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FERNANDO GABEIRA
Há alguma coisa no ar e são os aviões de carreira
"H á alguma coisa no ar
e não são os aviões de
carreira." Quando o barão de Itararé escreveu essa frase, fazia apenas uma piada com o clima de
tensão política no país. Não havia
naquela época o intenso tráfico
de drogas, um comércio milionário que utiliza todos os meios de
transporte, inclusive aviões.
Foi para deter o tráfico de drogas que os norte-americanos inventaram a Lei do Abate, que
consiste em derrubar qualquer
avião desconhecido que não atenda às ordens de aterrissar.
Estava conduzindo um combate político contra essa lei, que introduz a pena de morte no Brasil
por caminhos bárbaros, que suprimem julgamento e que significam também a morte de quem estiver ao lado do piloto. Julguei
que estivesse quase sozinho, até
que recebi um telefonema de
apoio do presidente da Rio-Sul,
George Hermakoff.
Fui visitá-lo cheio de esperança.
Pessoalmente, até que ele não se
considera um adversário apaixonado da lei. Mas queria combatê-la, entre outras coisas, em homenagem ao comandante Rolim, o
fundador da TAM, este sim disposto a brigar contra ela, mesmo
que tivesse de contrariar o ministro da Defesa.
O encontro com Hermakoff
enriqueceu minha visão do problema, que eu abordava apenas
de um ponto de vista político e
moral. Ele lembrou que muitos
pilotos na Amazônia não têm
carteira de habilitação e por isso
fogem do controle. Outros fogem
por não ter exames médicos atualizados. Há quem voe com rádio
desligado e muitos se arriscam a
viajar mesmo com o equipamento em pane.
A Amazônia, portanto, é cheia
de vôos irregulares. No entanto
eles não merecem a pena de morte, que certamente seria decretada se a Aeronáutica resolvesse
abater os aviões.
Como evitar que esses bombardeios matem inocentes? Como
manter fora de nossas fronteiras
esse sinistro produto americano
que é a pena de morte? A resposta
não é fácil, pois os militares precisam exercer a soberania brasileira em nosso espaço aéreo.
Ainda raciocinando tecnicamente, Hermakoff apresenta uma
solução que poderia ser válida
para toda a América Latina: em
vez de projéteis de verdade, a utilização de uma bala de tinta, que,
explodindo no avião, o manchasse com uma tinta quase indelével,
difícil de ser removida.
Se nossos caças forem capazes
de escoltar e manchar um avião
suspeito, terão cumprido uma tarefa muito mais inteligente. Em
primeiro lugar, porque não matarão, e isso já é uma razão. Em segundo lugar, porque facilitam o
interrogatório de suspeitos, o que
pode aumentar a eficácia do trabalho investigativo.
Em homenagem ao seu amigo
Rolim, Hermakoff chegou a consultar técnicos da Boeing e obteve
deles uma resposta positiva: sim,
era possível produzir uma tinta
que, manchando o avião, não
saísse durante um bom tempo.
Saí da visita esperando que ele
escrevesse um artigo expondo
suas propostas, que me parecem
sensatas.
Lembram-nos do comandante
Rolim, que, além de piloto, era
também motociclista e, nas horas
mais intensas, trabalhava recolhendo cartões de embarque na
porta dos aviões da TAM.
Se Rolim estivesse vivo, estaríamos ombro a ombro tentando
mudar a posição do governo.
Aliás, creio que a posição do presidente Fernando Henrique Cardoso é a mais vulnerável, nesse
ponto. Está em fim de governo.
Para que regulamentar uma lei
tão odiosa?
Se o horizonte do presidente é
uma carreira internacional, é
bom lembrar que, nesse espaço,
levam mais chances os conciliadores do que os falcões, sobretudo
quando guiados pelos autênticos
falcões norte-americanos.
Fernando Henrique, que fez as
pazes do Peru com o Equador e
contribuiu para inúmeros processos de paz, é o estadista para exportação, aquele que deverá ocupar um espaço de sua inteligência
e cultura. Regulamentar uma lei
dessas, no apagar das luzes, seria
uma imprudência.
Por que fazer agora a briga que
poderia ser feita no ano que vem,
quando o novo presidente, cheio
de energia, assumir o cargo?
Com uma lei dessas em vigor, a
Amazônia passará a ser um território ainda mais perigoso. Um
pouco como as favelas de hoje,
onde balas perdidas e equívocos
da polícia costumam matar tantos inocentes. Vamos levar nossa
loucura para os ares, ao som do
hino norte-americano.
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