São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 2000

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FERNANDO GABEIRA

Uma câmera na mão e Paris na cabeça

Os fotógrafos amam Paris. Paris ama os fotógrafos. Novembro é o mês da celebração desse amor recíproco, com a abertura do Salão Paris Foto, no Carrousel du Louvre, entre os dias 16 e 19. É o 20º ano de exposições dedicadas à fotografia, dessa vez apresentando, entre outras coisas, exemplares raros do século 19 e cinco coleções particulares.
O interessante é que nem tudo se concentra num só lugar.
Trabalhos individuais, como o de Frank Horvat, são mostrados em vários pontos da cidade, ao mesmo tempo em que livrarias e lojas especializadas oferecem promoções explorando o tema.
A revista "Paris Photo", por exemplo, publicou um número especial, buscando dar um panorama da fotografia no mundo. Mas a edição tem lacunas, como a ausência de menções específicas à América Latina -só registra Alvarez Bravo, um nome mexicano consagrado há várias décadas.
Como explicar esse lugar de Paris no coração dos fotógrafos, que, na verdade, encontram um mercado mais generoso em Nova York, tanto para seus trabalhos como para os equipamentos que utilizam? A agência Magnum, por exemplo, um marco de excelência em fotojornalismo, foi criada em 1948 por quatro fotógrafos: Cartier-Bresson, Robert Capa, George Rodger e David Seymour. Só dois anos depois, em 1950, é que ela se instalou também nos Estados Unidos.
O que talvez tenha fortalecido a fotografia em Paris, além da beleza da cidade, foi uma certa vizinhança com a arte moderna: fotógrafos, pintores e escultores conviveram no mesmo espaço e frequentemente trocavam de posições, como é o caso de Man Ray, que levou à foto moderna uma grande carga poética, amadurecida no contato com outras formas de expressão.
O respeito com que os parisienses tratam a arte fotográfica nem sempre foi o mesmo. Agathe Gaillard, dona de um espaço dedicado à fotografia, acha que mesmo na década de 70 ainda havia um certo preconceito contra o fotógrafo, que era tratado como alguém que não pensava, simplesmente apertava o botão.
A realidade que o ano 2000 revela é radicalmente distinta.
Grandes coleções individuais são orgulhosamente exibidas, como é o caso das fotos que pertencem a Elton John, atualmente mostradas no High Museum of Art, de Atlanta.
São 400 fotos, incluindo os principais mestres do século 20.
Mas, se a fotografia é a grande vedete deste novembro em Paris, o que dizer da exposição de Edouard Manet no museu d'Orsay? Aos domingos, há filas quilométricas para ver as naturezas-mortas, que representam só um quinto de sua obra, mas deram o que falar no século passado.
Vale esperar algum tempo no frio para ver ao vivo algumas telas que já foram reproduzidas aos milhares ao longo deste século.
Manet assumiu a pintura de natureza-morta no momento em que o gênero era desprezado. Era considerado uma arte feminina, de mulheres preocupadas com detalhes botânicos e sem outras inspirações. Pois bem, Manet não somente escolheu o caminho, como se dedicou a ele no fim de sua vida, afirmando audaciosamente que era possível dizer tudo o que um pintor pode dizer, com algumas frutas e arranjos de flores.
Menciono Manet, não apenas pelo impacto da sua exposição. Descobri, lendo o pequeno livro de Françoise Cachin dedicado a ele, que seus primeiros desenhos foram feitos no Brasil.
Manet era aspirante à Marinha e viajou para o Rio em 1848 a bordo do navio-escola Le Havre et Guadalupe. Fez um maravilhoso desenho da baía de Guanabara e escreveu para sua mãe: "Não há professores de desenho no Rio, e o comandante me pediu para ensinar meus colegas. É preciso dizer que, durante a travessia, ganhei uma certa reputação, e todos os oficiais e os professores me pediram sua caricatura".
A carta de Manet falando do Rio do século passado é longa, tratando também dos escravos que não podiam usar sapatos e das mulheres negras, algumas, segundo ele, muito bonitas.
Felizmente, Manet foi reprovado na Marinha, para se tornar um pintor revolucionário, como definiu Malraux, um precursor do modernismo, ou mesmo o primeiro na decrepitude de sua arte, como o descreveu Baudelaire. Há muita literatura para um homem que sintetizou seu trabalho numa só frase: "Faço apenas o que vi".


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