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POR DENTRO DO FOLCLORE BRASILEIRO
Nordestino levou festa para a Amazônia
Boi Garantido sai de dentro de um coração na terceira noite da festa
MARIA LAURA VIVEIROS DE
CASTRO CAVALCANTI
especial para a Folha
Parintins é uma pequena cidade
na ponta leste da ilha de Tupinambarana, região do médio rio Amazonas, bem próxima à fronteira do
Amazonas com o Pará.
A ilha, que já conheceu períodos
de prosperidade, como na época
da borracha e da juta, na virada do
século, tem como atividade econômica principal a pecuária bovina.
Parintins tem se tornado conhecida não só em sua região (onde é
uma espécie de capital cultural),
mas em todo o país por conta do
festival de seus bois-bumbás.
O auto popular do Boi, de origem portuguesa, chegou à região
junto com as levas de migrantes
nordestinos vindos por ocasião do
apogeu da extração da borracha,
em fins do século 19 e início deste.
O "Dicionário do Folclore Brasileiro", de Câmara Cascudo, já se
refere ao boi-bumbá como a variante nortista e aculturada do
bumba-meu-boi nordestino.
Conta a tradição que o primeiro
boi, o Garantido -o boi branco,
cujas cores emblemáticas são o
vermelho e o branco-, foi criado
em 1913, por Raimundo Monteverde, exímio repentista.
Logo seguiu-se a criação do outro boi, o Caprichoso -o boi preto, cujas cores emblemáticas são o
azul e o branco. A tradição relembra outros bois, mas só esses dois
vingaram, estabelecendo a fraterna rivalidade que anima o festival.
Cada boi apresenta-se atualmente com cerca de 3.500 brincantes,
que se revezam nas três noites dos
dias 28, 29 e 30 de junho, num estádio, o bumbódromo.
Construído em 1988 com essa finalidade específica, o bumbódromo é uma arena circular cercada
por arquibancadas que comportam 40 mil pessoas.
Indo do porto para o centro, alinham-se em linha reta a catedral
de Nossa Senhora do Carmo, a padroeira da cidade, o cemitério local e o bumbódromo.
Essa localização é significativa.
Não só as arquibancadas circulares são divididas em duas metades
-a metade a oeste é da galera vermelha (os torcedores do Garantido), a metade leste é da galera azul
(os torcedores do boi Caprichoso)-, como a própria cidade se
divide em duas: no lado leste estão
situados o curral (a quadra onde se
realizam os ensaios de cada boi) e
os Q.G.s (quartéis-generais onde
são feitas as alegorias e as fantasias
dos grupos) do boi Garantido; no
oeste, os do Caprichoso.
Assim, caminhar para leste ou
para oeste nas ruas da cidade é
adentrar a rede de relações de um
dos dois bois-bumbás.
O auto tradicional do Boi encena
a seguinte lenda: Mãe Catirina,
grávida e mulher do peão (em algumas versões negro) Pai Francisco, deseja comer a língua do boi
predileto de seu patrão.
Pai Francisco mata-o para satisfazer-lhe a vontade. O patrão descobre e ameaça punir Pai Francisco. Tenta-se ressuscitar o boi com
ajuda do padre (falso), do médico
e do pajé, buscado pelos índios a
pedido de Pai Francisco ou do patrão, que é bem sucedido.
Na região Norte, e especialmente
em Parintins, esse eixo de significação sofreu transformações. Incorporou à sua estrutura narrativa
não só todo o universo social, lendário e mítico, mas também a bandeira ecológica e indigenista. O resultado é espetacular, conjuga fogos, sintetizador, laser e efeitos à
representação do auto tradicional,
tornado hipermoderno.
Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti,
43, antropóloga da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, escreveu "Carnaval Carioca: dos Bastidores ao Desfile" (1995).
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