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FERNANDO GABEIRA
O Brasil diante de uma guerra
Um amigo alemão, Sebastian Scheerer, escreve propondo iniciativa de paz. Seu "friedensplan" é simples: abaixo-assinados ao Conselho de Segurança
da ONU pedindo que, antes de
aceitar a guerra contra o Iraque,
faça um levantamento do impacto social e ambiental do conflito.
Os pacifistas alemães buscam
todos os caminhos racionais para
deter a guerra. Seus esforços dão
frutos na Europa e começam a
vingar também em solo americano, onde um movimento diferente daquele contra a Guerra do
Vietnã dá também seus primeiros
passos. Diferente, porque envolve
sindicatos, igrejas e não mais apenas os estudantes radicalizados.
Aceitei a proposta de Scheerer
sem hesitar, mas admito que ela
representa ainda muito pouco
para um brasileiro nas minhas
circunstâncias. Ao contrário de
outros países, o Brasil ainda não
se deu conta da proximidade real
da guerra contra o Iraque a ponto
de discutir suas consequências
nos trópicos.
Sabemos apenas que a combinação da crise na Venezuela com
a guerra do Iraque pode mandar
o preço do petróleo para o espaço.
Isso ameaça nosso projeto de estabilidade econômica e torna draconiana a manutenção de um superávit primário que deveria, no
meu ponto de vista, estar sujeito
às diferentes conjunturas.
Mais do que uma questão econômica, a guerra colocará o primeiro grande problema de articulação "governo-sociedade". Que
papel será reservado ao governo,
o que as diversas organizações sociais devem fazer para que o Brasil exerça o máximo de influência
com o mínimo de desgaste?
Todos sabem que a margem de
manobra do governo brasileiro,
diante de uma guerra aprovada
pelo Conselho de Segurança, é pequena. As intervenções têm de ser
equilibradas, racionais e devem
ser tomadas com o mais amplo
conhecimento dos detalhes do jogo diplomático.
O fato de o governo estar, de
certa forma, limitado a atuar numa esfera que tem linguagem e
ritmo próprios, não significa que
a sociedade brasileira deva ficar
calada. Pelo contrário, ela deve
expor sua posição pela paz, constituindo uma ampla frente que
passe por religiões, partidos políticos, ONGs, sindicatos e movimento estudantil, entre outros.
Posso me equivocar, mas temo
que a guerra chegue em fevereiro,
depois do informe dos inspetores
da ONU. Nosso tempo de preparação é curto, se compararmos
nosso estágio com o dos pacifistas
europeus. Mas haverá um espaço
privilegiado para que se estabeleçam os primeiros contatos, o Fórum Social de Porto Alegre.
Uma guerra contra o Iraque pode, na aparência, estar desconectada da globalização. Mas ela está no centro, da mesma forma
que o encontro de Johannesburgo,
indiretamente, tratava desse problema crucial: a decadência do
petróleo como fonte de energia e
os esforços desesperados para dominar as reservas restantes.
Scheerer quer um relatório do
impacto social e ambiental da
guerra. O econômico já foi feito e,
independentemente de cifras que
entram em choque, é razoável
afirmar que bilhões de dólares serão perdidos nessa empreitada. É
também razoável admitir que, se
os norte-americanos e os ingleses
enterram bilhões de dólares para
controlar o petróleo iraquiano, isso, mais cedo ou mais tarde, passará ao preço do produto.
Segundo o calendário de Bush,
estamos na primeira guerra do
século 21, capítulo dois, isto é, ataque a um dos Estados que formam o "eixo do mal", enquanto o
outro, a Coréia do Norte, é mantido em banho-maria, não porque
esteja adiantado na construção
da bomba, mas porque não tem
petróleo e vive num sufoco alimentar. No momento, a Coréia
do Norte, ao provocar os EUA,
lembra aquele filme chamado "O
Rato que Ruge", que conta a história de um pequeno país que sonhava ser vencido numa guerra.
Se o conflito no Iraque nos colher numa posição de indiferença
focada apenas no preço do petróleo, o Brasil terá se saído de forma
medíocre no seu primeiro grande
teste internacional.
Com as limitações materiais
impostas ao governo pela conjuntura, a sociedade terá de considerar como tarefa sua a execução
do fundamento de nossa política
externa, que é a luta pela paz.
Isso dará força e sobretudo conforto e margem de manobra para
o governo se mover na ONU e nos
contatos diplomáticos. Se um dos
parceiros falhar, a tarefa pode se
tornar muito pesada para o outro. Tanto a sociedade sem respaldo no governo, como o inverso, reduziriam nossos esforços a uma
gota d'água no oceano. Se podemos, pelo menos, derramar um
copo, por que não tentar?
Caro Sebastian e amigos alemães, por melhor que seja o "friedensplan", estamos diante de
uma tarefa gigantesca em escala
mundial. Não se trata mais de
uma guerra clássica, em que os
dois oponentes se confrontam. É
uma decisão unilateral, de atacar
preventivamente. Nos anos do
Vietnã, pelo menos, tínhamos os
fotógrafos revelando os horrores
da guerra. Hoje eles fotografam
tanques contra o pôr-do-sol, cartões-postais que estetizam o movimento militar e fazem da guerra algo limpo e ascético para os
olhos do mundo.
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