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FERNANDO GABEIRA
Na seca, é melhor estudar as chuvas
Será que vai chover? É uma
pergunta tão comum que já
virou até verso de canção. Você
pode olhar para o céu, escrutinar
as nuvens, determinando o sentido dos ventos com o dedo molhado. As chuvas são um dado importante em nosso cotidiano e na
vida de todo o país.
Os chineses, por exemplo, como
precisam saber com alguma antecedência se a terra vai ou não tremer, desenvolveram um mecanismo de observação que trabalha
até com o movimento dos répteis,
os primeiros seres vivos a emitir
sinal de que alguma coisa está
mexendo embaixo de nós.
Essa contribuição dos chineses é
reconhecida em todo o planeta, a
julgar pelo que vi no Congresso
Internacional de Geologia, no Rio
de Janeiro.
Se as chuvas são tão importantes num país que produz 94% de
sua energia em usinas hidrelétricas, por que não desenvolver um
método para prever sua queda?
Não precisa ser apenas um método de observar imediatamente a
natureza. Não é proibido usar todos os mecanismos modernos disponíveis numa dezena de países
no mundo que se especializaram
na previsão do tempo.
O governo brasileiro, por exemplo, achou que o ano não seria
duro, a julgar pelas chuvas de janeiro. Se tivesse encomendado
uma pesquisa, talvez pudesse chegar a uma outra conclusão naquele momento.
A vantagem é que poderíamos
estar economizando menos, desde fevereiro, e nossa travessia seria menos árida e escura.
Um país como o Brasil deveria
estimular mais o estudo das chuvas, valorizar a inteligência do
professor Saber, por exemplo, a
quem o governo jamais procurou
para falar sobre o assunto, ou
apenas incentivar o estudo do clima no Brasil.
Era preciso também um investimento concreto na montagem de
uma pesquisa meteorológica que
sintetizasse o melhor possível nosso potencial e, com os meios disponíveis hoje, conectar-se o mais
amplamente possível com quem
trabalha com o tema no mundo.
Para quem sai de férias em julho, essa rodada pelo Brasil vai
abrir outros olhos. Quem passar
pelo São Francisco, por exemplo,
vai estar mais atento para a situação dramática do rio.
A imagem do sertanejo carregando sua canoa no lombo de um
burro por seis quilômetros mostra
como o rio está deixando de existir para quem vive dele. Ele parou
na barragem de Sobradinho, que
não podia abrir a eclusa porque é
movimento que gasta muita
água. A abertura da eclusa enche
o canal e a canoa sai navegando
rio abaixo.
Os viajantes gostam muito do
país. Cada vez eles vão se dar conta dos tesouros que vamos dilapidando e como é necessário começar a ver o país com os olhos do
longo prazo. E perceber que é preciso dar uma virada.
O governo considera nos seus
planos chuvas de mais ou menos
70% da média histórica. Como a
natureza não costuma ver Pedro
Parente no Jornal Nacional, pode
se rebelar contra esses cálculos.
O melhor caminho seria criar
um grupo especial de clima que
começasse pelas chuvas, examinando que tipo de ajuda internacional é possível para a previsão
de agora e planejando para o futuro próximo as bases de um serviço de meteorologia sofisticado,
que vá aos limites possíveis da
previsão.
A universidade brasileira deveria incluir uma discussão da crise
em sua agenda. Da mesma forma, a Aeronáutica, que já está desenvolvendo o Sivam, poderia ser
um interlocutor importante.
É hora de esverdear as Forças
Armadas. Elas sempre foram preparadas para a guerra entre os
homens. No momento, a guerra é
dos homens contra a natureza.
Essa história de ficar interrogando se vai ou não chover é bom
no cotidiano onde uma certa imprevisão faz a vida mais leve. De
um ponto de vista do país, essa
pergunta precisa de uma resposta
antecipada, ainda que imperfeita. Não importa o nível de controle intelectual que exista sobre esses fenômenos naturais. O Brasil
precisa aspirar ao máximo. Nossa
matriz energética determina isso,
assim como as mudanças climáticas são uma prioridade de pesquisa para o planeta.
Temos de antecipar, fazer cenários, calcular. Temos que desencantar o governo, que é literário
demais para se dar conta das
ciências naturais.
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