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"SCREAMIN" IN LONDON"
Teoria mais célebre aponta dois suspeitos, um deles seria o príncipe Albert Victor Christian Edward
Assassino serial continua sem identidade
HELOISA LUPINACCI
DA REPORTAGEM LOCAL
Bastaram cinco mortes -apesar de não terem sido cinco simples mortes- para que Jack, o Estripador, fosse alçado ao imaginário do terror mundial.
Com seu método cruel, que incluiu a retirada de órgãos genitais
das vítimas, ele continua atiçando
a curiosidade de gerações depois
do último assassinato creditado
oficialmente a ele. Qual a razão?
Principalmente o fato de ninguém, até hoje, ter certeza de
quem cometeu os crimes, ainda
que, volta e meia, alguém jure ter
descoberto a identidade do estripador. Essa identidade foi tantas
vezes descoberta -cada vez atribuída a um sujeito diferente-
que a afirmação perdeu a credibilidade há alguns anos.
E talvez a parte mais instigante
dessa história seja justamente a
possibilidade de poder escolher
um suspeito e condená-lo, embora pessoalmente, pelos crimes.
Os fãs do mistério podem fazer
as vezes de investigador e aprovar
ou rejeitar as teses apresentadas,
colher "evidências" e rejeitar teorias conspiratórias -quase sempre as mais instigantes.
As vítimas são cinco; e os suspeitos de serem Jack, o Estripador, muitos. Então, como diria o
próprio: vamos por partes.
O príncipe e o médico
A mais célebre teoria acerca da
identidade de Jack, o Estripador,
aponta não um mas dois culpados. E não que eles trabalhassem
juntos. São apenas duas conclusões para a mesma teoria.
O pivô da complicada história é
o príncipe Albert Victor Christian
Edward, duque de Clarence e
Avondale, que mais tarde se tornaria Eduardo 7º.
A primeira parte da teoria, mais
simples, diz que ele teria hábitos
ditos marginais, como ir a East
End, região pobre de Londres,
usufruir dos serviços de prostitutas -há quem diga que ele também ia a festas gays, um verdadeiro escândalo para a quadrada coroa inglesa. Só que numa dessas
noites de prazer, ele teria contraído sífilis, que teria atingido o cérebro, deixando-o desequilibrado.
Então, ele passou a matar prostitutas. O motivo: vingança contra
aquela que havia transmitido a
doença. Problema: o príncipe tem
álibi para quase todos os dias dos
crimes de Jack, o Estripador.
A outra parte, bem mais complexa, reza que esse mesmo varão
teria casado com a prostituta Annie Elizabeth Crook. Não bastando o escândalo de o príncipe ter se
casado com uma "infeliz" -como eram chamadas as prostitutas-, ele ainda o fez na Igreja Católica, proibida para membros da
família real inglesa. E à boca miúda corria que eles tiveram um filho -recapitulando: uma prostituta tinha dado à luz um herdeiro
do trono da Inglaterra, um bisnetinho para a rainha Vitória. Pronto. Confusão armada.
Com esse belo pepino como
ponto de partida, a conspiração
real, como é conhecida essa trama, prega que o médico da família real, "doctor" William Gull, teria sido encarregado, contando
com a ajuda de um cocheiro meio
destrambelhado, de "apagar" as
amigas de Annie Crook -já lobotomizada e enfiada em um hospício. As amigas teriam que ser
mortas porque testemunharam o
casamento do príncipe e poderiam botar a boca no trombone.
O médico, exímio cirurgião, teria se inspirado nos escritos da
maçonaria para criar seu modus
operandi. Ele daria às amigas de
Crook o mesmo tratamento dado
a três traidores que trabalharam
na construção do templo do rei
Salomão, segundo a tradição maçônica. Os três sofreram torturas,
foram estripados e tiveram o intestino retirado do corpo e jogado
sobre o ombro direito. Igualzinho
ao que Jack fez com algumas de
suas vítimas. Ufa.
Para saber mais detalhes dessa
intrincada teoria, o filme "Do Inferno" (2001) a expõe em detalhes. Para refutá-la, um dado a
mais: o ilustre "doctor" Gull tinha
nada menos que 71 anos e sofrera
um ataque do coração. Os crimes
cometidos por Jack, o Estripador,
exigiam um certo vigor físico para
que o assassino conseguisse, num
golpe, cortar a garganta da vítima,
o que impediria a vítima de gritar,
e que, ops!, vejam só, explica por
que ninguém nunca ouviu nada
nas noites de crimes.
