São Paulo, quinta-feira, 12 de junho de 2008

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MOCHILA À CUBANA

Fim de proibições pouco muda vida dos moradores

Na prática, quem tem condições de comprar celulares e computadores já havia adquirido produtos antes

DO ENVIADO ESPECIAL A CUBA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM CUBA

Há um certo descompasso entre a vida cotidiana em Cuba e os anúncios de Raúl Castro determinando o fim de algumas proibições que vigoravam no país, como a impossibilidade de comprar celulares, DVDs, computadores e de se hospedar em hotéis.
O próprio Raúl classificou, no fim do ano passado, que essas restrições em excesso "trazem mais danos do que benefícios". As medidas haviam sido determinadas por Fidel como forma de evitar a desigualdade entre os cubanos.
A maioria deles, porém, ainda amarga não poder consumir esses bens. Ao menos, dizem, a falta de dinheiro é o único impeditivo agora. Quem tinha acesso ao CUC (moeda utilizada por estrangeiros que vale 24 vezes mais que a divisa nacional) ou bem já tinha comprado os produtos ora autorizados ou correu agora para as lojas oficiais, pagando mais caro.
Um jovem havanês de 15 anos desdenha das medidas. "Não funcionam na prática. E Vai demorar muito para que isso aconteça na vida dos cubanos", afirma.
A maioria dos cubanos, diz ele, não pode pagar pelos altos preços cobrados pelos aparelhos nem pelas diárias nos hotéis que antes só recebiam turistas estrangeiros.
Um computador, por exemplo, chega a custar até 700 CUCs (cerca de R$ 1.300).
Já as diárias de hotéis começam em 35 CUCs (R$ 63) e ultrapassam 200 CUCs (R$ 360). O salário médio da população cubana é de 15 CUCs (R$ 27).
Ao caminhar pelas ruas de Havana, nota-se que pouco mudou desde o levantamento das proibições. Há mais cubanos serpenteando em fila atrás de um orelhão do que com celulares grudados à orelha.
A maior parte das pessoas que têm o aparelho, dizem os cubanos, já havia comprado antes mesmo da liberação. Anteriormente, um cidadão precisaria da ajuda de um estrangeiro, já que as linhas eram permitidas somente a eles e a oficiais do governo, para ter um celular. O custo médio de um aparelho pré-pago, os únicos existentes, é de 120 CUCs (R$ 216).
A maioria dos usuários, entretanto, usa o celular apenas para receber chamadas, principalmente as internacionais. "Uso só para receber chamadas do meu primo que mora no Chile", diz uma jovem professora de 22 anos.
Já os DVDs e os computadores continuam sendo mais procurados no mercado ilegal do que nas lojas oficiais. Na casa de Julio, DVDs e CDs piratas e originais forram uma estante. Ele tem ainda uma televisão nova, um aparelho de DVD e um computador.
"Comprei isso antes mesmo do fim da proibição. Mas, se comparar com os demais cubanos, sou um privilegiado", diz ele, que é funcionário de uma embaixada e afirma receber muito mais do que a média da população cubana.
Para Julio, as mudanças propostas por Raúl são apenas uma forma de ganhar tempo antes que a reforma prioritária seja efetuada.
"Esperamos a reforma econômica. Nada vai acontecer realmente enquanto existir a moeda dupla. Nossa moeda não vale nada ante ao CUC", reclama Julio, entre um gole e outro de cuba-libre, o drinque que leva Coca-Cola e rum.
Emílio, um senhor de 72 anos que diz ter sido um dos fundadores do PCC (Partido Comunista Cubano) e ter participado da revolução, considera as mudanças positivas.
"Raúl tem feito um bom trabalho. Ele sabe que os jovens querem consumir e que o contato com os turistas desperta isso ainda mais neles. Mas não significa que a revolução vai acabar", afirma ele.
Para Olívia, uma aposentada que vive em Santiago de Cuba, o fim dessas proibições dão direitos que cidadãos de outros países já possuem.
"Agora, só não podemos ir para um bom hotel porque não temos dinheiro para pagá-lo. Isso acontece com todas as pessoas no mundo. Antes, mesmo que tivéssemos, éramos proibidos", pondera. (ALEXANDRE NOBESCHI E THAIS SIQUEIRA)


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