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BONS VENTOS
Quinquela Martín exigiu ausência de vanguardas ao doar o terreno e erguer o prédio que leva seu nome
Museu mostra vida no porto sem abstração
HELOISA LUPINACCI
ENVIADA ESPECIAL A BUENOS AIRES
"O diretor deste museu é obrigado a mantê-lo dentro da linha
tradicional figurativa. Portanto
não poderão ingressar no acervo
obras abstratas ou derivadas destas. Nem futuristas, nem cubistas
nem de nenhum outro "ismo".
Pois já há muitas salas destinadas
a essa tendência na capital."
Irritado com o espaço dedicado
às vanguardas, assim escreveu, no
começo dos anos 30, o pintor Benito Quinquela Martín (1890-1977) no regulamento do museu
que leva o seu nome.
Quinquela Martín adotou a região La Boca como lar e como tema de suas enormes telas. Tamanha era sua ligação sentimental
com o bairro que ele procurou o
Conselho Nacional de Educação
da Argentina para doar um terreno ali, no qual seria construído
um prédio de três andares.
O térreo e o primeiro andar
abrigariam uma escola. O segundo andar, um museu. O terceiro,
sua casa e ateliê.
Em três anos, a escola abriu suas
portas. Para enfeitá-la, painéis
concebidos por Martín.
Mais dois anos e as portas que se
abriram foram as do Museu de
Artistas Argentinos, em 1938, no
segundo andar. A aquisição das
obras seguiu rigidamente o regulamento, e ainda hoje as salas não
têm sinal de pinceladas abstratas.
Elas mostram obras de artistas
como Jose Malanca (1897-1967),
Fernando Fader (1882-1935), Antonio Berni (1905-1981) em início
de carreira, Alfredo Gramajo Gutiérrez (1893-1961), Eduardo Sivori (1847-1918) e Fortunato Lacámera (1887-1951).
Uma delas, na entrada do museu, guarda um curioso acervo de
figuras de proa, esculturas de madeira para amansar o mar, quase
todas do século 19. Diferentemente da carranca brasileira, que sempre faz careta para espantar maus
espíritos, as figuras de destaque
argentinas são formosas mulheres, galanteadores ou piratas.
Quando Quinquela Martín
morreu, o terceiro andar foi incorporado ao museu, que ganhou
o seu nome. Ali ficam expostas as
suas obras. As telas se misturam
aos móveis da casa, preservados
como eram quando o pintor estava vivo.
O artista tinha mania de pintar
as coisas que havia em sua casa.
Tudo ficou colorido. Cama, geladeira, cadeiras, mesas, abajures,
vaso sanitário, bidê. Nem o piano
que decora o local fugiu do pincel.
As salas parecem uma extensão
da vida portuária. Isso porque,
nas telas de Quinquela, reinavam
os barcos e os trabalhadores do
porto. Entende-se a repetição do
tema ao observar a vista da janela
da sala onde ele pintava: dá de cara para o antigo porto da boca do
Riachuelo. E dali, das margens do
rio da Prata, o pintor se deixava
maravilhar pela força dos estivadores, dos marinheiros e dos mecânicos.
As salas do museu são divididas
pelas fases que marcam a pintura
de Quinquela Martín. A primeira
fase é ensolarada, mostra o porto
como um lugar agitado, cheio de
vida. Na segunda, o fogo predomina. Algumas telas retratam festas populares que rodeiam fogueiras ou mostram incêndios em
embarcações. Uma delas virou
objeto de desejo do ditador italiano Benito Mussolini, que garantiu
pagar qualquer valor que Quinquela Martín quisesse cobrar pelo
quadro. O artista negou, apesar
da amizade entre os dois.
Na terceira fase, no fim da vida
de Quinquela, as telas mostram o
cemitério de barcos, com embarcações abandonadas, em algumas
das quais crescem plantas, como
se a vida brotasse da morte.
Museu Benito Quinquela Martín - Av.
Pedro de Mendoza, 1.835, La Boca, tel.
0/xx/54/11/4301-1080, ingresso: 1 peso.
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