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SP-454
Ernesto conta como o nome virou samba
Personagem de Adoniran Barbosa foi vendedor, músico e advogado, profissão em que começou aos 60 anos
Thiago Bernardes/Folha Imagem
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Ernesto Paulelli exibe a partitura do "Samba do Arnesto' em sua casa |
DA REPORTAGEM LOCAL
O senhor de sorriso cativante
da foto ao lado poderia dispensar apresentações. Não é exagero dizer que todo brasileiro, alguma vez na vida, já sambou,
cantou, saracoteou com ele.
Morador do imaginário popular há 54 anos, ele inspirou
Adoniran Barbosa (1910-1982)
a criar o personagem que convidou, furou e se desculpou no
"Samba do Arnesto".
Ernesto Paulelli, 94, que ao
contrário de "Arnesto" nunca
furou com os amigos em um
encontro de samba na sua casa,
contou à Folha sobre a música
e a sua vida no Brás.
(PPR)
FOLHA - O senhor nasceu no Brás?
ERNESTO PAULELLI - Nasci, sim.
Foi numa casa da rua Flora.
Mas isso já faz tempo... Eu nasci
no começo do século passado,
minha filha! (risos). Hoje moro
nas imediações do bairro, na
casinha que eu comprei depois
de muita luta.
FOLHA - Essa luta foi trabalhando
com quê?
ERNESTO - Eu era vendedor da
fábrica de ceras Record. Pergunta pra sua mãezinha que ela
vai se lembrar. A propaganda
falava: "Por onde passa, brilha!"
Só aos 60 anos me formei na faculdade, como advogado, e trabalhei com direito civil durante
mais de 25 anos.
FOLHA - Como o senhor foi parar na
música do Adoniran Barbosa?
ERNESTO - Em 1938 eu participava com uma amiga, a Nhá Zefa, que era uma excelente cantora, de programas de rádio. Eu
tocava violão -bem mal na
época (risos)- e ela me convidou para acompanhá-la. Um
dia, na entrada do prédio da Record, eu conheci o Adoniran.
FOLHA - E vocês viraram amigos?
ERNESTO - A gente se encontrava todo domingo que eu ia à rádio dar uma canja.
FOLHA - E como nasceu o "Samba
do Arnesto"?
ERNESTO - Logo que a gente se
conheceu ele pediu um cartão.
Quando entreguei ele disse
"Arneeeesto!". Eu respondi que
o nome era "Ernesto", com "e",
mas ele retrucou: "Ernesto não
dá samba. Arnesto dá. "Aduvida'? Pode cobrar que eu vou fazer um samba pra você!".
FOLHA -E ele fez logo?
ERNESTO - Bom, 17 anos depois.
FOLHA - Como foi quando você a
ouviu pela primeira vez?
ERNESTO - Era 1955. Eu estava
ouvindo rádio em casa, quando
anunciaram a música. Chamei
a minha mulher, que estava
costurando, ficamos abobados... e começamos a chorar.
FOLHA - Você e o Adoniran se encontraram depois disso?
ERNESTO - Voltei a vê-lo dois
anos depois disso, quando fui
convidado para acompanhar
um amigo no violão, de novo na
Record. O Adoniran bateu nas
minhas costas dizendo: "Te fiz
um samba. Você gostou?" Eu
respondi que adorei, e ele continuou: "Agora somos compadres, já que você batizou a minha filha". Na hora não entendi.
Mas depois ele me explicou que
a filha dele era aquela música.
Como ela tinha meu nome, era
como se eu a tivesse batizado.
FOLHA - A música conta que você
furou num encontro na sua casa. Como ela era na época?
ERNESTO - Eu morava na rua Tagi, numa casinha simples, geminada e bege. A porta era de
madeira, tinha folgadamente
uns três metros e dava direto
na sala. Em cima dessa porta tinha uma bandeira -um quadrado de vidro verde-claro usado para entrar claridade. Mas
olha, eu nunca furei um samba,
não! Isso foi uma criação do
Adoniran (risos).
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