São Paulo, Segunda-feira, 19 de Julho de 1999
Texto Anterior | Índice

QUALQUER VIAGEM
Chame-a Mallorca ou Majorca, mas vá para lá, já

DAVID DREW ZINGG
em Sampa

 "Tantos! Eu não imaginara que a morte houvesse destruído tantos." Dante, no inferno.
Na época em que ela era invadida por milhões e mais milhões de turistas alemães e ingleses, bêbados e bronzeados, eles grafavam o nome dessa ilha catalã espanhola no Mediterrâneo "Majorca".
Quando tio Dave visitou o recém-reformado destino turístico de alta classe, duas semanas atrás, os nativos já tinham mudado a grafia para "Mallorca".
Mallorca é a grafia mais classuda e tradicional do nome da ilha.
A diferença na maneira como se escreve seu nome ressalta a enorme mudança operada no resort, hoje tremendamente melhorado.
Durante anos, ir à ilha era como arrotar ou enfiar o dedo no nariz -todo o mundo o fazia.
Mais de 7 milhões de turistas iam para lá todos os anos.
Aquele jota revelador em "Majorca" era irremediavelmente vinculado a um certo tipo de turismo caracterizado por vôos fretados, praias abarrotadas, sol, areia e sexo regado a muito álcool.

Ma"ll"orca hoje é um lugar muito elegante
Hoje, porém, ouso afirmar que Mallorca -a versão autêntica, com o tão importante "ll"- virou um lugar cool, elegante, na moda, fashion. Em suma, "in".
Mallorca está fazendo um esforço tremendo para se reformar.
Os feios hotéis de muitos andares foram demolidos e seu lugar foi tomado por avenidas ladeadas de árvores. Áreas inteiras à beira-mar foram poupadas da onda de construção, e muito dinheiro foi aplicado na restauração da arquitetura tradicional da ilha.
Mallorca voltou a ser "posh" (que significa chique em inglês britânico, Joãozinho).
Fato: Michael Douglas está produzindo xerez Malmsey numa fazenda que já pertenceu ao arquiduque Luis Salvador, da Áustria.
Fato: aulas de Tai Chi Chuan estão sendo dadas na praia numa velha cidade histórica chamada Magaluf.
Fato: no Abaco, um palácio do século 17 reformado, no centro de Palma de Mallorca, integrantes do jet-set eurotrash bebericam coquetéis de frutas à luz de velas, ao som de música clássica e do canto de pássaros engaiolados.
Mallorca vem sendo visitada por turistas desde o ano de 1838, quando Chopin e sua amante George Sand passaram o inverno num mosteiro cartuxo.
Chopin sobreviveu, mas o amor dos dois, não, e Sand (que começou a usar calças para se aquecer no inverno e foi apedrejada pelos aldeões por seu atrevimento) escreveu um livro malcriado no qual comparou os ilhéus a macacos.

Brasil líquido em Mallorca
Passeie a pé pela avenida à beira-mar de Palma, à meia-noite, e você se sentirá como se estivesse em Barcelona ou em Biarritz. Estudantes ficam sentados na rua em volta de um velho violão, ou então vão ao Made in Brasil, em busca de caipirinhas e de alguns amassos.
Os TRBYITs (the Rich Bright Young International Things, ou jovens internacionais ricos e inteligentes) dançam bop ao som dos últimos sucessos no Pacha's, enquanto a turma do iatismo se reúne no Club de Mar, do outro lado da rua.

Cuidado com o aeroporto espanhol gigante
Um aviso a quem pretende visitar a Espanha.
A palavra é "aeroportos". A Espanha embarcou num frenesi de modernização, para conseguir receber os rapidamente crescentes milhões de turistas que chegam ao país em busca de sol e diversão.
Os aeroportos de Madri, Barcelona e Palma de Mallorca são todos novinhos em folha -e enormes. Fica claro que foram construídos para poderem comportar as multidões que vão invadir o país no ano 3000.
É evidente que foram projetados por um arquiteto que pretendeu promover a saúde dos viajantes, por meio de caminhadas de longa distância em alta velocidade.
Se seu vôo aterrissar no portão A-1 e você tiver de fazer uma conexão com outro vôo que sai do portão Z-26, você tem grandes chances de morrer de velhice antes de chegar até o segundo avião.
Outra contribuição espanhola à arte da projeção de aeroportos modernos é a ausência de locais que forneçam o mais básico em termos de comida e bebida. Se você não morrer de velhice, provavelmente morrerá de fome.
Voltar para casa, para os aeroportos de dimensões humanas do Brasil, confere todo um significado novo ao conceito do viajar civilizado.
Ainda existem alguns momentos raros, quando se viaja de avião, em que se apreende algo de profundo valor.
Na classe econômica da Spanair, quando eu retornava da Finlândia e de Mallorca, me serviram um copo de suco de laranja -feito na hora, com laranjas espanholas. Aquele suco de laranjas de Valência, feito na hora, cancelou todo o suplício anterior do aeroporto.


Tradução de Clara Allain.


Texto Anterior: Por dentro do réveillon na África
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.