São Paulo, quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

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"SCREAMIN" IN LONDON"

Teoria mais célebre aponta dois suspeitos, um deles seria o príncipe Albert Victor Christian Edward

Assassino serial continua sem identidade

HELOISA LUPINACCI
DA REPORTAGEM LOCAL

Bastaram cinco mortes -apesar de não terem sido cinco simples mortes- para que Jack, o Estripador, fosse alçado ao imaginário do terror mundial.
Com seu método cruel, que incluiu a retirada de órgãos genitais das vítimas, ele continua atiçando a curiosidade de gerações depois do último assassinato creditado oficialmente a ele. Qual a razão?
Principalmente o fato de ninguém, até hoje, ter certeza de quem cometeu os crimes, ainda que, volta e meia, alguém jure ter descoberto a identidade do estripador. Essa identidade foi tantas vezes descoberta -cada vez atribuída a um sujeito diferente- que a afirmação perdeu a credibilidade há alguns anos.
E talvez a parte mais instigante dessa história seja justamente a possibilidade de poder escolher um suspeito e condená-lo, embora pessoalmente, pelos crimes.
Os fãs do mistério podem fazer as vezes de investigador e aprovar ou rejeitar as teses apresentadas, colher "evidências" e rejeitar teorias conspiratórias -quase sempre as mais instigantes.
As vítimas são cinco; e os suspeitos de serem Jack, o Estripador, muitos. Então, como diria o próprio: vamos por partes.

O príncipe e o médico
A mais célebre teoria acerca da identidade de Jack, o Estripador, aponta não um mas dois culpados. E não que eles trabalhassem juntos. São apenas duas conclusões para a mesma teoria.
O pivô da complicada história é o príncipe Albert Victor Christian Edward, duque de Clarence e Avondale, que mais tarde se tornaria Eduardo 7º.
A primeira parte da teoria, mais simples, diz que ele teria hábitos ditos marginais, como ir a East End, região pobre de Londres, usufruir dos serviços de prostitutas -há quem diga que ele também ia a festas gays, um verdadeiro escândalo para a quadrada coroa inglesa. Só que numa dessas noites de prazer, ele teria contraído sífilis, que teria atingido o cérebro, deixando-o desequilibrado.
Então, ele passou a matar prostitutas. O motivo: vingança contra aquela que havia transmitido a doença. Problema: o príncipe tem álibi para quase todos os dias dos crimes de Jack, o Estripador.
A outra parte, bem mais complexa, reza que esse mesmo varão teria casado com a prostituta Annie Elizabeth Crook. Não bastando o escândalo de o príncipe ter se casado com uma "infeliz" -como eram chamadas as prostitutas-, ele ainda o fez na Igreja Católica, proibida para membros da família real inglesa. E à boca miúda corria que eles tiveram um filho -recapitulando: uma prostituta tinha dado à luz um herdeiro do trono da Inglaterra, um bisnetinho para a rainha Vitória. Pronto. Confusão armada.
Com esse belo pepino como ponto de partida, a conspiração real, como é conhecida essa trama, prega que o médico da família real, "doctor" William Gull, teria sido encarregado, contando com a ajuda de um cocheiro meio destrambelhado, de "apagar" as amigas de Annie Crook -já lobotomizada e enfiada em um hospício. As amigas teriam que ser mortas porque testemunharam o casamento do príncipe e poderiam botar a boca no trombone.
O médico, exímio cirurgião, teria se inspirado nos escritos da maçonaria para criar seu modus operandi. Ele daria às amigas de Crook o mesmo tratamento dado a três traidores que trabalharam na construção do templo do rei Salomão, segundo a tradição maçônica. Os três sofreram torturas, foram estripados e tiveram o intestino retirado do corpo e jogado sobre o ombro direito. Igualzinho ao que Jack fez com algumas de suas vítimas. Ufa.
Para saber mais detalhes dessa intrincada teoria, o filme "Do Inferno" (2001) a expõe em detalhes. Para refutá-la, um dado a mais: o ilustre "doctor" Gull tinha nada menos que 71 anos e sofrera um ataque do coração. Os crimes cometidos por Jack, o Estripador, exigiam um certo vigor físico para que o assassino conseguisse, num golpe, cortar a garganta da vítima, o que impediria a vítima de gritar, e que, ops!, vejam só, explica por que ninguém nunca ouviu nada nas noites de crimes.

