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FERNANDO GABEIRA
Uma câmera na mão e Paris na cabeça
Os fotógrafos amam
Paris. Paris ama os fotógrafos. Novembro é o mês da celebração desse amor recíproco, com a
abertura do Salão Paris Foto, no
Carrousel du Louvre, entre os
dias 16 e 19. É o 20º ano de exposições dedicadas à fotografia, dessa
vez apresentando, entre outras
coisas, exemplares raros do século
19 e cinco coleções particulares.
O interessante é que nem tudo
se concentra num só lugar.
Trabalhos individuais, como o
de Frank Horvat, são mostrados
em vários pontos da cidade, ao
mesmo tempo em que livrarias e
lojas especializadas oferecem promoções explorando o tema.
A revista "Paris Photo", por
exemplo, publicou um número especial, buscando dar um panorama da fotografia no mundo. Mas
a edição tem lacunas, como a ausência de menções específicas à
América Latina -só registra Alvarez Bravo, um nome mexicano
consagrado há várias décadas.
Como explicar esse lugar de Paris no coração dos fotógrafos, que,
na verdade, encontram um mercado mais generoso em Nova
York, tanto para seus trabalhos
como para os equipamentos que
utilizam? A agência Magnum,
por exemplo, um marco de excelência em fotojornalismo, foi criada em 1948 por quatro fotógrafos:
Cartier-Bresson, Robert Capa,
George Rodger e David Seymour.
Só dois anos depois, em 1950, é
que ela se instalou também nos
Estados Unidos.
O que talvez tenha fortalecido a
fotografia em Paris, além da beleza da cidade, foi uma certa vizinhança com a arte moderna: fotógrafos, pintores e escultores
conviveram no mesmo espaço e
frequentemente trocavam de posições, como é o caso de Man Ray,
que levou à foto moderna uma
grande carga poética, amadurecida no contato com outras formas
de expressão.
O respeito com que os parisienses tratam a arte fotográfica nem
sempre foi o mesmo. Agathe Gaillard, dona de um espaço dedicado à fotografia, acha que mesmo
na década de 70 ainda havia um
certo preconceito contra o fotógrafo, que era tratado como alguém que não pensava, simplesmente apertava o botão.
A realidade que o ano 2000 revela é radicalmente distinta.
Grandes coleções individuais
são orgulhosamente exibidas, como é o caso das fotos que pertencem a Elton John, atualmente
mostradas no High Museum of
Art, de Atlanta.
São 400 fotos, incluindo os principais mestres do século 20.
Mas, se a fotografia é a grande
vedete deste novembro em Paris,
o que dizer da exposição de
Edouard Manet no museu d'Orsay? Aos domingos, há filas quilométricas para ver as naturezas-mortas, que representam só um
quinto de sua obra, mas deram o
que falar no século passado.
Vale esperar algum tempo no
frio para ver ao vivo algumas telas que já foram reproduzidas aos
milhares ao longo deste século.
Manet assumiu a pintura de
natureza-morta no momento em
que o gênero era desprezado. Era
considerado uma arte feminina,
de mulheres preocupadas com detalhes botânicos e sem outras inspirações. Pois bem, Manet não somente escolheu o caminho, como
se dedicou a ele no fim de sua vida, afirmando audaciosamente
que era possível dizer tudo o que
um pintor pode dizer, com algumas frutas e arranjos de flores.
Menciono Manet, não apenas
pelo impacto da sua exposição.
Descobri, lendo o pequeno livro
de Françoise Cachin dedicado a
ele, que seus primeiros desenhos
foram feitos no Brasil.
Manet era aspirante à Marinha
e viajou para o Rio em 1848 a bordo do navio-escola Le Havre et
Guadalupe. Fez um maravilhoso
desenho da baía de Guanabara e
escreveu para sua mãe: "Não há
professores de desenho no Rio, e o
comandante me pediu para ensinar meus colegas. É preciso dizer
que, durante a travessia, ganhei
uma certa reputação, e todos os
oficiais e os professores me pediram sua caricatura".
A carta de Manet falando do
Rio do século passado é longa,
tratando também dos escravos
que não podiam usar sapatos e
das mulheres negras, algumas, segundo ele, muito bonitas.
Felizmente, Manet foi reprovado na Marinha, para se tornar
um pintor revolucionário, como
definiu Malraux, um precursor
do modernismo, ou mesmo o primeiro na decrepitude de sua arte,
como o descreveu Baudelaire. Há
muita literatura para um homem
que sintetizou seu trabalho numa
só frase: "Faço apenas o que vi".
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