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RUMO AO FRIO
Praticante do "estabacowboard" usa equipamento do snowboard, mas fica com a cara enfiada na neve
Casseta lança esporte radical em Chillán
HELIO DE LA PEÑA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Contrariando meu instinto de
sobrevivência, minha preguiça e
meu horror ao frio, decidi ir para
a cordilheira dos Andes e encarar
a neve em Chillán só para depois
ter conversa para jogar fora.
Chillán fica ao sul de Santiago,
capital do Chile, país conhecido
como o Marco Maciel da geografia mundial. Não sei como é no
verão, mas, no inverno, Chillán é
um amontoado de neve a 2.000
metros de altitude, próximo ao
vulcão Chillán, ainda ativo.
A princípio, me parece uma boa
locação para um documentário
de aventureiros para TV a cabo.
Mas o pior estava por vir. Eu tinha
uma missão e não sabia. Fui ungido pelos deuses para subir os Andes e fundar um novo esporte radical: o "estabacowboard".
Essa modalidade lembra muito
o snowboard. Usa os mesmos
equipamentos, as mesmas pistas;
a diferença é que o "estabacowboard" é praticado deitado, com a
cara enterrada na neve.
O primeiro passo de um carioca
que vai para o frio é descolar uns
casacos. Ninguém no Rio tem
roupa de frio. A gente costuma se
virar vestindo tudo que tem no armário ao mesmo tempo.
Como soube que Chillán era
mais frio do que Campos do Jordão (SP), peguei emprestada uma
barraca de camping para improvisar um sobretudo.
Ao chegar em Chillán, vi que o
buraco era mais embaixo, quer
dizer, mais em cima, a temperatura é que era mais embaixo. Precisamente dois abaixo de zero. Para
aclimatar meu corpo e estar apto
a me esborrachar na neve, resolvi
passar minha primeira noite dentro do frigobar.
Apesar da geografia favorável,
reunindo deserto, praia e neve, os
esportes radicais são novidade no
Chile. Na época do governo de
Augusto Pinochet (1973-1990),
quem quisesse praticar qualquer
coisa radical acabava torturado e
fuzilado. O "estabacowboard"
também pode ser visto como uma
forma de tortura. A diferença é
que você é quem paga para sofrer.
Para minha surpresa, a primeira
aula do esporte não foi traumatizante. Passei metade do tempo escolhendo a prancha e as botas
ideais e a outra metade, tentando
calçar as botas e prendê-las na
prancha. É que você tem de tomar
uma decisão política fundamental: o que irá na frente, o pé direito
ou o esquerdo. Se você for indeciso, é melhor esquecer esse esporte
e tentar a vida no esqui.
No segundo dia a coisa piora. O
mico começa na patética tentativa
de sentar no teleférico em movimento, com uma tábua de metro
no pé. A experiência pode ser útil
no futuro. Você pode estar preso
no Carandiru e precisar fugir com
as pernas amarradas por uma roda gigante funcionando.
O passeio de teleférico em
Chillán é maravilhoso, a paisagem
é deslumbrante, inenarrável. O
problema é que depois você é
obrigado a descer montanhas de
gelo em cima daquela pequena ripa de madeira!
E não tem negociação com o
instrutor (ou instrutora, sei lá, todo mundo usa tanta roupa que
não dá para garantir). A verdade é
que as pranchas de snowboard
são perfeitas para atletas radicais.
Para os turistas, fica faltando tração 4x4, buzina, freios ABS e estofamento na bunda.
Dali em diante, me submeti a
várias sessões de derrapadas,
trombadas e quedas improváveis
e perigosas. Por mais de uma vez
desafiei a lei da gravidade. Contrariei também o ditado que diz
"do chão não passa".
Normalmente, no fim de uma
manobra, eu estava a 15 m abaixo
do solo, no precipício. Apesar dos
obstáculos, nunca pensei em desistir. E, graças à minha insistência, cheguei a realizar algumas
manobras mais avançadas, como
o torcicolo, a rotação de joelho e o
rompimento do tornozelo.
Todo esse esforço tinha um objetivo, a segunda etapa do "estacowboard": o banho nas piscinas
termais de Chillán, onde você fica
imerso em águas vulcânicas mantidas a 38C, no meio da neve. É o
único esporte radical de inverno
100% seguro que existe por lá.
Voltei do Chile orgulhoso de,
naquela semana, ter me tornado
uma referência nas pistas de Chillán. Quando alguém se perdia,
era só perguntar: "Amigo, donde
fica la cafeteria?" "Estás viendo
aquele afro negón enterrado en la
nieve ? És luego a la direita..."
Helio de la Peña, atleta radical exclusivo das Organizações Tabajara, é ator e
redator do programa "Casseta & Planeta
Urgente", da Rede Globo
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