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FRONTEIRA VERDE
Para guia, selva é sua pátria, com fronteiras próprias
O peruano Enrique Sanchez Guerrero guia turistas em inglês e se nega a tirar qualquer coisa da mata
DA ENVIADA ESPECIAL À AMAZÔNIA
Ele se sente mais confortável
fazendo explicações em inglês.
Sua língua-mãe é o espanhol. E
seu cotidiano de trabalho, na
Amazônia. "Faço poucos passeios em português, por isso me
desculpem se me faltar alguma
palavra." Tudo parece pouco
provável. Enrique Sanchez
Guerrero é peruano, nasceu
nos arredores de Lima, cresceu
na porção da floresta amazônica no Peru e vive em Manaus.
A fluência no inglês é que lhe
garante o sustento. A maior
parte dos hóspedes que atende
é formada por estrangeiros. E
seu inglês é perfeito. Aprendeu
nos 18 anos em que viveu na Escócia, trabalhando em navios
petroleiros. Os filhos vivem na
Itália, na Escócia e no Peru.
Seria ele um cidadão do mundo? Não. "Considero a Amazônia a minha pátria. Não importa se é a Amazônia peruana, a boliviana ou a brasileira. As
fronteiras da floresta são mais
reais que as dos mapas."
O rosto de traços duros andinos se amolece todo em sorrisos encabulados quando ele se
esquece do nome de uma flor
em português. Ele coça o cocuruto, pensa no nome em inglês
e solta o nome científico, na esperança de que alguém se lembre do nome popular.
Na floresta, Enrique cutuca
com um graveto as tocas de aranhas, a quem chama de amigas,
para que elas apareçam. Coloca
a mão em formigueiro até ela ficar coberta de formigas, para
mostrar para o grupo.
Mas não tira do lugar qualquer coisa que não possa ser devolvida logo depois. "Em alguns
dos hotéis em que trabalho, os
guias cortam pedaços do cipó-d'água para mostrar para os turistas que tem água ali dentro.
Estão matando esses cipós. Há
regiões inteiras em que quase
não há mais cipó d'água. Eu não
tiro nada da floresta."
E não tira mesmo. No máximo, raspa a casca do lacre para
mostrar como é a seiva.
Depois de navegar 20 dias sozinho por esses rios, de se perder por uma semana com um
grupo de turistas no meio da
mata -"eram franceses desobedientes que adoraram a idéia
de estar perdidos"- e de perder
a conta de quantas vezes conduziu cursos de sobrevivência
na selva, quando questionado
sobre qual é a parte da floresta
de que mais gosta, ele dá uma
resposta simples: do igapó.
"Ali a vida começa, as sementes alimentam os peixes ou viajam nas correntes até pararem
em outra parte para brotar".
E quando conta dos lugares
que conhece (das capitais européias aos vilarejos amazonenses), dos filhos (são seis, cada
um num canto), das vezes que
casou (duas), dos trabalhos que
teve (dos petroleiros do mar do
Norte às aulas de espanhol em
Manaus), desperta a curiosidade a respeito de sua idade. Mas
não responde. Sem um fio de
cabelo branco, diz ter mais de
80. Diante da descrença, emenda: mais de 70. E ri, e o rosto se
amolece todo.
Apesar de considerar a Amazônia sua pátria, ele deixa claro
o tanto que sente falta do Peru.
Comendo um frango com pimenta com sumo de mandioca
e farinha, jura que ali tem queijo -não tem. Ele insiste. "É como o molho huacaína que comemos no Peru, de queijo e pimenta, servido com batata."
Não é, mas não custa nada deixá-lo lembrar das "papas à
huancaína" de seu país.
(HL)
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