Suspeitos sem fim
E a lista de suspeitos não acaba.
Temos outro "doctor", Francis
Tumblety, um trambiqueiro que
fingia que era médico mas não
era. Ele foi preso por tentar forçar
homens a fazer sexo com ele e era
conhecido por detestar as mulheres o suficiente para que se tornasse suspeito dos crimes. Esse vigarista cai fora da lista de suspeitos porque estava preso quando
Mary Kelly foi morta.
Tem também Severin Klosowski, um polonês que chegou à Inglaterra em 1887. Ele foi enforcado em 1903 porque envenenou
suas três ex-mulheres. Quer dizer,
em vez de se separar, ele matava
as mulheres. Aí decidiram atribuir a ele também as cinco mortes
cometidas por Jack, o Estripador.
Mas sua aparência física não tem
nada que lembre as descrições feitas pelas poucas pessoas que viram o assassino de Whitechapel.
Mais um "doctor" entra na lista:
Neill Cream. Ele fez mil estripulias: provocou um incêndio criminoso, envenenou quatro prostitutas e entrou na lista de suspeitos
porque, ao ser enforcado, gritou:
"Eu sou Jack, o..." Caput.
Outro que se auto-intitulou
Jack, o Estripador, mas não convenceu muito, foi um senhor chamado James Maybrick. Ele escreveu um diário do estripador, que
foi publicado algum tempo depois. Mas o relato em si não passa
de um embuste, um truque bobo.
A lista continua: o poeta Francis
Thompson, o ex-namorado de
Mary Kelly, Joseph Barnett, e até
Lewis Carrol, o autor de "Alice no
País das Maravilhas", que já acumula a acusação de assassino com
a de pedólifo. Descansem em paz.
Correspondência
Mas um dos suspeitos que seria
um mero nome a mais na lista
sem fim, de repente, ganhou status. O pintor Walter Sickert foi o
último alvo do grito: "Eu descobri
quem foi Jack, o Estripador".
O tal berro foi dado pela norte-americana Patricia D. Cornwell,
escritora de best-sellers policiais.
O "Retrato de um Assassino
-Jack, o Estripador: Caso Encerrado" relata em 338 páginas como
ela conseguiu "apanhar" o criminoso, morto há dezenas de anos.
Cornwell afirma que as cartas
escritas para a polícia, a imprensa
e outros destinatários assinadas
pelo estripador são de autoria de
Sickert. Bingo? Nem tanto.
As cartas são uma pilha de controvérsias. Muitos acreditam que
elas nem tenham sido escritas pelo assassino. Na verdade, especialistas já provaram que essas cartas
foram forjadas por jornalistas
cascateiros que precisavam de assunto para seus tablóides -essas
cartas, assinadas como Jack, o Estripador, são, inclusive, as "culpadas" pela alcunha do assassino,
até então sem nome. A tida como
legítima é a carta "Do Inferno".
Bom, Cornwell dá de ombros
para a autoria das cartas. E usa
provas como o estudo da caligrafia, dos papéis e dos materiais para "provar" que Sickert era o matador de prostitutas.
Podemos auferir uma bela conclusão de sua investigação: pode
ser que Sickert fosse um zombeteiro inspirado que escreveu cartas para embananar policiais e a
imprensa. Pode ser...
Mas ela tem outro argumento:
segundo Cornwell, ele tinha uma
deformidade no pênis que foi
operada e reoperada até que ele ficou com seu órgão sexual praticamente amputado. A impossibilidade de praticar sexo o teria levado à loucura e ao ódio pelas mulheres e, por isso, ele as matava.
Mas, opa, há fortes indícios de
que essa deformidade no pênis tenha sido uma "forçação de barra"
da autora. Na verdade, ele teria
uma fístula no ânus ou no reto. E,
bomba: ele teria vários filhos ilegítimos, além de ser descrito como
um homem viril por uma amiga.
O livro, no entanto, tem suas
qualidades: ele conta de maneira
detalhada a história da polícia, relata métodos de investigação,
conta a vida de Sickert -embora
aqui devam ser feitas ressalvas
uma vez que a autora tacha o pintor de assassino- e fala sobre como era viver em East End.
Mas, sobre a região, é melhor ler
o clássico "O Povo do Abismo",
de Jack London, sobre os bairros
em que o outro Jack atuou.
A tese de Cornwell não convence. E o caso continua sem fim.
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