São Paulo, segunda-feira, 18 de junho de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FERNANDO GABEIRA

Na seca, é melhor estudar as chuvas

Será que vai chover? É uma pergunta tão comum que já virou até verso de canção. Você pode olhar para o céu, escrutinar as nuvens, determinando o sentido dos ventos com o dedo molhado. As chuvas são um dado importante em nosso cotidiano e na vida de todo o país.
Os chineses, por exemplo, como precisam saber com alguma antecedência se a terra vai ou não tremer, desenvolveram um mecanismo de observação que trabalha até com o movimento dos répteis, os primeiros seres vivos a emitir sinal de que alguma coisa está mexendo embaixo de nós.
Essa contribuição dos chineses é reconhecida em todo o planeta, a julgar pelo que vi no Congresso Internacional de Geologia, no Rio de Janeiro.
Se as chuvas são tão importantes num país que produz 94% de sua energia em usinas hidrelétricas, por que não desenvolver um método para prever sua queda? Não precisa ser apenas um método de observar imediatamente a natureza. Não é proibido usar todos os mecanismos modernos disponíveis numa dezena de países no mundo que se especializaram na previsão do tempo.
O governo brasileiro, por exemplo, achou que o ano não seria duro, a julgar pelas chuvas de janeiro. Se tivesse encomendado uma pesquisa, talvez pudesse chegar a uma outra conclusão naquele momento.
A vantagem é que poderíamos estar economizando menos, desde fevereiro, e nossa travessia seria menos árida e escura.
Um país como o Brasil deveria estimular mais o estudo das chuvas, valorizar a inteligência do professor Saber, por exemplo, a quem o governo jamais procurou para falar sobre o assunto, ou apenas incentivar o estudo do clima no Brasil.
Era preciso também um investimento concreto na montagem de uma pesquisa meteorológica que sintetizasse o melhor possível nosso potencial e, com os meios disponíveis hoje, conectar-se o mais amplamente possível com quem trabalha com o tema no mundo.
Para quem sai de férias em julho, essa rodada pelo Brasil vai abrir outros olhos. Quem passar pelo São Francisco, por exemplo, vai estar mais atento para a situação dramática do rio.
A imagem do sertanejo carregando sua canoa no lombo de um burro por seis quilômetros mostra como o rio está deixando de existir para quem vive dele. Ele parou na barragem de Sobradinho, que não podia abrir a eclusa porque é movimento que gasta muita água. A abertura da eclusa enche o canal e a canoa sai navegando rio abaixo.
Os viajantes gostam muito do país. Cada vez eles vão se dar conta dos tesouros que vamos dilapidando e como é necessário começar a ver o país com os olhos do longo prazo. E perceber que é preciso dar uma virada.
O governo considera nos seus planos chuvas de mais ou menos 70% da média histórica. Como a natureza não costuma ver Pedro Parente no Jornal Nacional, pode se rebelar contra esses cálculos.
O melhor caminho seria criar um grupo especial de clima que começasse pelas chuvas, examinando que tipo de ajuda internacional é possível para a previsão de agora e planejando para o futuro próximo as bases de um serviço de meteorologia sofisticado, que vá aos limites possíveis da previsão.
A universidade brasileira deveria incluir uma discussão da crise em sua agenda. Da mesma forma, a Aeronáutica, que já está desenvolvendo o Sivam, poderia ser um interlocutor importante.
É hora de esverdear as Forças Armadas. Elas sempre foram preparadas para a guerra entre os homens. No momento, a guerra é dos homens contra a natureza.
Essa história de ficar interrogando se vai ou não chover é bom no cotidiano onde uma certa imprevisão faz a vida mais leve. De um ponto de vista do país, essa pergunta precisa de uma resposta antecipada, ainda que imperfeita. Não importa o nível de controle intelectual que exista sobre esses fenômenos naturais. O Brasil precisa aspirar ao máximo. Nossa matriz energética determina isso, assim como as mudanças climáticas são uma prioridade de pesquisa para o planeta.
Temos de antecipar, fazer cenários, calcular. Temos que desencantar o governo, que é literário demais para se dar conta das ciências naturais.


Texto Anterior: Pacotes
Próximo Texto: Evento: Abav fixa em uma cidade sua feira anual
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.