São Paulo, segunda, 13 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO
Alguns pontos fundamentais do budismo tibetano

CHAGDUD TULKU RINPOCHE
O budismo é uma tradição espiritual e filosófica que, por quase 3.000 anos, tem capacitado os praticantes a eliminar os venenos internos da mente e hábitos ilusórios, além de revelar a natureza pura e absoluta da mente.
A natureza básica de nossa mente é como o ouro puro, mas sua pureza inerente não é óbvia, pois está coberta por uma mistura de emoções conflitantes, circunstâncias cármicas, obscurecimentos intelectuais e hábitos.
Essas camadas não refinadas, como minério contendo ouro, precisam ser removidas para revelar a essência pura do nosso ser, o ouro elementar.
Nosso renascimento humano nos oferece uma oportunidade insuperável de realizar esse processo de purificação e trazer à tona o amor, a compaixão, a equanimidade e o deleite que surge espontaneamente da natureza da mente.
Se nós examinarmos as nossas vidas, veremos que a real insatisfação, angústia e mal-estar que experimentamos não são causados por condições externas, mas pela forma como nós reagimos interiormente a essas condições.
Não podemos negar que condições externas difíceis existem, mas precisamos reconhecer que alguém com grau de domínio sobre os processos internos da mente não vivencia a mesma impotência e sofrimento face a perdas, adversidades e doenças como uma pessoa cuja mente não foi treinada.
Eu sei disso diretamente porque meu próprio país, o Tibete, foi perdido para os conquistadores comunistas, que foram completamente hostis a nossas tradições culturais e espirituais.
Desafios
Sim, muitos grandes mestres foram torturados, submetidos à fome ou mortos. Mesmo assim, os comunistas não conseguiam tirar deles a fé, a compaixão ou a paz interior conquistada por meio da realização espiritual -os chineses podiam dominar apenas a realidade exterior.
A maioria de nós, neste país abundante e acolhedor que é o Brasil, não se depara com desafios tão dramáticos.
Em vez disso, somos desafiados a encontrar o que é realmente significativo nas nossas vidas tão ocupadas e a descobrir o que é realmente benéfico nas interações com a nossa família, com aqueles a quem amamos, as pessoas com quem trabalhamos e outras pessoas que encontramos.
Do ponto de vista budista, nada supera a importância de usar esse precioso renascimento humano para reconhecer a inalterável natureza absoluta da mente. Esse reconhecimento instiga confiança e poder para enfrentar as ocorrências efêmeras, internas e externas.
O caminho para o conhecimento da natureza da mente depende de nossos esforços para beneficiar os outros. Cada vez em que colocamos de lado as nossas tendências autocentradas para trabalhar pelo bem-estar dos outros, purificamos algum aspecto do obscurecimento da mente comum e aumentamos o nosso mérito.
Caminho de luz
Essas duas atividades, a purificação e a criação de mérito, constituem o caminho para a iluminação. E nós podemos encontrar oportunidades constantes para integrá-las a nossas atividades cotidianas.
As pessoas, frequentemente, queixam-se de que não têm tempo para fazer uma prática espiritual, que não podem programar sessões formais de meditação.
Entretanto todo o nosso dia pode ser estruturado como uma sessão de meditação extensiva.
Por exemplo, nós a iniciamos quando acordamos pela manhã, ficando alegres com o fato de termos mais um dia no qual podemos fazer nossa prática espiritual.
Em seguida, nós estabelecemos uma motivação pura e forte de evitar causar qualquer mal por meio das nossas ações de corpo, fala e mente e de tentar beneficiar a todos que encontramos.
Durante o dia nós verificamos a nossa mente, mesmo quando estamos conversando ou engajados em atividades. E vemos se a nossa manifestação vem de uma intenção pura ou se venenos como o egoísmo, o orgulho, a inveja e a raiva contaminaram a interação.
As mesmas palavras ou ações executadas com uma motivação positiva ou negativa podem parecer iguais para os outros, mas nós sabemos a diferença e a vivenciaremos nos resultados cármicos.
À noite, antes de dormir, relembramos o nosso dia. Se encontrarmos momentos em que fracassamos em seguir nossas intenções benéficas, nós os purificamos invocando o ser de sabedoria, que é a nossa fonte de refúgio espiritual, reconhecendo nossa falha, decidindo não repeti-la e recebendo a purificação, visualizando a luz do ser de sabedoria nos permeando e purificando.
Também relembramos os momentos em que criamos mérito por meio de nossas ações, nossa comunicação e nossas intenções positivas. Nós imaginamos esse mérito se expandindo na forma de uma vasta oferenda e se dissolvendo nas mentes de todos os seres por todo o universo.
Praticantes secretos
Do mesmo modo que uma pessoa ao acender uma vela aumenta a iluminação para todos aqueles que estão no mesmo ambiente, o mérito que geramos e dedicamos como indivíduos aumenta o acúmulo de qualidades positivas -incluindo a prosperidade, longevidade e felicidade- para todos os seres.
Esses métodos que vêm dos ensinamentos de Buda nos permitem realizar uma prática espiritual verdadeiramente transformadora, sem nenhuma manifestação externa, sem nos sentarmos numa almofada, sem anunciarmos o nosso sistema de crenças para outros.
Nós viramos praticantes secretos no caminho para a iluminação.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.