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FERNANDO GABEIRA
O museu Guggenheim atravessado na garganta
No princípio, a idéia da
vinda do museu Guggenheim para o Rio parecia sem
contra-indicação. Havia um projeto de revitalização da área do
cais do porto, como se fez em
Sydney, Austrália. Além disso, a
presença do museu iria funcionar
como uma espécie de catalisador,
atraindo outros investimentos.
Junto com a revitalização do
cais do porto estaria sendo articulado um outro importante projeto
de grandes dimensões. Trata-se
da recuperação da baía de Guanabara, que, no seu conjunto, é
um investimento de US$ 800 milhões, portanto um dos projetos
mais caros do país.
Seria interessante para o turismo no Rio? A resposta é sim. A
julgar pela experiência de Bilbao,
na Espanha, onde se construiu
um Guggenheim, que funciona
como uma grande atração cultural para os turistas.
Seria esse empreendimento prejudicial aos outros museus já instalados? A experiência de Bilbao
também indica que os outros museus não foram prejudicados e
que, ao contrário, acabaram ainda se beneficiando com o aumento do fluxo turístico.
Até a possível rivalidade entre
Rio, Salvador e Recife poderia ser
atenuada, já que existia a possibilidade de construir unidades menores nas cidades interessadas.
Portanto o quadro era absolutamente azul.
No entanto novas nuances foram se acrescentando a ele. Descobriu-se que a construção do
museu representaria um desembolso de quase R$ 300 milhões,
sem considerar as obras de infra-estrutura necessárias para revitalizar a área. Só a intermediação
da fundação que organizou a
"Mostra do Redescobrimento" cobraria US$ 600 mil pelo seu trabalho.
Faltou computar um dado: o
Guggenheim de Bilbao foi construído com dinheiro do País Basco e da prefeitura. O Rio não tem
esse dinheiro e precisa trabalhar
uma saída muito mais complexa
e demorada: a parceria com a iniciativa privada.
Com o tempo, notou-se também
que faltou uma discussão fundamental: qual a importância da
vinda do museu Guggenheim para a cultura brasileira? Que tipo
de agenda seria adotada pela instituição?
Os turistas que aportassem no
Rio se veriam diante de um monumento à arte universal, uma
introdução aos grandes pintores e
escultores norte-americanos, ou
estariam entrando também numa espécie de fronteira estética
nacional?
Pode ser que essa discussão já
tenha sido travada nos bastidores, mas a verdade é que pouco se
sabe sobre ela e, no entanto, poderia ser um momento privilegiado,
pois é um caso de globalização
cultural. E, como em qualquer
outro caso de globalização, ainda
que a tendência correta seja de receptividade, é necessário definir
margens de soberania.
Embora todos digam que a globalização é um movimento que
tende a aniquilar as culturas nacionais e a fortalecer apenas a hegemonia norte-americana, já
avassaladora nos campos político
e econômico, sempre contestei essa tese.
A cultura brasileira é uma cultura de resistência, que vai sobrevivendo e se adaptando às novas
situações. Pelo menos tem sido assim até agora.
Tive a oportunidade de discutir
o tema quando estávamos para
decidir a abertura da imprensa
brasileira para o capital estrangeiro.
Embora isso possa significar novos pacotes culturais enlatados
para o público, não terá a possibilidade de reduzir, por exemplo, a
importância da música brasileira, que não só tem uma aceitação
universal como tem seu mercado
interno garantido.
Tanto nesse caso do Guggenheim como nos outros, é preciso
afastar-se das visões extremadas,
da xenofobia e do deslumbramento com a globalização. Esse
caminho do meio nem sempre é
fácil de ser encontrado e corre o
risco de ser bombardeado pelos
extremos.
Tudo talvez fique mais claro se
pararmos para discutir de que jeito o Brasil deveria se integrar,
qual a margem de liberdade que
ainda temos, como vamos assegurá-la e ampliá-la, sem negar esse
poderoso processo histórico.
Nosso programa de combate à
Aids é exemplar, mas para ser
executado precisa se tornar mais
barato, produzindo remédios
aqui. A pressão norte-americana
será forte não apenas no caso brasileiro, mas também nos da Índia
e da África do Sul. Querem receber royalties. Uma situação típica: os royalties ou a vida?
É interessante como discutimos
pouco nossa maneira de estar no
mundo globalizado. É um grande
problema sepultado pelos escândalos políticos, também importante como forma de controle social sobre as autoridades.
O diabo é que, enquanto lavamos nossa roupa suja, o processo
de globalização avança. Corremos o risco de termos políticos purificados do mal da corrupção,
mas totalmente inúteis diante de
uma história já escrita pelas forças cegas do mercado.
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