|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ESCALAS ERUDITAS
Capital da música clássica vale cada centavo de euro
Em Viena, onde aconteceu a estréia da 9ª Sinfonia de Beethoven, ingressos são caros, mas compensam
DA FOLHA ONLINE, EM VIENA
Durante mais de 200 anos, a
partir do século 17, Viena foi
praticamente o único sinônimo
de sucesso para um músico na
Europa. De nada adiantava ser
amado em outros países e não
ser aceito nas salas vienenses.
Naquele tempo, isso equivaleria a ser um artista regional. E
geralmente frustrado.
A corte vienense sempre foi
exigente e esnobe. Seu gosto refinado era, por vezes, imprevisível. Os poucos agraciados por
seus aplausos eram alçados à
condição de ídolos, aclamados
nas ruas e mimados em seus
aposentos. Foi assim com
Gluck (1714-1787), Beethoven
(1770-1827), Haydn e até com o
cinematograficamente massacrado (injustamente, diga-se)
Antonio Salieri (1750-1825).
Com cerca de 1,6 milhão de
habitantes e ainda poética como o rio Danúbio que a corta
(cada vez menos azul e mais esverdeado), Viena até hoje é chamada de a cidade dos músicos, e
o turista que se aventurar em
sua noite encontra farta programação clássica.
O problema é que essa programação, diferentemente da
de Praga, é caríssima. Não existe nada muito simples. Qualquer concertinho ou recital
custa algo na faixa dos 40 ou
50 (e estamos falando dos ingressos mais baratos).
Outra coisa um pouco entediante é a ode que algumas salas
continuam fazendo à família
Strauss. Longe de nós fazer
qualquer crítica à qualidade ou
questionar a importância musical dessa lendária gente vienense! Porque lá, ao menos, esses
santos de casa são milagrosos
há quase 200 anos ininterruptamente. Mas, que cansa ouvir
os mesmos compassos de "Danúbio Azul" em absolutamente
qualquer apresentação de qualquer orquestra da cidade, ou de
músicos em parques e praças
-que me desculpem os adoradores das valsas vienenses-,
cansa, sim.
Desde sua morte, em 1791,
Viena também parece querer se
desculpar com Mozart. Depois
dos Strauss, é ele quem mais
comparece ao "set list" das orquestras, ao lado de Beethoven,
este talvez o segundo músico
mais amado de todos os tempos
na cidade (só perdendo, claro,
para qualquer um dos Strauss).
Onde ver história
Alguns lugares são lendários
em Viena. Entre esses há o
Theater an der Wien, construído em 1801, que foi, além de
palco para a estréia de inúmeras obras de Beethoven (como"Fidélio", a 3ª e a 5ª Sinfonias),
também sua morada temporária. Há também o Theater in
der Josefstadt e os espetaculares Burgtheater e Volkstheater.
Outro passeio histórico é a
Philharmoniker strasse. Pare
diante do imponente (e caro)
hotel Sacher. Pode fazer uma
reverência: em 1824 ali se levantava o Kärtnertor-Theater
e, em maio daquele ano, o mundo ouviu pela primeira vez a 9ª
Sinfonia de Beethoven. O que
aconteceu após as duas horas
de audição ficou registrado no
tempo: chamado ao palco, o
compositor foi ovacionado por
20 minutos. Embora surdo, ele
certamente viu e entendeu.
Beethoven só deixou o teatro e
seguiu para casa pela hoje rua
Philharmoniker escoltado. As
pessoas jogavam-lhe flores. Há
relatos de gente ajoelhada à saída do teatro -tal a catarse que
aquela música provocou.
Também se deve agendar
uma apresentação da Vienna
Residence Orchestra, no Palais
Auersperg, do início do século
18. Com uma formação móvel
que pode ter de dez a 40 músicos e um pequeno corpo de balé, suas especialidades são -ora
vejam- Strauss e Mozart. O
bailarino Rudolf Nureyev
(1938-1993) foi o primeiro diretor da orquestra, considerada a
melhor câmara do mundo.
Talvez nem seja a melhor defato, mas provavelmente é a
mais charmosa. Algumas de
suas violinistas ou sopranos,
como as lindíssimas Sewan Salmasi e Julia Koci, respectivamente, poderiam até disputar
concursos de beleza.
Outra indicação para o viajante é assistir a uma apresentação da Wierner Imperial, especializada em -adivinhou!-
Mozart e Strauss. Se for possível, vá vê-la no Akademischen
Gymnasium, um prédio histórico na Beethovenplatz, sonho
de consumo educacional de
parte da classe média vienense.
Para se despedir de Viena,
tão respeitosamente quanto o
visitante que vai ao Montparnasse em Paris visitar o túmulo
de Chopin, é obrigatória uma
peregrinação ao cemitério central para render homenagens
diante do obelisco de Beethoven, que "ilumina" o primeiro
artista a ter vencido o establishment, ter sido reconhecido e, principalmente, remunerado como tal, algo que Bach e
Mozart não conseguiram.
No dia do enterro de Beethoven, em 29 de março de 1827,
calcula-se que 30 mil vienenses
(quase toda a população) acompanharam o caixão pela
Schwarzpanierhaus. Um dos
oito músicos que o carregaram
era um jovem chamado Franz
Schubert. Depois de Beethoven, nunca mais Viena seria a
mesma. Tampouco a música.
(RICARDO FELTRIN)
Colaborou LIGIA BRASLAUSKAS,
editora da Folha Online
Texto Anterior: Pacotes para Praga e viena, com aéreo Próximo Texto: Endereços Índice
|