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TIGRE CELTA
O idioma, pouco falado no país, é uma mistura do irlandês com o inglês, mas com variações no vocabulário
Irlandês também fala "hiberno english"
GUILHERME CUCHIERATO
DA REPORTAGEM LOCAL
O turista que chegar à Irlanda
esperando ouvir uma versão muito próxima do inglês britânico,
principalmente se estiver habituado à pronúncia dessa língua na
América do Norte, poderá se surpreender. E a surpresa poderá ser
ainda maior se esse visitante vier a
saber que a língua que lhe causa
estranheza é o próprio inglês.
Trata-se do seu primeiro contato com o "hiberno english", nome
do dialeto irlandês originado na
língua inglesa.
Na Irlanda, o habitante local usa
e fala o inglês de um modo próprio, que se faz notar marcadamente no vocabulário, nas expressões idiomáticas e na pronúncia. Segundo Munira Mutran,
professora de literatura anglo-irlandesa da Universidade de São
Paulo (USP) e presidente da Associação Brasileira de Estudos Irlandeses (Abei), esses elementos retratam a história política, cultural
e linguística de duas nações, a Irlanda e a Inglaterra.
O nome dessa língua deriva de
"Hibernia", antigo significado de
"Irlanda" em latim. Nesse país, o
"hiberno english" é o nome da
língua de uso cotidiano, uma mistura de "irish" -irlandês- e inglês, a outra língua oficial. Há
duas características principais
que a distinguem do inglês.
A primeira é que se trata de uma
espécie de dialeto híbrido, que
"toma emprestado" do irlandês
diversas palavras e expressões de
modo direto ou por meio de formas anglicizadas.
A palavra "galore", por exemplo, que, em português, significa
"em abundância", é uma anglicização do termo irlandês "go leor",
que significa -igualmente-
"em abundância". Essa palavra
hoje faz parte do inglês padrão,
mas há diversos casos em que o
"hiberno english" permanece
unicamente na Irlanda.
A segunda característica é que o
"hiberno english" abrange palavras obsoletas no inglês padrão,
mas que ainda têm uso frequente
na Irlanda. São palavras como
"oxter", que significa, em português, "axila" e, em inglês, "armpit", que ainda são usadas na Irlanda, mas que deixaram de fazer
parte do vocabulário do inglês padrão por volta de 1800.
Segundo Munira, outra diferença entre o "hiberno english" e o
inglês padrão é que, no primeiro,
a ênfase é dada pela posição que a
palavra ocupa na frase, ao contrário do que ocorre no inglês. "Em
inglês, diz-se "are you going to the
church?" (você vai à igreja?). Em
"hiberno english", seria perguntado "is it to the church you are
going?" (é à igreja que você vai?),
que tem outro significado em termos de ênfase", diz.
Mas esse tipo de detalhe linguístico não deve preocupar o turista,
segundo a professora. "Certamente será em inglês que os irlandeses irão lhe falar."
O inglês na Irlanda
O inglês tem sido falado na Irlanda desde o século 12, mas não
tão amplamente como hoje. A
primeira exposição do irlandês ao
inglês resultou de uma invasão
comandada pelo rei Henrique 2º
para unir a Irlanda à Inglaterra,
"sob fundamentos espirituais", a
mando de Adriano 4º -o único
papa de origem inglesa da história, que pontificou de 1154 a 1159.
No final daquele século, havia
quatro línguas em curso na Irlanda. Além do normando francês e
do inglês medieval, falados respectivamente pelos comandantes
das forças invasoras e seus seguidores, a população local falava irlandês, e os clérigos, latim.
Em pouco mais de cem anos, no
entanto, o normando francês desapareceu, não sem antes deixar
algumas contribuições para o vocabulário local. A palavra francesa
"toaille", que significa "toalha"
em português e "towel" em inglês,
permaneceu no léxico irlandês
como "tuáille".
Se o normando francês sucumbiu com o passar dos anos, o mesmo não ocorreu com o inglês, embora essa língua tenha sentido o
poder do irlandês.
No século 14, até os invasores
começaram a usá-lo.
O ressurgimento do irlandês levou as autoridades inglesas a enviarem Lionel Plantagenet (1338-1369), duque de Clarence e filho
de Eduardo 3º, para presidir uma
assembléia na cidade irlandesa de
Kilkenny.
Nessa ocasião, firmou-se o Estatuto de Kilkenny, documento elaborado para impedir que a elite
dominante adotasse costumes irlandeses e, principalmente, a língua irlandesa. O estatuto provou-se inútil. No século 15, o inglês ficou restrito a poucas cidades.
No século seguinte, entretanto,
essa tendência se inverteu, graças
à adoção da política agrária ocorrida no país. O principal efeito das
culturas agrícolas foi que, pela
primeira vez, falantes nativos do
inglês fixaram-se em localidades
exclusivamente irlando-falantes.
Era necessário, então, que as
pessoas aprendessem inglês não
por diversão ou para compreenderem a legislação vigente, mas
por praticidade.
O prestígio era outro elemento
considerado pelos que adotaram
o inglês, porque esse idioma estava proximamente ligado à imagem da aristocracia.
Esse elemento encorajou pessoas ambiciosas que falavam irlandês a aprender os fundamentos do inglês, que possibilitaria ascensão pessoal e profissional.
O aprendizado do inglês foi um
processo difícil e a forma do idioma desenvolvida por essas pessoas parecia ser uma mistura de
inglês com irlandês no que diz
respeito à pronúncia, ao vocabulário e à sintaxe. É nesse momento
que pode ser identificada a origem do "hiberno english".
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