São Paulo, quinta-feira, 07 de julho de 2011

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Cidade perdida fez ressurgir passado inca

Identidade preservada em Machu Picchu levou cultura incaica à condição de contrapeso à tradição colonizadora

Civilização, que início foi idealizada como o contraponto à violência dos europeus, provou do próprio veneno


OSCAR PILAGALLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A descoberta de Machu Picchu, em 1911, coincide com um momento em que o Peru -como o Brasil e outros países do continente-, ao se aproximar do aniversário de um século de independência, está à procura de uma identidade própria.
O inesperado ressurgimento do passado pré-hispânico preservado na "cidade perdida" nos Andes foi a senha para que parte da intelectualidade local alçasse a cultura inca à condição de contrapeso à tradição colonizadora.
Para melhor servir à causa de uma nacionalidade indígena, capaz de reequilibrar a importância das etnias que compõem a mestiçagem peruana, a civilização inca foi idealizada como contraponto da violência dos conquistadores europeus.
Com o tempo, no entanto, uma perspectiva distante desse compromisso ideológico, típico do início do século 20, fixou a interpretação de que, com a derrota de seu império, em 1532, os incas provaram do próprio veneno.
O império inca, afinal, havia sido criado no século anterior à custa de guerras de conquista, com as quais muitos povos do subcontinente foram dominados.
No auge, com 12 milhões de habitantes, o império inca chegou a ser comparado ao romano. Ambos estavam assentados sobre uma complexa máquina administrativa que se estendia aos extremos de um vasto território.
Da mesma maneira, os dois impérios se destacaram pela construção de uma rede de estradas. No caso dos incas, foram traçadas duas grandes vias paralelas -uma ao longo do litoral, outra pelas montanhas- interconectadas por pequenas ramificações, inclusive a que leva a Machu Picchu, num total de mais de 25 mil quilômetros.
O mérito dos incas é ainda maior quando se levam em conta suas desvantagens em comparação aos romanos: eles nunca tiveram dinheiro e não conheceram a escrita.
A ausência de uma moeda não os impediu de recolher impostos. O Estado inca recebia sua parte em trabalhos prestados pelos súditos, fosse na agricultura ou na construção de templos.
Quanto à língua, o quíchua, tinha apenas tradição oral (hoje, falado por grande parte da população, conta também com uma versão escrita). Sem registro, os incas não puderam contar sua história, tarefa que ficou a cargo dos espanhóis.
Para compensar tal deficiência, os incas desenvolveram um sistema de registro de informações conhecido por "quipu" -um feixe de cordas coloridas com sequências de nós que, em códigos não mais acessíveis, armazenavam dados econômicos e até censitários.
Se os incas não contaram sua história, as pedras o fizeram -pelo menos no que diz respeito à arquitetura. Ainda em pé, fortalezas erguidas com enormes blocos multiangulares apenas justapostos revelam uma sofisticada técnica de construção.
A arquitetura, na realidade, assim como a metalurgia e o artesanato, é anterior ao império inca.
O que os incas fizeram, isto sim, foi reconhecer as habilidades dos povos que dominaram, incorporando-as à sua própria cultura.
Da mesma maneira, aliás, que os espanhóis também usaram um dos mais preciosos legados incas -a azeitada estrutura administrativa- para se impor sobre a civilização conquistada.

OSCAR PILAGALLO, jornalista, é autor do livro "A Aventura do Dinheiro" (Publifolha)



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