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BRASIL DANÇA
Até o dia 30, 249 conjuntos populares espalham-se por 27 arraiais na capital do Maranhão
Boi sacode tradições em São Luís
Gilmara Ruas/ Folha Imagem
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O Boi Floresta, criado em 1972 pelo cantador Apolônio Melônio |
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A SÃO LUÍS (MA)
"Ê boi, ê boi!", saúdam os brincantes e o público em geral nos arraiais de São Luís.
O boi reina absoluto durante os
festejos juninos da capital maranhense. Ao contrário do que
ocorre em muitas regiões do país,
não há pipoca, pinhão, quentão,
fogueira ou balão que roube a cena do personagem principal do
bumba-meu-boi.
Expressão genuína da cultura
popular, a brincadeira irradia por
pelo menos 27 arraiais, montados
em praças e em parques.
A festança começou na semana
passada, com santo Antônio, mas
a ilha de São Luís esquenta de vez
nesta e na próxima semana,
quando se celebram as datas de
são João (amanhã), são Pedro
(29/6) e são Marçal (30/6).
Enquanto são João serve de mote para o batizado do boi de cada
grupo (ritual cumprido até por
padres), liberando-o para percorrer os arraiais, são Marçal motiva,
no último dia, o encontro de todos os conjuntos populares -são
249 neste ano- no bairro do João
Paulo, ocasião em que os devotos
pagam suas promessas.
Tradição que vem desde meados do século 19, cruzamento das
culturas negra, indígena e européia, o bumba-meu-boi pincela
humor, religião e crítica social para dramatizar a vida, a morte e a
ressurreição do animal.
Segundo a lenda, o capataz Pai
Francisco atende ao desejo de sua
mulher, Catirina, que está grávida
e pede para comer justamente a
língua de um boi.
Pai Francisco (que é negro)
cumpre o pedido e arca com a prisão. Os donos da fazenda (brancos), os pajés (índios) e os brincantes lhe cobram o paradeiro do
boi, que finalmente é ressuscitado. Comemora-se a volta do boi e
a liberdade de Chico com muita
dança e música.
O bumba-meu-boi é a porta de
entrada para outras manifestações surgidas ao longo do tempo.
Há, por exemplo, as danças do cacuriá, do coco e do boiadeiro,
quadrilhas e o tambor-de-crioula.
O pesquisador Nelson Santos de
Brito, 50, coordenador de artes
cênicas do Laboratório de Expressões Artísticas (Laborarte), estima que atuem hoje em São Luís
500 grupos de cultura popular.
"Os artistas da terra continuam
sendo a grande atração dos festejos. Eles têm de oito a 80 anos.
Mesmo as gerações criadas em
frente da televisão fazem questão
de participar", afirma Brito.
Dono do Boi da Floresta, o cantador Apolônio Melônio, 84, brinca desde os oito anos.
"O boi é a razão de ser da minha
vida. Fico muito feliz quando o
público honra nossas apresentações", diz seu Apolônio, corpo arqueado pela idade, mas nem um
pouco incomodado com os 18
quilos da indumentária que veste.
Depois de participar do Boi Viana (até 1959) e do Pindaré (até
1967), ele lidera o Boi da Floresta
desde sua criação, em 1972.
Já o Boi Maracanã está em atividade desde junho de 1875, há 128
anos. Quem compõe e puxa as
toadas (cantigas) é Humberto de
Maracanã, 63. Ele participa da festa desde criança e hoje vê seus três
filhos fazendo o mesmo no grupo
que soma cerca de 150 integrantes
e já gravou oito CDs.
Tanto o Maracanã quanto o Floresta, ao lado de outros bois tradicionais, como o Maioba (desde
1897), seguem o sotaque (ritmo)
da ilha, com matracas (percussão
com duas tabuinhas) e pandeirões (recobertos com couro de
bode). Também são praticados
outros sotaques (leia na pág. F4).
Para o visitante que vai aos arraiais e junta-se ao povo local (entrada franca para todos), impressiona a devoção dos brincantes.
Metido sob a carcaça do boi (feita de couro e de tecido veludo
bordado), cumprindo a função de
miolo, Benedito Costa Filho, 29,
fica com o rosto suado por causa
do calor. Busca alívio num gole de
cachaça, de conhaque ou de vinho, servidos por um assistente
fora do cortejo. Seus colegas do
Boi da Floresta fazem o mesmo.
"Às vezes saio mancando, por
causa do esforço, mas fico orgulhoso. Vou participar da festa até
não poder mais", afirma Costa Filho, num dos rápidos intervalos
entre as suas evoluções.
O monge beneditino Haroldo
Passos Cordeiro, requisitado com
frequência para abençoar os bois,
credita à fusão folclórico-religiosa
uma das razões para o bumba-meu-boi resistir até os dias atuais.
Os grupos são contratados pelo
governo estadual no período das
festas juninas. A capitalização da
brincadeira pelo programa de incremento do turismo em São Luís
traz o contratempo de alguns bois
abrirem mão do auto, o segmento
dramático da brincadeira, por
causa da curta apresentação, resumindo tudo ao mero desfile.
"É preciso encontrar um equilíbrio para não se perder os princípios fundamentais do bumba-meu-boi", alerta o pesquisador Brito, do Laborarte.
O jornalista Valmir Santos e a repórter-fotográfica Gilmara Ruas viajaram a convite do governo do Maranhão
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