Suspeitos sem fim
E a lista de suspeitos não acaba.
Temos outro "doctor", Francis Tumblety, um trambiqueiro que fingia que era médico mas não era. Ele foi preso por tentar forçar homens a fazer sexo com ele e era conhecido por detestar as mulheres o suficiente para que se tornasse suspeito dos crimes. Esse vigarista cai fora da lista de suspeitos porque estava preso quando Mary Kelly foi morta.
Tem também Severin Klosowski, um polonês que chegou à Inglaterra em 1887. Ele foi enforcado em 1903 porque envenenou suas três ex-mulheres. Quer dizer, em vez de se separar, ele matava as mulheres. Aí decidiram atribuir a ele também as cinco mortes cometidas por Jack, o Estripador. Mas sua aparência física não tem nada que lembre as descrições feitas pelas poucas pessoas que viram o assassino de Whitechapel.
Mais um "doctor" entra na lista: Neill Cream. Ele fez mil estripulias: provocou um incêndio criminoso, envenenou quatro prostitutas e entrou na lista de suspeitos porque, ao ser enforcado, gritou: "Eu sou Jack, o..." Caput.
Outro que se auto-intitulou Jack, o Estripador, mas não convenceu muito, foi um senhor chamado James Maybrick. Ele escreveu um diário do estripador, que foi publicado algum tempo depois. Mas o relato em si não passa de um embuste, um truque bobo.
A lista continua: o poeta Francis Thompson, o ex-namorado de Mary Kelly, Joseph Barnett, e até Lewis Carrol, o autor de "Alice no País das Maravilhas", que já acumula a acusação de assassino com a de pedólifo. Descansem em paz.

Correspondência
Mas um dos suspeitos que seria um mero nome a mais na lista sem fim, de repente, ganhou status. O pintor Walter Sickert foi o último alvo do grito: "Eu descobri quem foi Jack, o Estripador".
O tal berro foi dado pela norte-americana Patricia D. Cornwell, escritora de best-sellers policiais. O "Retrato de um Assassino -Jack, o Estripador: Caso Encerrado" relata em 338 páginas como ela conseguiu "apanhar" o criminoso, morto há dezenas de anos.
Cornwell afirma que as cartas escritas para a polícia, a imprensa e outros destinatários assinadas pelo estripador são de autoria de Sickert. Bingo? Nem tanto.
As cartas são uma pilha de controvérsias. Muitos acreditam que elas nem tenham sido escritas pelo assassino. Na verdade, especialistas já provaram que essas cartas foram forjadas por jornalistas cascateiros que precisavam de assunto para seus tablóides -essas cartas, assinadas como Jack, o Estripador, são, inclusive, as "culpadas" pela alcunha do assassino, até então sem nome. A tida como legítima é a carta "Do Inferno".
Bom, Cornwell dá de ombros para a autoria das cartas. E usa provas como o estudo da caligrafia, dos papéis e dos materiais para "provar" que Sickert era o matador de prostitutas.
Podemos auferir uma bela conclusão de sua investigação: pode ser que Sickert fosse um zombeteiro inspirado que escreveu cartas para embananar policiais e a imprensa. Pode ser...
Mas ela tem outro argumento: segundo Cornwell, ele tinha uma deformidade no pênis que foi operada e reoperada até que ele ficou com seu órgão sexual praticamente amputado. A impossibilidade de praticar sexo o teria levado à loucura e ao ódio pelas mulheres e, por isso, ele as matava.
Mas, opa, há fortes indícios de que essa deformidade no pênis tenha sido uma "forçação de barra" da autora. Na verdade, ele teria uma fístula no ânus ou no reto. E, bomba: ele teria vários filhos ilegítimos, além de ser descrito como um homem viril por uma amiga.
O livro, no entanto, tem suas qualidades: ele conta de maneira detalhada a história da polícia, relata métodos de investigação, conta a vida de Sickert -embora aqui devam ser feitas ressalvas uma vez que a autora tacha o pintor de assassino- e fala sobre como era viver em East End.
Mas, sobre a região, é melhor ler o clássico "O Povo do Abismo", de Jack London, sobre os bairros em que o outro Jack atuou.
A tese de Cornwell não convence. E o caso continua sem fim.


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