São Paulo, segunda-feira, 05 de abril de 2004

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SABORES A FIO

População faz farra do boi nesta semana em Florianópolis e Governador Celso Ramos, aonde o ciclone não chegou

Chefs e artesãos aquecem outono de SC

Maristela do Valle/Folha Imagem
Praia da cidade de Governador Celso Ramos, cujos moradores costumam participar da farra do boi


MARISTELA DO VALLE
ENVIADA ESPECIAL A SANTA CATARINA

A água fria do litoral catarinense nesta época não é motivo para deixar de visitar as cidades de Florianópolis ou Governador Celso Ramos, nenhuma das duas atingida pelo ciclone que desabrigou 10 mil pessoas há cerca de dez dias no sul de Santa Catarina e no norte do Rio Grande do Sul.
Em qualquer mês, os restaurantes da capital catarinense saciam os mais exigentes glutões, oferecendo muito além dos frutos do mar, embora ainda se destaque a seqüência de camarão, prato com várias versões do crustáceo.
Também a criatividade dos artesãos de Florianópolis e Governador Celso Ramos se manifesta o ano inteiro. Toalhas embelezadas com crivo, um tipo de bordado, e peças de cerâmica retratando os personagens do boi-de-mamão (que lembra o bumba-meu-boi) destacam a influência dos açorianos que se instalaram no Estado de 1748 a 1756.
Também a farra do boi foi herdada dos emigrantes dos Açores. Apesar de proibida por lei, a brincadeira ocorre durante a Quaresma (os 40 dias entre o Carnaval e a Páscoa) e se acentua na Semana Santa, principalmente nas pequenas comunidades, inclusive pertencentes a Florianópolis.
Em Governador Celso Ramos, a 50 km da capital, os habitantes arrecadam dinheiro de casa em casa para comprar o boi de um fazendeiro por um valor entre R$ 800 e R$ 1.200, segundo relato do morador Dauceli Angelo, entusiasta do folguedo. "O boi tem que ser bravo, senão não adianta."
Quando o boi chega, de caminhão, a população se aglomera até que ele seja solto e sai correndo para todos os lados. Em alguns momentos, perseguição se inverte, e é o boi que foge dos homens, ávidos por atiçá-lo, às vezes após consumir gutiá (cachaça de coco).
A brincadeira acaba quando o boi se cansa ou se perde, como um que foi achado morto no mar, preso entre rochas, há duas semanas em Governador Celso Ramos. O animal pode ter dois fins: ele é comprado pelo mesmo fazendeiro que o vendeu, mas agora por um valor inferior, em torno de R$ 400, ou vira churrasco. Porém, segundo os próprios habitantes, a carne fica dura, de boi estressado.
Os defensores da farra do boi alegam que se trata de uma importante manifestação cultural herdada dos Açores que não deve se perder. E acrescentam que os moradores não maltratam o animal. Muitos argumentam que, se a farra do boi acabar, deve-se proibir também os rodeios.
Já os contrários ao ritual, além de se preocuparem com o animal, enfatizam o perigo da farra. Acidentes são provocados quando o boi bate num veículo vindo na direção oposta, e os próprios foliões podem se machucar. Em 20 de março, um adolescente morreu com a chifrada de um boi no pescoço no município de Itapema (SC), dentro de um cercado chamado pelos locais de mangueirão.
Mas a farra do boi está tão enraizada que até as crianças têm suas versões: brincam entre si usando chapéus com chifres ou se divertem com bezerros de verdade.

Maristela do Valle viajou a convite do hotel Torres da Cachoeira, do Palmas Parque Hotel, da Pomptur Turismo e da agência local Aram Tour.


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