São Paulo, segunda, 7 de julho de 1997.



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POR DENTRO DO FOLCLORE BRASILEIRO
Nordestino levou festa para a Amazônia

Boi Garantido sai de dentro de um coração na terceira noite da festa MARIA LAURA VIVEIROS DE
CASTRO CAVALCANTI
especial para a Folha

Parintins é uma pequena cidade na ponta leste da ilha de Tupinambarana, região do médio rio Amazonas, bem próxima à fronteira do Amazonas com o Pará.
A ilha, que já conheceu períodos de prosperidade, como na época da borracha e da juta, na virada do século, tem como atividade econômica principal a pecuária bovina.
Parintins tem se tornado conhecida não só em sua região (onde é uma espécie de capital cultural), mas em todo o país por conta do festival de seus bois-bumbás.
O auto popular do Boi, de origem portuguesa, chegou à região junto com as levas de migrantes nordestinos vindos por ocasião do apogeu da extração da borracha, em fins do século 19 e início deste.
O "Dicionário do Folclore Brasileiro", de Câmara Cascudo, já se refere ao boi-bumbá como a variante nortista e aculturada do bumba-meu-boi nordestino.
Conta a tradição que o primeiro boi, o Garantido -o boi branco, cujas cores emblemáticas são o vermelho e o branco-, foi criado em 1913, por Raimundo Monteverde, exímio repentista.
Logo seguiu-se a criação do outro boi, o Caprichoso -o boi preto, cujas cores emblemáticas são o azul e o branco. A tradição relembra outros bois, mas só esses dois vingaram, estabelecendo a fraterna rivalidade que anima o festival.
Cada boi apresenta-se atualmente com cerca de 3.500 brincantes, que se revezam nas três noites dos dias 28, 29 e 30 de junho, num estádio, o bumbódromo.
Construído em 1988 com essa finalidade específica, o bumbódromo é uma arena circular cercada por arquibancadas que comportam 40 mil pessoas.
Indo do porto para o centro, alinham-se em linha reta a catedral de Nossa Senhora do Carmo, a padroeira da cidade, o cemitério local e o bumbódromo.
Essa localização é significativa. Não só as arquibancadas circulares são divididas em duas metades -a metade a oeste é da galera vermelha (os torcedores do Garantido), a metade leste é da galera azul (os torcedores do boi Caprichoso)-, como a própria cidade se divide em duas: no lado leste estão situados o curral (a quadra onde se realizam os ensaios de cada boi) e os Q.G.s (quartéis-generais onde são feitas as alegorias e as fantasias dos grupos) do boi Garantido; no oeste, os do Caprichoso.
Assim, caminhar para leste ou para oeste nas ruas da cidade é adentrar a rede de relações de um dos dois bois-bumbás.
O auto tradicional do Boi encena a seguinte lenda: Mãe Catirina, grávida e mulher do peão (em algumas versões negro) Pai Francisco, deseja comer a língua do boi predileto de seu patrão.
Pai Francisco mata-o para satisfazer-lhe a vontade. O patrão descobre e ameaça punir Pai Francisco. Tenta-se ressuscitar o boi com ajuda do padre (falso), do médico e do pajé, buscado pelos índios a pedido de Pai Francisco ou do patrão, que é bem sucedido.
Na região Norte, e especialmente em Parintins, esse eixo de significação sofreu transformações. Incorporou à sua estrutura narrativa não só todo o universo social, lendário e mítico, mas também a bandeira ecológica e indigenista. O resultado é espetacular, conjuga fogos, sintetizador, laser e efeitos à representação do auto tradicional, tornado hipermoderno.


Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti, 43, antropóloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro, escreveu "Carnaval Carioca: dos Bastidores ao Desfile" (1995).


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