São Paulo, segunda, 18 de maio de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Português resiste na língua e nos rostos

do enviado especial ao Sudeste Asiático

Ainda há quem fale português em Malacca, séculos depois da chegada das caravelas lusitanas, em 1511.
O proprietário de restaurante George Alcantra, cujo formato da face denuncia também a ascendência chinesa, anotou no seu livrinho "Portuguese Heritage" algumas palavras que conseguiram sobreviver às sucessivas dominações estrangeiras.
Por quaisquer dois tostões e um bom-dia, Alcantra vende seu livrinho no restaurante De Lisbon, localizado em Medan Portugis (praça Portuguesa), um reduto modesto nos arredores da fortaleza que o navegador português Alfonso de Albuquerque resolveu batizar de A Famosa.
No restaurante e no livrinho de Alcantra, português é "portugis", cantina é "kantin", sopa é "kaldu", queijo é "keju" e nabo é "labu".

História oral
Como na Malásia o português está longe de ser o idioma "da hora" entre os moradores, chega a ser pitoresco visitar o reduto onde ele ainda sobrevive.
Num país dominado pelas etnias malaia, chinesa e indiana, o inglês -falado por quase toda a população- é uma espécie de "esperanto" nacional.
Além de ser curioso verificar como, aos trancos e barrancos, a língua sobreviveu, também dá uma certa nostalgia reconhecer sobrenomes como Sequerah, Texeira, d'Aranjo e Coroado.
A igreja (ou "gereja", nesse português), teve uma grande importância na epopéia.
"Bolu'
Para essa comunidade, a tradução de domingo é "misa" e a Festa San Pedro, celebrada pelos pescadores de ascendência portuguesa, em 29 de junho, é a mais colorida das festas.
No Natal as famílias ainda preparam um "bolu" e armam seu presépio, que dura até o "Anu Nuber" (Ano Novo).
Esse português singelo, que lembra o "papiamento" falado em Curaçao, nas Antilhas Holandesas, obviamente mudou durante os séculos, mas conserva inequivocamente traços da língua falada no século 16.
Os portugueses não condenavam os casamentos inter-raciais, fato que também ajudou a transformar a língua.
No tempo de Alfonso de Albuquerque, casamentos mistos eram até premiados -em alguns casos os noivos recebiam presentes como cavalos, gado e casas.
(SILVIO CIOFFI)



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.