São Paulo, segunda, 6 de outubro de 1997.



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PERNAMBUCO ARTIGO
Ruas do Recife parecem saídas dos poemas de Manuel Bandeira

XICO SÁ
da Reportagem Local

O melhor do Recife não está na paisagem marinha, mas sim na geografia aparentemente mais caótica da cidade.
É o miolo da chamada Manguetown, as ruas que parecem saídas dos poemas de Manuel Bandeira, como Aurora, Sossego e Soledade... Sem esquecer o parque 13 de Maio, refúgio dos namorados (sem dinheiro para o motel) e dos adúlteros vespertinos de plantão.
Mais adiante, o guia lírico nos aponta o Beco do Vento, lugar assim conhecido graças à brisa permanente do Capibaribe. No exato ponto onde o rio anda mais sem pressa, sem vontade de chegar, roçando as moças da rua da Aurora.
É um dos melhores lugares do mundo para tomar cerveja com os amigos e falar mal da vida alheia -sempre acompanhado de amendoim cozido ou torrado.
Nesse ponto da cidade, poderíamos repetir, com o habitual exagero nordestino, a frase que virou um dos quadros mais famosos de Cícero Dias: "Eu vi o mundo, e ele começava no Recife".
Perto dali, não ferve mais como antes, mas ainda mantém o glamour, a rua Sete de Setembro, tradicional ajuntamento de boêmios e poetas (o Recife tem quatro poetas por cada metro quadrado).
No local, todos ficavam esperando que chegasse a hora de beber de graça, na Livro 7, onde Tarciso, o dono, promovia lançamentos diários com direito a uma gilbertiana batida de pitanga, limão etc.
A cidade vivia a utopia das Edições Pirata, um selo criado pelo escritor Jaci Bezerra para publicar, em forma de cooperativa, livros de famosos e anônimos.
Além da bebida, a gente podia "fazer cara de inteligente", folheando um Walter Benjamim para enganar as mocinhas de óculos que passeavam por ali.
Assombrações
Daí por diante, é só atravessar a ponte e pisar o solo do Recife Velho, onde a cidade guarda as suas assombrações e fantasmas.
Restaurada, maquiada, a zona foi invadida por "mauricinhos", mas mantém intatas ilhas de inquietação. Lá está a Whiskeria 28, onde o começo da noite ainda é uma festa de malte bom e barato.
As prostitutas foram praticamente tangidas pelas novas fachadas e costumes, mas o bar do Grego resiste e abriga shows e festas do circuito pop recifense.
Para completar, o centro ganhou um braço a mais na sua geografia da diversão. É o bairro do Pina, uma espécie de "patinho feio" da praia de Boa Viagem, que sempre foi mais ligado sentimentalmente à parte velha da cidade.
No Pina, encontramos os melhores caldinhos (de peixe ou feijão). São acompanhamentos indispensáveis da cerveja e da cachaça.
O bairro é o último que fecha. A Soparia, sede lúdica do movimento Manguebeat, acolhe as boas sobras da noite. No cenário, uma coisa impressiona: como bebem essas mulheres de Pernambuco.


O repórter especial Xico Sá nasceu em Crato (CE) e viveu dos 13 aos 26 anos no Recife


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