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Escritores incutem no imaginário do Ocidente a impressão de que o local lembra a ilha da fantasia
Ilhas fascinaram autores do porte de Stevenson e Melville
DO ENVIADO ESPECIAL AO HAVAÍ
À época da Corrida do Ouro
(1848-9), navegar de San Francisco até o Extremo Oriente demorava 182 dias. Mas, com o El Dorado, um novo barco, o clíper, tomou conta da costa da Califórnia.
Veleiro longo e rápido, com o
fundo arredondado a deslizar sobre as águas, o clíper navegava
duas vezes mais rápido do que
qualquer outra embarcação então
existente -e assim encurtou caminhos marítimos, desvelando os
mistérios dos mares do Sul.
Mexicana até 1820, a Califórnia
logo se tornou o trampolim para
explorar o Pacífico no rumo da
Polinésia, o conjunto infinito de
ilhas explorado de forma sistemática, algumas décadas antes, pelo
capitão inglês James Cook, em
1778 e 1779, com financiamento
arrumado por John Montagu, o 4º
lorde de Sandwich.
No século 19, os clíperes foram
substituídos por barcos a vapor.
Novamente a navegação se transformou, e uma onda imigratória
gigante teve início. A caça às baleias, um negócio movido a óleo,
suor, sangue e grandes lucros, como quase tudo nas sociedades industriais então jacentes, tomou
conta dos oceanos.
Nessa época um povoado modorrento, Yerba Buena se tornou
San Francisco, cidade cosmopolita para onde foram pescadores
italianos, dalmacianos e gregos.
Espanhóis, alemães e escandinavos também foram tentar a sorte em torno do porto em franco
progresso; carpinteiros se tornaram armadores; e mesmo escritores importantes para lá se dirigiram, à procura de uma Golden
Gate para o sucesso literário.
Notadamente a partir de 1871,
quando teve início a construção
das primeiras estradas de ferro,
contingentes expressivos de chineses e de habitantes das ilhas
Sandwich (hoje Havaí) também
foram levados à Califórnia.
Nascido na Escócia, em 1840,
Robert Louis Stevenson também
partiu para os mares do Sul, deixando a baía de San Francisco para trás em 1888, a bordo do veleiro
Casco, e chegou a Oahu, no Havaí,
em 1889.
Autor dos clássicos "O Médico e
o Monstro" e "A Ilha do Tesouro", Stevenson viveu 44 anos e escreveu 30 livros. Quando partiu
para a Polinésia, em busca de saúde, sabia que encontraria inspiração e aventura naquele conjunto
fantástico de ilhas, onde os nativos não conheciam a escrita.
Viajante inveterado, o escritor
estabeleceu-se inicialmente no
Havaí e, com o ocaso da monarquia nativa e a morte de seu amigo, o rei Kalakaua, ocorrida num
quarto de hotel na cidade de San
Francisco em 1891, partiu para Samoa, onde construiu uma casa
com madeira do tipo "redwood",
que capitães de barco lhe traziam
da Califórnia.
Nessas ilhas, onde a antropofagia não era uma manifestação literária, Stevenson encarnou a figura de semideus, abraçando a Polinésia, seus mitos e sua gente como um náufrago agarra destroços
do navio.
Em Samoa, mesmo hoje, a simples enunciação de suas iniciais se
transforma em reverência.
Defensor de chefes e realezas
nativas contra a já enunciada ambição das potências de então
(EUA, Inglaterra, França e Alemanha), de olho na posição estratégica desses incontáveis arquipélagos, Stevenson esteve, a despeito de seu prestígio intelectual, a
um passo da prisão, em 1893.
Robert Louis Stevenson morreu
em Samoa, em 1894, vitimado por
uma hemorragia cerebral. Seu
grande amigo, H.J. Moors, leu a
notícia num telegrama, em Nova
Orleans.
Mas, enquanto viveu intensamente na Polinésia, interessado
na história dessas ilhas onde o
memorialismo dos nativos substituía a falta de escribas, RLS empreendeu, partindo do Havaí e de
Samoa, cruzeiros por arquipélagos longínquos, como Marquesas, Marshal, Tonga e Fiji, muitas
vezes de carona nos vapores que
faziam o serviço postal.
A verdadeira razão de sua idolatria por parte dos polinésios era
cultural antes de ser política. Stevenson estabeleceu a conexão entre as várias línguas da Polinésia e
compilou lendas nativas, sendo,
por isso, chamado de Tusitala, ou
"contador de histórias".
Viajando em letras
Outros escritores também podem ser responsabilizados pela
imagem de fascínio do Havaí e da
Polinésia. Nomes como Mark
Twain, Herman Melville e Jack
London levaram para os livros o
feitiço daqueles arquipélagos recém-descobertos pelo mundo dito civilizado.
Autor de "Moby Dick", o grande romance ambientado na era
dos navios baleeiros, Melville afirmou que RLS tocou os mares do
Sul como nenhum outro escritor
na história da literatura.
Jornalista e correspondente de
guerra, autor de livros de aventura como "O Lobo e o Mar" e "A
Travessia do Snark", London
-nome de pluma de John Griffith- nasceu em San Francisco
em 1876 e, como Stevenson, também navegou por mares longínquos: esteve no Havaí, no Taiti,
em Samoa e nas ilhas Salomão.
Autor de um texto fervilhante
sobre o surfe na praia de Waikiki,
em Oahu, Jack London partiu de
San Francisco num veleiro inacabado que fazia água por toda parte, o Snark, em 1907.
Aventureiro enlouquecido no
sentido próprio do termo, o escritor, que morreu na Califórnia em
1916, pouco sabia na ocasião sobre os costumes exóticos dos mares do Sul, mas deixou descrições
penetrantes da geografia e do modo de vida dos polinésios num
tempo heróico -e traiçoeiro-,
em que esses arquipélagos, notadamente o Havaí, experimentavam seu primeiro contato escancarado com o Ocidente.
(SILVIO CIOFFI)
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