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ACHADOS PERUANOS
Rica culinária mescla técnicas incas a pitadas espanholas, africanas e asiáticas; ceviche é só o começo
Mesa peruana é caldeirão de influências
DA ENVIADA ESPECIAL AO PERU
É difícil imaginar que em um
país que faz fronteira com o
Brasil seja possível olhar para
uma mesa posta e saber o nome
de apenas metade dos ingredientes. É isso exatamente que
acontece no Peru.
Mas, apesar de ter ingredientes inéditos, a culinária é como
quase todas as cozinhas de países que foram colonizados por
europeus: uma combinação de
influências indígenas, européias, africanas e asiáticas.
A receita é complexa. Pegue
uma variedade enorme de ingredientes, disponível graças
ao rico terreno -das 104 zonas
biológicas que há no mundo, o
Peru reúne em seu território 80
delas. Adicione receitas de antes da colonização, vindas dos
incas, que, por sua vez, já haviam herdado conhecimentos
de outros povos. Reserve. Junte
novos ingredientes e novos
preparos trazidos pelo colonizador espanhol. Sem se esquecer dos negros, também trazidos nos navios europeus. Deixe
descansar de um dia para outro. Então junte as influências
dos que chegaram bem depois:
os chineses e os japoneses.
Dissecando um pouco essa
receita: os incas legaram ao cardápio peruano as batatas, as pimentas e o hábito de consumir
a carne da alpaca e do cuy -espécie de porquinho-da-índia.
Há pratos que são preparados
hoje da mesma forma que eram
feitos antes da chegada dos espanhóis, como a carapulcra
-cozido de carnes com batata
seca e temperos- e a pachamanka -prato ritual, em que
inúmeras carnes e vegetais são
cozidos em um buraco na terra
com pedras quentes.
Então, quando chegaram os
espanhóis, trazendo arroz, galinha, uva, azeitona e laticínios,
surgiram pratos como o ají de
galinha -feito com pão velho,
leite, pedaços de frango, queijo
e várias pimentas, uma espécie
de fricassê de frango invocado- e as papas a la huancaína
-entrada em que as batatas são
cobertas por um molho que
tem queijo como base.
Os africanos, trazidos pelos
espanhóis, emprestaram sua
habilidade de fazer boas receitas com as sobras -bem como
aconteceu no Brasil. Foram
eles que criaram o tacu-tacu
-prato corriqueiro em Lima,
feito com arroz, feijão, banha
de porco e pimenta.
Depois da independência do
Peru, vieram outras ondas de
imigrantes que ainda seriam
definitivas para a variedade
dessa cozinha.
Primeiro foram os chineses,
que ensinaram aos locais técnicas de fritura, que deram origem a receitas como o lomo salteado, carne que tem cara e jeito de prato da China. Depois
chegaram os japoneses e convidaram os peruanos a voltar os
olhos para o Pacífico, resgatando frutos do mar. Foi então que
foi criado o ceviche, comissão
de frente da cozinha peruana.
Esse é o prato mais fácil de
identificar da mesa peruana.
Todos anseiam prová-lo. Aviso:
nessas bandas, ele é apimentado e ácido, bem mais ardido do
que seu equivalente chileno.
Mas o peixe cru cozido no limão ocupa apenas uma fração
da cozinha peruana, que cede
muito espaço para receitas que
têm como base batatas e milhos
-os deliciosos tamales, que
lembram uma pamonha, aparecem doces no café e salgados
no resto do dia. As batatas vêm
ao prato fritas, cozidas e desidratadas, servem de base para
molhos e surgem como purês
em entradas frias e aos pedaços
em cozidos substanciosos. E
cereais pouco conhecidos dos
brasileiros (como a quinua e a
kiwicha) elevam as saladas ao
primeiro plano da refeição. Não
raro é preciso resistir a elas
-sob pena de não conseguir
provar os pratos principais. Vale recusar repetir a salada para
comer os pratos quentes.
(HELOISA LUPINACCI)
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