
longo do tempo, acabando por
se constituir num complexo de
cinco edifícios que se interligam. A coleção de arte compreende os três andares do edifício principal, o Palácio de Inverno propriamente dito, e os
dois andares do Pequeno e do
Grande Hermitage.
É possível preencher algumas páginas de jornal só descrevendo os tesouros que um
turista apressado perde ao reduzir o Hermitage a 120 minutos de passeio -exemplo ilustre: a imprensa registra que, em 1994, o então presidente eleito,
Fernando Henrique Cardoso,
percorreu o Hermitage em
duas horas e meia.
O museu, que o guia "Lonely
Planet" define, sem medo de
exagero, como sem paralelo no
mundo -"existem galerias de
arte, existem os museus, existem os grandes museus e, então, existe o Hermitage"-, é
também um absurdo numérico. Ao todo, são 3 milhões de
obras de arte, dos quais apenas
20% estão em exposição.
Os 800 quadros de pintura
italiana e cem de pintura espanhola ficam obscurecidos pela
impressionante coleção impressionista e pós-impressionista francesa, com 36 obras de
Henri Matisse (1869-1954), 37
de Pablo Picasso (1881-1973),
15 de Paul Gauguin (1848-1903), quatro de Van Gogh
(1853-1890), oito de Monet
(1840-1926), e por aí afora.
Apenas a coleção holandesa e
flamenga do Hermitage, disposta em seis grandes salas,
num total de 500 obras, renderia um museu à parte, capaz de
fazer frente ao Rijksmuseum
de Amsterdã. São 37 quadros de
Peter Paul Rubens (1577-1640),
22 de Antoon Van Dyck (1599-1641) e 22 de Rembrandt
(1606-1669), incluindo uma bela versão de sua "Descida da
Cruz" (1634) e a obra-prima "O
Retorno do Filho Pródigo"
(1663/1665) -passando por
uma "Brazilian Landscape"
(Paisagem Brasileira), de Frans
Post (1612-1680), adquirida em
1939. A notável ausência é Johannes Vermeer (1632-1675).
Os turistas se acotovelam, e
aqui com toda razão, para apreciar a "Diana", de Rembrandt,
famosa pela qualidade intrínseca mas também por ter sido alvo, em 1985, de um maníaco
que a atacou com ácido sulfúrico e duas punhaladas. O trabalho de restauração, que se prolongou por 12 anos, não foi suficiente para apagar os vestígios
do ato de vandalismo.
A poucos metros dali, contudo, passam despercebidos os
feitos ainda hoje notáveis de
dois mestres em natureza morta, Pieter Claesz (1597-1661) e
Willem Claesz (1594-1682).
A única obra no museu de um
pintor chamado Jan Mandjin,
ativo no século 16 na Antuérpia, chamada "Paisagem da
Lenda de São Cristóvão", surpreende, pela similitude, os admiradores de Hieronymus
Bosch (século 16).
Desorganização
Visitar o Hermitage é passear
pela história concisa de vários
séculos de arte. Após uma sala
com cinco imensas pinturas de
Giambattista Tiepolo (da série
original de dez obras do artista,
as outras estão em museus de
Viena e Nova York), o visitante
chega às duas madonas de Leonardo Da Vinci (1452-1519),
dois destaques do acervo. Na
"Madona com uma Flor" (1478-1480), também conhecida como "Madona Benois", por causa do nome da família do arquiteto russo que detinha a obra,
Da Vinci retratou na mão da
criança Jesus uma flor em forma de cruz, como se o bebê tivesse previsto o destino que o
aguardava.
Se a riqueza do acervo e a beleza da construção são unanimidades, a organização do museu algumas vezes parece ser caótica. A inconstância é a marca. Em meados de abril, a Folha
encontrou trancadas diversas
salas de arte russa e duas salas
da pintura italiana, sem qualquer aviso prévio ou explicação. Por outro lado, achou uma
sala, a de número 65, que simplesmente não aparece nos
mapas entregues aos turistas
na entrada do museu.
Além da dificuldade com o
idioma -em várias salas existe
apenas o cirílico-, o turista terá problemas com a numeração
das salas. Muitas vezes passa de
um aposento a outro sem saber
seus números, o que não lhe
permite, ao checar a planta entregue na portaria, saber onde
está. Mas, ao ver-se cercado de
tantas obras-primas, isso fará
alguma diferença? Quase nenhuma, pelo prazer proporcionado aos sentidos pelo triunfo
russo chamado Hermitage.
MUSEU HERMITAGE
Praça do Palácio, de ter. a sáb., das
10h30 às 18h; e aos dom., das 10h30
às 17h. Quanto: 350 rublos (R$ 26);
mais 100 rublos (R$ 7,50) para uso
de câmera fotográfica e mais 350 rublos (R$ 26) para uso de câmera de
vídeo; tel.: 00/xx/7/812/571-3420
www.hermitagemuseum.org
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