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São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2003

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FERNANDO GABEIRA

Bombas-relógio na paisagem brasileira

São João da Barra - Sobrevoando o litoral, senti pela extensão da mancha o tamanho do desastre ambiental provocado pela indústria de papel em Cataguases (MG). No momento em que voava, ela tinha 40 km de extensão. O licor negro tinha perdido um pouco da intensidade. Mas era uma imensa mancha avançando uns 10 km pelo mar.
Será que aprendi alguma coisa com esse novo desastre ambiental no Brasil? O primeiro aprendizado é admitir que não temos um plano nacional para prevenir e combater esses grandes acidentes. Empresas como a Petrobrás e a Shell têm esquemas elaborados, com salas de crise, computadores e contatos com grandes especialistas no exterior via internet.
Boa parte das grandes empresas que resolvem crises ambientais foram criadas depois do 11 de setembro. Elas se preparam para atos terroristas e prometem, pelo menos em seus anúncios na rede, um fantástico aparato técnico. Cobram uma fortuna pelo seu trabalho e não servem para casos que envolvem uma fábrica caída, dois Estados sem dinheiro e um governo central economizando cada centavo.
Muitos dos contatos internacionais pediam um exame do material da represa. Não tínhamos. Diziam então: "Como podemos falar de um antídoto para um remédio que não conhecemos?" Percebe-se aí que, quando não se pode desmontar uma bomba ambiental, pelo menos é preciso conhecer seu conteúdo explosivo.
Quando a água acaba numa cidade de quase 500 mil habitantes, sente-se como também é preciosa uma pequena equipe de comunicação que passe a mensagem certa, no momento adequado. Vimos gente cavando poço em lugares surpreendentes e usando a água sem o cuidado de analisá-la ou mesmo purificá-la.
Mesmo depois, quando a água é liberada, as pessoas entendem que podem usar sem restrições a água do rio. É preciso dizer claramente que a liberação significa que pode ser utilizada depois de um tratamento, cujos padrões são regulamentados.
Pior é a confusão entre a hora de ser bombeiro e a hora de ser polícia. Os políticos falam que é necessário prender, querem uma boa imagem nos jornais noturnos. Mas quem está lidando com o desastre precisa manter o contato com os donos da fábrica, obter informações, conhecer plantas e documentos. Diante da ameaça, os responsáveis fogem. Isso dificulta o trabalho. Quando reaparecem, são apresentados com algemas, como se pudessem, com as mãos, cavar uma nova fenda na barragem que contém os produtos químicos.
Gestos inúteis, cabeçadas, esse é o nosso mecanismo de aprendizagem. Aliás, um mecanismo muito humano. Humana também é a capacidade de prevenir. Dizem que é um artefato mental tão importante quanto a solidariedade e a noção de igualdade.
No entanto, sejamos francos, se um fiscal descobrisse o depósito e dissesse que eram precisos, digamos, R$ 3 milhões para neutralizá-lo, iam deixá-lo falando sozinho. Basta ver os problemas que a estrutura mineira apresentou. Não havia plantão de emergência no sábado. A própria polícia florestal não se reportava à Fundação do Meio Ambiente. O convênio entre eles havia expirado. Dois órgãos do mesmo aparato ambiental não se comunicavam.
Os primeiros momentos de um desastre são decisivos.
No caso do petroleiro Prestige, que naufragou na costa da Espanha, uma orientação errônea agravou o derrame de óleo. Por isso é preciso uma autoridade que se desloque para o local e tome as decisões, com algum poder e uma posição clara para que todos possam saber onde está e o que quer que façam.
Técnicos de estatais, especialistas que atuam em multinacionais, veteranos dos desastres ecológicos, todos estão prontos para colaborar com o governo num plano nacional. Não há dinheiro, todos sabem. Mas, para montar uma estrutura mínima, parte da taxa de combustível precisaria ser canalizada para o ambiente, como, aliás, manda a lei original.
O governo queria fazer com todo o dinheiro um colchão para garantir preços baixos no petróleo. Essa obsessão por preços baixos no petróleo é uma das grandes ilusões contemporâneas. Às vezes, uma ilusão perigosa, como na invasão do Iraque.
Vai ser preciso tirar esse dinheiro do colchão para enfrentar as bombas-relógio ambientais que existem no Brasil e, se sobrar algum, investir na pesquisa do hidrogênio, este sim, um combustível que, no futuro, poderia ter preços decrescentes.
Não preciso me meter em altas questões de Estado. Mesmo se não houver dinheiro, é possível levantar um plano com poucos recursos e um bom trabalho de rede. E tem de ser rápido, antes que esqueçamos do último desastre.


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