São Paulo, segunda, 19 de outubro de 1998

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QUALQUER VIAGEM
Olha aí! Não é a asa que está caindo?

DAVID DREW ZINGG
em Sampa

"Há muitas coisas que você pode fazer durante uma viagem aérea longa para afastar da sua cabeça o fato de que você se encontra a vários quilômetros de altitude no céu, num objeto pesado, construído e operado por pessoas que você nem sequer conhece, pessoas que podem muito bem ser viciadas em drogas, ser loucas, suicidas e irresponsáveis." Dave Barry.

Tio Dave está tentando preparar psicologicamente a coisinha minúscula que ele chama de seu "cérebro" para mais uma viagem às Gringo e Eurolândias.
O problema é que, cada vez que ponho os pés num avião, reflito sobre a probabilidade crescente de que este possa encostar no chão, sem querer, antes de chegarmos a nosso destino previsto.
Trata-se de um problema alarmante que gosto de descrever como "o dilema da gravidade que se agrava". Quanto mais pessoas existem, mais fazem questão de sair de Bananalândia em direção a outros destinos elegantes do mundo.
Essa demanda crescente vai fazer com que haja cada vez mais aviões voando no céu, o que, é claro, vai fazer com que ocorram muito mais erros humanos, o que vai fazer com que haja muito mais aviões encostando na Terra a contragosto, o que vai reduzir as chances pessoais de tio Dave não conseguir chegar inteiro ao destino almejado. Estou assustado. Faça-me rir, por favor. Tudo isso é mais do que assustador.
As companhias aéreas brasileiras não são nem muito mais nem muito menos seguras do que outras companhias aéreas internacionais, mas são muito mais sérias do que estas.
A pergunta é: já que o povo brasileiro é conhecido por seu senso de humor sempre pronto a se manifestar, por que nossas linhas aéreas nacionais não nos brindam com um sorriso?
Outro dia alguém me mandou um recorte de jornal sobre "alguns pequenos conselhos adicionais incluídos nas instruções de segurança de vôo" de uma companhia aérea norte-americana.
"No caso de o avião pousar na água", aconselhou o comissário de bordo, "lembrem-se, por favor: todo mundo nadando cachorrinho até a praia."
Quando um grupo de passageiros parecia estar ligeiramente apavorado na decolagem, num vôo ocorrido na primavera passada, a comissária disse: "O comandante consegue tirar o avião do chão sozinho, portanto os passageiros que estão agarrando os braços das poltronas podem soltá-los agora".
Não sei quanto a você, Joãozinho, mas no meu caso esse tipo de conselho bem-humorado me ajudaria muito a superar o meu medo de voar profundamente arraigado.
Você e eu sabemos que aquela famosa lengalenga de segurança que as comissárias nos infligem no início dos vôos não faz sentido nenhum.
Para começo de conversa, se você realmente pensasse que seu avião iria cair, para que pagaria um monte de dinheiro para subir nele?
Uma alternativa sempre possível é ir até Nova York de carro ou nadar até Miami (se o seu avião cair, o resultado será o mesmo: você vai virar comida de tubarão).
É tranquilizador observar que os assentos das poltronas do avião funcionam como bóias. Estas poderão ser recolhidas do mar pela companhia aérea, sempre interessada em fazer economia, para serem reutilizadas em oportunidades posteriores. Para mim, parece óbvio que o que distingue as companhias aéreas é a capacidade de elas saberem ou não fazer você sorrir e, desse modo, esquecer- se do pavor muito real despertado pelo ato de voar.
O saquinho de amendoins que elas lhe dão é o mesmo em todas as empresas.
²

Boas risadas salvam viagens O humor é uma arma de sobrevivência.
Fale a verdade -você não acha que as viagens aéreas seriam bem mais humanas se as companhias aéreas da Bananalândia deixassem seus comissários de bordo dar asas à sua imaginação?
Eis alguns casos reais de humor aéreo vindos de tripulantes de aviões comerciais:
"Bem-vindos a bordo de nosso vôo de aqui para ali. Para operar seu cinto de segurança, insira a ponta de metal no orifício correto e aperte bem. Ele funciona exatamente como todos os outros cintos de segurança, e, se você ainda não sabe usar cinto de segurança, provavelmente nem deveria estar andando em público sem supervisão";
"no caso de uma despressurização repentina da cabine, máscaras de oxigênio irão cair do teto. Pare de gritar, agarre a máscara e coloque-a sobre o rosto. Se você estiver acompanhado de uma criancinha, coloque sua própria máscara antes de ajudá-la a colocar a dela. Se estiver acompanhado de duas criancinhas, decida já qual delas você ama mais";
"a temperatura no nosso local de destino está em 20 graus, com algumas nuvens esparsas, mas vão tentar juntar essas nuvens até a hora de nossa chegada. Obrigado por voarem conosco, e, lembrem-se, ninguém gosta mais de vocês ou de seu dinheiro do que nossa companhia aérea";
Já passava da hora da decolagem, e o avião não saía da pista. Depois de 30 minutos de espera, os passageiros já estavam ficando irrequietos. Foi quando o piloto pegou o microfone e fez a platéia dissolver-se em gargalhadas. "Sentimos muito pelo atraso", explicou, num sotaque texano arrastado, "mas a máquina que normalmente esmaga e amassa suas malas quebrou, e tivemos de fazer o serviço a mão."
Funcionou. Os passageiros deram risada, e mais uma trapalhada da companhia aérea foi perdoada com um sorriso.


Tradução de Clara Allain.



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