São Paulo, quinta-feira, 06 de novembro de 2008

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NUEVOS AIRES

Peça tenta explicar o peronismo por meio da comédia

"El Fulgor Argentino" aborda a história do país apresentando a trajetória de um clube de dança de salão

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Você sabe o que é o peronismo? Faça essa pergunta a um argentino e a resposta será positiva, é claro, embora ele não consiga explicá-lo direito. Logo começará a fazer divagações contra o autoritarismo, sobre o antiamericanismo, o nacionalismo e, em poucos minutos, o papo já estará longe dali.
Você sairá da conversa sem uma resposta e com a conclusão de que ser peronista é nada menos que o requisito básico para que um governante chegue ao poder na Argentina e dificilmente seja derrubado.
Pois, a política supostamente nascida com o modo personalista e carismático do presidente e general Juan Domingo Perón (1895-1974), ao lado do tango e de Maradona, talvez seja a característica mais marcante da maneira de ser argentino.
Uma visita ao Galpón de Catalinas, na Boca, é um passeio pela imaginário popular histórico do país e uma tentativa de explicar o peronismo por meio de uma comédia.

Espetáculo
Aos sábados, um grupo de vizinhos se reúne em um velho galpão que faz as vezes de teatro para encenar ali "El Fulgor Argentino". Nenhum dos participantes é ator profissional, e a peça conta cem anos da história do país (1930-2030) por meio da trajetória de um velho clube de danças de salão.
Trata-se de uma ficção histórica que se arrisca, ao final, também a um pouco de futurologia -basta reparar no ano em que termina a saga.
Tudo começa com o golpe militar que derruba o governo de Hipólito Yrigoyen, do tradicional partido de oposição, a União Cívica Radical, e instala o primeiro de uma série de golpes militares que vitimaram o país no século passado.
A tensão popular cresce e freqüentadores do clube se dividem em pró e contra o "establishment".
De um lado, os tradicionais representantes da elite política tradicional e a igreja. Do outro, trabalhadores, imigrantes pobres e despossuídos em geral que começam a se associar e a reivindicar seus direitos civis e posição na sociedade.
Os conflitos se acirram, até que surge a figura do general Perón, polarizando interesses.
Na seqüência, vêm as ditaduras, as perseguições a guerrilheiros, as prisões e os desaparecimentos. Até a chegada da democracia, as crises econômicas, a instabilidade dos presidentes e os dias de hoje, representados numa figura caricata de Cristina Kirchner, com a cara empapada de pó-de-arroz e vestida de madame.
Apesar do pesado conteúdo político, tudo é contado em tom de galhofa e autocomiseração.
Não se trata de uma análise sociológica, mas sim de como o povo das ruas viu esses acontecimentos.
Inevitavelmente sai-se dali com uma visão positiva do peronismo, pois é a que vigora, até os dias de hoje, nas camadas mais baixas da sociedade.
Além dos quase 60 atores, também há bonecos, confeccionados pelos membros do grupo. A direção é de Adhemar Bianchi-Stella Giaquinto.
O teatro está localizado no bairro da Boca. Existem outras encenações ali, mas a mais interessante é mesmo "El Fulgor Argentino", aos sábados, às 22h, a um preço bem acessível: 25 pesos (R$ 16).

Restaurante
O espaço localiza-se a poucas quadras do restaurante El Obrero. Antigamente esta era uma "parrilla" clássica e sem luxos. Nos últimos anos, principalmente depois que o diretor de cinema alemão Wim Wenders visitou o local ao lado do roqueiro irlandês Bono, do U2, o local começou a bombar.
Hoje o restaurante segue servindo as carnes tradicionais, mas já é quase impossível conseguir uma mesa sem marcar com dias de antecedência.
E, ainda que você consiga, há o tradicional desconforto em se perceber comendo num lugar tão argentino e cercado por uma maioria de não-argentinos ao redor. O local virou ponto turístico obrigatório de vários guias de viagem.
"As pessoas passam por aqui e me perguntam: "Onde é o Obrero?" E eu respondo, o obrero sou eu!", brinca o rapaz do grupo Catalinas que improvisa uma "parrilla" na rua mesmo, diante do galpão-teatro [obrero significa trabalhador, em espanhol].
Os quitutes vendidos por ele e seus companheiros nessa tendinha, que fica literalmente na sarjeta, são, em muitos casos, bem melhores do que muito do que se serve no agora arrogante espaço logo ali ao lado: churrascos, empanadas e que tais -um cardápio perfeito para se preparar para entrar no túnel do tempo que é "El Fulgor Argentino".


GALPÓN DE CATALINAS
Rua Pérez Galdós 93, Boca; tel. 00/ xx/54/11/4307-1097. Funcionamento da bilheteria: terça a sábado, das 17h às 21h
www.catalinasur.com.ar


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