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MOCHILA À CUBANA
Fim de proibições pouco muda vida dos moradores
Na prática, quem tem condições de comprar celulares e computadores já havia adquirido produtos antes
DO ENVIADO ESPECIAL A CUBA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM CUBA
Há um certo descompasso
entre a vida cotidiana em Cuba
e os anúncios de Raúl Castro
determinando o fim de algumas proibições que vigoravam
no país, como a impossibilidade de comprar celulares, DVDs,
computadores e de se hospedar
em hotéis.
O próprio Raúl classificou,
no fim do ano passado, que essas restrições em excesso "trazem mais danos do que benefícios". As medidas haviam sido
determinadas por Fidel como
forma de evitar a desigualdade
entre os cubanos.
A maioria deles, porém, ainda amarga não poder consumir
esses bens. Ao menos, dizem, a
falta de dinheiro é o único impeditivo agora. Quem tinha
acesso ao CUC (moeda utilizada por estrangeiros que vale 24
vezes mais que a divisa nacional) ou bem já tinha comprado
os produtos ora autorizados ou
correu agora para as lojas oficiais, pagando mais caro.
Um jovem havanês de 15
anos desdenha das medidas.
"Não funcionam na prática. E
Vai demorar muito para que isso aconteça na vida dos cubanos", afirma.
A maioria dos cubanos, diz
ele, não pode pagar pelos altos
preços cobrados pelos aparelhos nem pelas diárias nos hotéis que antes só recebiam turistas estrangeiros.
Um computador, por exemplo, chega a custar até 700
CUCs (cerca de R$ 1.300).
Já as diárias de hotéis começam em 35 CUCs (R$ 63) e ultrapassam 200 CUCs (R$ 360).
O salário médio da população
cubana é de 15 CUCs (R$ 27).
Ao caminhar pelas ruas de
Havana, nota-se que pouco
mudou desde o levantamento
das proibições. Há mais cubanos serpenteando em fila atrás
de um orelhão do que com celulares grudados à orelha.
A maior parte das pessoas
que têm o aparelho, dizem os
cubanos, já havia comprado antes mesmo da liberação. Anteriormente, um cidadão precisaria da ajuda de um estrangeiro,
já que as linhas eram permitidas somente a eles e a oficiais
do governo, para ter um celular.
O custo médio de um aparelho
pré-pago, os únicos existentes,
é de 120 CUCs (R$ 216).
A maioria dos usuários, entretanto, usa o celular apenas
para receber chamadas, principalmente as internacionais.
"Uso só para receber chamadas
do meu primo que mora no
Chile", diz uma jovem professora de 22 anos.
Já os DVDs e os computadores continuam sendo mais procurados no mercado ilegal do
que nas lojas oficiais. Na casa de
Julio, DVDs e CDs piratas e originais forram uma estante. Ele
tem ainda uma televisão nova,
um aparelho de DVD e um
computador.
"Comprei isso antes mesmo
do fim da proibição. Mas, se
comparar com os demais cubanos, sou um privilegiado", diz
ele, que é funcionário de uma
embaixada e afirma receber
muito mais do que a média da
população cubana.
Para Julio, as mudanças propostas por Raúl são apenas uma
forma de ganhar tempo antes
que a reforma prioritária seja
efetuada.
"Esperamos a reforma econômica. Nada vai acontecer
realmente enquanto existir a
moeda dupla. Nossa moeda não
vale nada ante ao CUC", reclama Julio, entre um gole e outro
de cuba-libre, o drinque que leva Coca-Cola e rum.
Emílio, um senhor de 72 anos
que diz ter sido um dos fundadores do PCC (Partido Comunista Cubano) e ter participado
da revolução, considera as mudanças positivas.
"Raúl tem feito um bom trabalho. Ele sabe que os jovens
querem consumir e que o contato com os turistas desperta
isso ainda mais neles. Mas não
significa que a revolução vai
acabar", afirma ele.
Para Olívia, uma aposentada
que vive em Santiago de Cuba,
o fim dessas proibições dão direitos que cidadãos de outros
países já possuem.
"Agora, só não podemos ir
para um bom hotel porque não
temos dinheiro para pagá-lo.
Isso acontece com todas as pessoas no mundo. Antes, mesmo
que tivéssemos, éramos proibidos", pondera.
(ALEXANDRE NOBESCHI E THAIS SIQUEIRA)
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