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FERNANDO GABEIRA
Bombas-relógio na paisagem brasileira
São João da Barra - Sobrevoando o litoral, senti pela
extensão da mancha o tamanho
do desastre ambiental provocado
pela indústria de papel em Cataguases (MG). No momento em
que voava, ela tinha 40 km de extensão. O licor negro tinha perdido um pouco da intensidade. Mas
era uma imensa mancha avançando uns 10 km pelo mar.
Será que aprendi alguma coisa
com esse novo desastre ambiental
no Brasil? O primeiro aprendizado é admitir que não temos um
plano nacional para prevenir e
combater esses grandes acidentes.
Empresas como a Petrobrás e a
Shell têm esquemas elaborados,
com salas de crise, computadores
e contatos com grandes especialistas no exterior via internet.
Boa parte das grandes empresas
que resolvem crises ambientais
foram criadas depois do 11 de setembro. Elas se preparam para
atos terroristas e prometem, pelo
menos em seus anúncios na rede,
um fantástico aparato técnico.
Cobram uma fortuna pelo seu
trabalho e não servem para casos
que envolvem uma fábrica caída,
dois Estados sem dinheiro e um
governo central economizando
cada centavo.
Muitos dos contatos internacionais pediam um exame do material da represa. Não tínhamos.
Diziam então: "Como podemos
falar de um antídoto para um remédio que não conhecemos?"
Percebe-se aí que, quando não se
pode desmontar uma bomba ambiental, pelo menos é preciso conhecer seu conteúdo explosivo.
Quando a água acaba numa cidade de quase 500 mil habitantes,
sente-se como também é preciosa
uma pequena equipe de comunicação que passe a mensagem certa, no momento adequado. Vimos gente cavando poço em lugares surpreendentes e usando a
água sem o cuidado de analisá-la
ou mesmo purificá-la.
Mesmo depois, quando a água é
liberada, as pessoas entendem
que podem usar sem restrições a
água do rio. É preciso dizer claramente que a liberação significa
que pode ser utilizada depois de
um tratamento, cujos padrões são
regulamentados.
Pior é a confusão entre a hora
de ser bombeiro e a hora de ser
polícia. Os políticos falam que é
necessário prender, querem uma
boa imagem nos jornais noturnos. Mas quem está lidando com
o desastre precisa manter o contato com os donos da fábrica, obter
informações, conhecer plantas e
documentos. Diante da ameaça,
os responsáveis fogem. Isso dificulta o trabalho. Quando reaparecem, são apresentados com algemas, como se pudessem, com as
mãos, cavar uma nova fenda na
barragem que contém os produtos químicos.
Gestos inúteis, cabeçadas, esse é
o nosso mecanismo de aprendizagem. Aliás, um mecanismo muito
humano. Humana também é a
capacidade de prevenir. Dizem
que é um artefato mental tão importante quanto a solidariedade
e a noção de igualdade.
No entanto, sejamos francos, se
um fiscal descobrisse o depósito e
dissesse que eram precisos, digamos, R$ 3 milhões para neutralizá-lo, iam deixá-lo falando sozinho. Basta ver os problemas que a
estrutura mineira apresentou.
Não havia plantão de emergência
no sábado. A própria polícia florestal não se reportava à Fundação do Meio Ambiente. O convênio entre eles havia expirado.
Dois órgãos do mesmo aparato
ambiental não se comunicavam.
Os primeiros momentos de um
desastre são decisivos.
No caso do petroleiro Prestige,
que naufragou na costa da Espanha, uma orientação errônea
agravou o derrame de óleo. Por
isso é preciso uma autoridade que
se desloque para o local e tome as
decisões, com algum poder e uma
posição clara para que todos possam saber onde está e o que quer
que façam.
Técnicos de estatais, especialistas que atuam em multinacionais, veteranos dos desastres ecológicos, todos estão prontos para
colaborar com o governo num
plano nacional. Não há dinheiro,
todos sabem. Mas, para montar
uma estrutura mínima, parte da
taxa de combustível precisaria ser
canalizada para o ambiente, como, aliás, manda a lei original.
O governo queria fazer com todo o dinheiro um colchão para
garantir preços baixos no petróleo. Essa obsessão por preços baixos no petróleo é uma das grandes ilusões contemporâneas. Às
vezes, uma ilusão perigosa, como
na invasão do Iraque.
Vai ser preciso tirar esse dinheiro do colchão para enfrentar as
bombas-relógio ambientais que
existem no Brasil e, se sobrar algum, investir na pesquisa do hidrogênio, este sim, um combustível que, no futuro, poderia ter
preços decrescentes.
Não preciso me meter em altas
questões de Estado. Mesmo se não
houver dinheiro, é possível levantar um plano com poucos recursos
e um bom trabalho de rede. E tem
de ser rápido, antes que esqueçamos do último desastre.
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