São Paulo, quinta-feira, 14 de junho de 2007

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ESCALAS ERUDITAS

Capital da música clássica vale cada centavo de euro

Em Viena, onde aconteceu a estréia da 9ª Sinfonia de Beethoven, ingressos são caros, mas compensam

DA FOLHA ONLINE, EM VIENA

Durante mais de 200 anos, a partir do século 17, Viena foi praticamente o único sinônimo de sucesso para um músico na Europa. De nada adiantava ser amado em outros países e não ser aceito nas salas vienenses.
Naquele tempo, isso equivaleria a ser um artista regional. E geralmente frustrado. A corte vienense sempre foi exigente e esnobe. Seu gosto refinado era, por vezes, imprevisível. Os poucos agraciados por seus aplausos eram alçados à condição de ídolos, aclamados nas ruas e mimados em seus aposentos. Foi assim com Gluck (1714-1787), Beethoven (1770-1827), Haydn e até com o cinematograficamente massacrado (injustamente, diga-se) Antonio Salieri (1750-1825).
Com cerca de 1,6 milhão de habitantes e ainda poética como o rio Danúbio que a corta (cada vez menos azul e mais esverdeado), Viena até hoje é chamada de a cidade dos músicos, e o turista que se aventurar em sua noite encontra farta programação clássica.
O problema é que essa programação, diferentemente da de Praga, é caríssima. Não existe nada muito simples. Qualquer concertinho ou recital custa algo na faixa dos 40 ou 50 (e estamos falando dos ingressos mais baratos).
Outra coisa um pouco entediante é a ode que algumas salas continuam fazendo à família Strauss. Longe de nós fazer qualquer crítica à qualidade ou questionar a importância musical dessa lendária gente vienense! Porque lá, ao menos, esses santos de casa são milagrosos há quase 200 anos ininterruptamente. Mas, que cansa ouvir os mesmos compassos de "Danúbio Azul" em absolutamente qualquer apresentação de qualquer orquestra da cidade, ou de músicos em parques e praças -que me desculpem os adoradores das valsas vienenses-, cansa, sim.
Desde sua morte, em 1791, Viena também parece querer se desculpar com Mozart. Depois dos Strauss, é ele quem mais comparece ao "set list" das orquestras, ao lado de Beethoven, este talvez o segundo músico mais amado de todos os tempos na cidade (só perdendo, claro, para qualquer um dos Strauss).

Onde ver história
Alguns lugares são lendários em Viena. Entre esses há o Theater an der Wien, construído em 1801, que foi, além de palco para a estréia de inúmeras obras de Beethoven (como"Fidélio", a 3ª e a 5ª Sinfonias), também sua morada temporária. Há também o Theater in der Josefstadt e os espetaculares Burgtheater e Volkstheater.
Outro passeio histórico é a Philharmoniker strasse. Pare diante do imponente (e caro) hotel Sacher. Pode fazer uma reverência: em 1824 ali se levantava o Kärtnertor-Theater e, em maio daquele ano, o mundo ouviu pela primeira vez a 9ª Sinfonia de Beethoven. O que aconteceu após as duas horas de audição ficou registrado no tempo: chamado ao palco, o compositor foi ovacionado por 20 minutos. Embora surdo, ele certamente viu e entendeu.
Beethoven só deixou o teatro e seguiu para casa pela hoje rua Philharmoniker escoltado. As pessoas jogavam-lhe flores. Há relatos de gente ajoelhada à saída do teatro -tal a catarse que aquela música provocou.
Também se deve agendar uma apresentação da Vienna Residence Orchestra, no Palais Auersperg, do início do século 18. Com uma formação móvel que pode ter de dez a 40 músicos e um pequeno corpo de balé, suas especialidades são -ora vejam- Strauss e Mozart. O bailarino Rudolf Nureyev (1938-1993) foi o primeiro diretor da orquestra, considerada a melhor câmara do mundo.
Talvez nem seja a melhor defato, mas provavelmente é a mais charmosa. Algumas de suas violinistas ou sopranos, como as lindíssimas Sewan Salmasi e Julia Koci, respectivamente, poderiam até disputar concursos de beleza. Outra indicação para o viajante é assistir a uma apresentação da Wierner Imperial, especializada em -adivinhou!- Mozart e Strauss. Se for possível, vá vê-la no Akademischen Gymnasium, um prédio histórico na Beethovenplatz, sonho de consumo educacional de parte da classe média vienense.
Para se despedir de Viena, tão respeitosamente quanto o visitante que vai ao Montparnasse em Paris visitar o túmulo de Chopin, é obrigatória uma peregrinação ao cemitério central para render homenagens diante do obelisco de Beethoven, que "ilumina" o primeiro artista a ter vencido o establishment, ter sido reconhecido e, principalmente, remunerado como tal, algo que Bach e Mozart não conseguiram.
No dia do enterro de Beethoven, em 29 de março de 1827, calcula-se que 30 mil vienenses (quase toda a população) acompanharam o caixão pela Schwarzpanierhaus. Um dos oito músicos que o carregaram era um jovem chamado Franz Schubert. Depois de Beethoven, nunca mais Viena seria a mesma. Tampouco a música. (RICARDO FELTRIN)

Colaborou LIGIA BRASLAUSKAS, editora da Folha Online


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