São Paulo, segunda-feira, 16 de setembro de 2002

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LOUISIANA, 200

Região foi musa do autor, que preferia Nova Orleans a Baton Rouge

Mark Twain aprisionou rio Mississippi em sua obra

DO ENVIADO ESPECIAL À LOUISIANA

Mark Twain (1835-1910) é um desses escritores cuja obra está ligada a um lugar. Grandiosa e bem-humorada, sua literatura está tão relacionada ao sul dos EUA, a seus personagens e a seu folclore, que há quem o chame de "Homero do Mississippi", "Charles Dickens da América" ou "Giuseppe Verga do "swamp'" -o pântano cheio de vida que viceja paralelamente ao curso das águas do grande rio.
Os romances de Twain fizeram com o rio Mississippi o que Homero já havia feito com o Mediterrâneo no século 8º a.C., ao aprisionar, no poema épico "Odisséia", a magia do mar cravejado de sereias que tentavam o personagem Ulisses com o seu canto.
A ligação entre Mark Twain e o mais extenso e volumoso rio dos EUA também encontra paralelo nas obras de outros dois autores do século 19: Charles Dickens, que em "Oliver Twist" descreve uma Londres "de sombras imensas e opressivas", e Giuseppe Verga, que em "Os Malavoglia" narra a tragédia de uma família de pescadores nos arredores da Catânia, na Sicília, Itália.
Nascido Samuel Laghorne Clemens às margens do rio, o autor é um dos grandes escritores do seu tempo e até seu nome de pluma, Mark Twain, tem relação com o Mississippi, curso d'água de 3.750 quilômetros com 500 afluentes que flui embalado pelo ritmo da música e emoldurado, em alguns locais, por casarões aristocráticos.
O rio, que passa ao largo de cidades como Baton Rouge, capital da Louisiana, e Nova Orleans, capital do jazz, onde deságua no golfo do México, foi cenário para "As Aventuras de Huckleberry Finn", que Twain publicou em 1884.
O tempo passou, indústrias tomaram conta das margens em diversas regiões, porém o rio resistiu e ainda dá as caras, mostrando uma faceta histórica, por meio de casas e barcos a vapor ou dos seus "swamps" (pântanos) repletos de árvores e animais.
Mesmo nas "plantations", fazendas antigas hoje transformadas em local de peregrinação de turistas, as margens do Mississippi ainda exibem, com uma boa dose de realismo, o tempo aprisionado na literatura de Twain.

Rivalidade
O autor, que transformou o dia-a-dia em torno do rio em literatura atemporal, era dono de um bom humor infinito, mas nunca se entusiasmou por Baton Rouge.
Preferia Nova Orleans, porto localizado rio abaixo, e nessa cidade costumava se hospedar na casa do escritor George Washington Cable, no número 1.318 da 8th Street.
A preferência do escritor, que, aliás, gostava de escarafunchar o folclore nascido e mantido nos pequenos povoados ao longo do rio Mississippi, explica um pouco o relacionamento e o papel complementar que Baton Rouge e Nova Orleans têm até hoje no Estado da Louisiana.
Nova Orleans, capital da folia, foi edificada para os prazeres mundanos, a vadiagem do Carnaval (Mardi Grass), o jazz, o culto da magia negra (vodu) e a libertinagem dos bordéis.
Já Baton Rouge, capital política, cresceu como o local onde prosperou a burocracia, onde os donos das "plantations" transformavam suas prosperidades em poder -Mark Twain costumava dizer que "o dinheiro era a raiz de todo o mal".

Pseudônimo
Mark Twain viveu à beira do Mississippi durante 14 dos seus 75 anos de vida. Filho de um juiz que perdeu dinheiro comerciando -e que morreu quando o escritor tinha apenas 11 anos-, o autor teria adotado o pseudônimo para fazer um trocadilho, pois os barqueiros do Mississippi, ao jogarem a corda da sonda, gritavam algo que soava como "mark twain" (ou "marque aos pares"), informando aos grumetes a profundidade do rio.
Depois de deixar Hannibal, sua cidade natal, Mark Twain foi piloto de navio no rio Mississippi, garimpeiro no Estado de Nevada, gráfico e jornalista em cidades como St. Louis, Nova York e Filadélfia, onde decidiu navegar pelo terreno da literatura.
A fama veio quando publicou livros cheios de fantasia, alguns até com ingredientes como viagens no tempo, que tinham a propriedade de tecer uma crítica à sociedade norte-americana.
"As Aventuras de Huckleberry Finn" tem esse poder e conta a história de um menino branco banido que, ao lado de um escravo adulto em fuga, percorre a região às margens do rio.
Hoje, a paisagem do rio não é mais a mesma em toda a sua extensão, mas o Mississippi ainda tem seu encanto, notadamente ao redor de Baton Rouge.
Grande estrada de água da América do Norte, o rio não tem mais tantos barcos a vapor, mas as chatas que percorrem o seu curso e que parecem trens puxados por rebocadores deslocam algo como 500 milhões de toneladas de carga por ano.
(SILVIO CIOFFI)


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