São Paulo, Segunda-feira, 08 de Novembro de 1999
Texto Anterior | Índice

QUALQUER VIAGEM
Internet: a história de um grupo de "geeks"

DAVID DREW ZINGG
em Sampa

"O que é legal na Internet é que ninguém sabe que você é cachorro."

Charge na "The New Yorker"

A história da Internet é a história do "geek".
A World Wide Web tem apenas 30 anos de idade, completados no mês passado.
A data exata em que ela nasceu, se você é dado a comemorar acontecimentos arcanos como esse, foi no dia 29 de outubro de 1969.
Tio Dave é uma espécie de "geek" confesso, Joãozinho.
Já falávamos da Internet nesta coluna muuuito tempo atrás, em 1994, época que, em termos de história da Internet, equivale aproximadamente à Idade da Pedra.
A primeira vez que vi a Internet, usávamos esotéricos comandos do DOS para passar as informações de um lugar a outro.
Não havia nada dessas coisas modernosas da Netscape para ajudar sua namorada a encontrar conselhos sentimentais no UOL.
A história da Internet é a história dos "geeks" que a construíram. Hoje esses mesmos "geeks" estão transbordando de carros chiquérrimos, escritórios também chiquérrimos, grandes veleiros que participam do America's Cup e mansões monumentais.
Um tema importante da saga da Internet é o da Vingança dos "Geeks". Você os derrotou no ginásio -agora eles são donos dos melhores times de futebol.
Eram aqueles adolescentes chatos, espertinhos demais, cheios de espinhas no rosto, que tocavam guitarra acompanhando as músicas do Grateful Dead.
Eram os meninos que usavam aqueles óculos fundo-de-garrafa, com pesados aros pretos.
Os "geeks" inventaram a Internet e, agora, são barões da Web. Aos 25 anos de idade, estão criando as novas "empresas ponto com" e andam por aí naqueles detestáveis BMW amarelos conversíveis.

Como a confusão começou
Vamos dar um "fast reverse" e encarar uma aulinha de história.
No final da década de 50, o Pentágono, que era paranóico e tinha bolsos grandes, financiava o planejamento da defesa nacional nos grandes computadores mainframe de universidades espalhadas pela Gringolândia, por meio de uma coisa chamada Agência de Projetos de Pesquisa Avançada, ou Arpa (as iniciais do nome em inglês).
No final da década de 60, a Arpa contratou uma equipe de "geeks" brilhantes para inventar uma maneira de interligar todos esses computadores, para o caso de os malévolos russos sabotarem a companhia telefônica, expulsando-a do ramo das comunicações.
Assim nasceu a ARPAnet, à prova de bombas. Ela foi criada graças a uma tecnologia esdrúxula chamada "packet-switching", que não vou tentar explicar a você hoje.
A ARPAnet foi a tataravó da Internet que você hoje conhece, ama e utiliza para navegar por todos aqueles sites sexuais molhados.
A primeira ARPAnet ia apenas do ponto A ao ponto B. Tinha só dois nodos.
Pense em Alexander Graham Bell e na invenção do telefone.
Em lugar de "venha para cá, por favor, senhor Watson", a primeira mensagem transmitida pela recém-nascida ARPAnet foi, à típica moda "geek", "LOG IN". Ou, melhor dizendo, teria sido, se a ARPAnet não tivesse dado pau antes de meio caminho percorrido. A mensagem que de fato chegou foi um solitário "LO". A verdadeira diferença entre os "geeks" e você é que eles, quando chegam a esse ponto, não começam a chorar, gritar, chutar as cadeiras e desistir de tudo.
Por razões nada evidentes, eles seguem adiante. Continuam tentando.
Em meados da década de 70, a Internet já era uma realidade prática, embora ninguém soubesse o que fazer com ela.
Então um "geek" chamado Ray Tomlinson inventou o e-mail.
De repente aquela tecnologia militar caríssima, de ponta, estava sendo utilizada para que as pessoas pudessem digitar bilhetinhos como "o que você vai fazer depois do trabalho, querida?" e enviá-los umas às outras.
Durante muito tempo esse ciberespaço primitivo permaneceu como domínio exclusivo de cientistas e fãs do Grateful Dead.
Finalmente, foi necessária a criação da amplamente acessível World Wide Web (um sistema universal de endereços desenvolvido no laboratório Cern, em Genebra) e o desenvolvimento relativamente recente do navegador Web de utilização simples para levar a coisa toda ao ponto em que o Joãozinho do Público pudesse utilizá-la para procurar fotos de mulheres peladas.
É difícil enxergar a história da Internet até hoje como "história" propriamente dita, já que ninguém, a começar pelo Velho Geek Dave, faz idéia de onde tudo isso vai parar.
Estou certo de que a revolução da Internet nem sequer começou realmente e que a fase de 1968 a 1998 será tratada na primeira página da História do Ciberespaço.
Em dois ou três anos estaremos dando ordens verbais à Internet embutida em nossas escovas de dentes elétricas.
Também é difícil imaginar como alguma coisa que em sua pré-história não despertava o interesse de ninguém, exceto dos mais "geeks" dos "geeks", pode ser transformada em algo que dê uma leitura interessante.
Nas palavras de James Gosling, o "geek" inventor da linguagem de computador Java: "O tipo de coisa que eu faço é algo que não tenho idéia de como explicar à minha mãe".
Compreendo perfeitamente como se sente a mãe dele.


Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Arqueologia: Carro elétrico ajuda a preservar templos
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.