São Paulo, segunda, 20 de julho de 1998

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QUALQUER VIAGEM
Vá estocando velas, Joãozinho -teremos escuridão pela frente

DAVID DREW ZINGG
na costa de Nova Jersey

"Sinto um desejo intenso de retornar ao útero. Qualquer um." Woody Allen

Das praias ensolaradas de Nova Jersey para a umidade fria de São Paulo, que gela os ossos de qualquer um, é um salto grande.
É preciso uma mente realmente elástica para pular do alegre som metálico do rock'n'roll de Nova Jersey para a dura realidade da vida na nossa Sampa high-tech, mas o Velho Geek Dave está à altura do desafio.
As pessoas que estão por dentro dessas máquinas pestilentas conhecidas como computadores estão intensificando os avisos em relação ao bug do ano 2000.
Sei que já falamos da assustadora possibilidade de uma grande porcentagem dos computadores do mundo entrarem em greve quando o relógio avançar para o dia 1º de janeiro de 2000.
A não ser que eu esteja redondamente enganado, só nos restam uns 500 dias para enfrentar o problema, Joãozinho -quer dizer que a coisa está ficando realmente muito séria.
Sei que você pensa que essa história toda não passa de uma das brincadeiras esdrúxulas do tio Dave, mas enfie algumas coisinhas na cabeça.
Eis uma minúscula amostra do que algumas pessoas reais (e sérias) pensam do problema do bug do ano 2000:
mais da metade dos executivos tecnológicos sondados recentemente pela revista "CIO", por exemplo, disseram que vão fazer o que for preciso para não estarem a bordo de um avião no dia 1º de janeiro do ano 2000;
segundo outra sondagem, 38% dos profissionais da indústria da informática planejam tirar seu dinheiro do banco e de seus investimentos logo antes do prazo final representado pelo primeiro dia do ano 2000;
no Estado de Dakota do Sul, no longínquo oeste da Gringolândia, um urbanista chamado Russ Voorhees está vendendo (no sistema de leasing) lotes de terra numa chamada "colônia de sobrevivência ao ano 2000", garantindo o fornecimento de eletricidade e comunicações por satélite a quem teme que a chegada do novo milênio se fará acompanhar pelo "dia do juízo final" digital;
todo o sistema informatizado de um armazém em Warren, Michigan, caiu quando um caixa tentou roubar um cartão de crédito com data de vencimento no ano 2000 (outra sondagem industrial constatou que 44% das empresas americanas já sofreram algum tipo de falha como essa, relativa ao ano 2000);
um ano atrás, mesmo o normalmente eficiente sistema de Controle Global de Comando do Pentágono -um sistema chave de comunicações durante a Guerra do Golfo- fracassou num teste de prontidão para o ano 2000.

Saia do Caminho





O bug do ano 2000, ou Y2K, como é conhecido no informatiquês gringo, é como o cometa no filme "Impacto Profundo". Todo mundo o vê chegando, mas ninguém sabe ao certo se vai dar para pará-lo a tempo.
Resolver o problema Y2K é simples -teoricamente.
É preciso que alguém examine cada linha de código em cada computador, localize as instruções relativas a datas e as reescreva de modo que aceitem 2000 como novo designativo de ano.
Mas, apesar do barulho crescente dos avisos que estão sendo lançado relativos ao problema, as sondagens indicam que muito poucos líderes empresariais e do governo reconhecem quão pouco tempo lhes resta para completar a tarefa.
Este repórter que voz fala não conseguiu nem sequer um palpite quanto ao grau de sucesso com que bancos, empresas e órgãos do governo estão enfrentando o problema aqui na Bananalândia.
Vai custar muito dinheiro.
Nos Estados Unidos, as cifras mais comumente mencionadas figuram entre US$ 300 bilhões e US$ 600 bilhões, para consertar os softwares, e US$ 1 trilhão para os processos judiciais inevitáveis, nos casos em que os consertos não resolverem o problema.

Advogados comemoram
Exemplo: Scott Schuster, consultor de informática em Atlanta, prevê a morte de 1.500 pessoas em função de falhas dos computadores nas UTIs dos hospitais. Não é difícil visualizar a alegria profissional antecipada por parte dos advogados litigiosos.
Para outros especialistas, embora o bug do milênio seja realmente um problema grande, ele vem sendo superestimado por consultores e advogados ansiosos por encontrar mais trabalho.
É possível, mas muitas indústrias -caso, por exemplo, da aviação civil- vão realmente sofrer problemas ligados ao Y2K um ano antes -no dia 1º de janeiro de 1999- porque fazem reservas ou planejam suas atividades comerciais com um ano de antecedência.
Para finalizar, há as falhas que podem ocultar-se nos estimados 3,3 bilhões de microprocessadores espalhados pelo mundo, que controlam desde fornos de microondas até equipamentos hospitalares, passando pelos estabilizadores de navios petrolíferos.
A Gartner Group, uma firma de consultoria de Stanford, Connecticut, que vem estudando o problema Y2K desde o final dos anos 80 e fornece dados sobre ele ao Congresso e à indústria dos Estados Unidos, prevê que até 50 milhões de microprocessadores vão sofrer "anomalias" relacionadas ao Y2K.
(Uma "anomalia" é o que acontece quando seu novo carro controlado por computador de repente pára de funcionar, ou seu celular novinho em folha, ainda reluzindo, fica mudo no meio de um papo gostoso com sua cara metade.)
Seja bem-vindo ao mágico mundo do Y2K, Joãozinho.
Deixando de lado a possibilidade de mudar-se para o alto Amazonas e aprender a viver a vida romântica e auto-suficiente dos brasileiros nativos desta terra, o que podemos fazer para evitar esse desastre que se aproxima?
Um bom ponto de partida seria pura e simplesmente encher o saco de qualquer pessoa que tenha qualquer coisa a ver com um computador em relação ao bug do ano 2000.
É muito, muito melhor ser considerado um chato, como eu, do que de repente o mundo digital supermoderno, high-tech em que vivemos parar e emudecer.


Tradução de Clara Allain.



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