São Paulo, quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

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SP-454

Ernesto conta como o nome virou samba

Personagem de Adoniran Barbosa foi vendedor, músico e advogado, profissão em que começou aos 60 anos

Thiago Bernardes/Folha Imagem
Ernesto Paulelli exibe a partitura do "Samba do Arnesto' em sua casa


DA REPORTAGEM LOCAL

O senhor de sorriso cativante da foto ao lado poderia dispensar apresentações. Não é exagero dizer que todo brasileiro, alguma vez na vida, já sambou, cantou, saracoteou com ele. Morador do imaginário popular há 54 anos, ele inspirou Adoniran Barbosa (1910-1982) a criar o personagem que convidou, furou e se desculpou no "Samba do Arnesto". Ernesto Paulelli, 94, que ao contrário de "Arnesto" nunca furou com os amigos em um encontro de samba na sua casa, contou à Folha sobre a música e a sua vida no Brás. (PPR)

 

FOLHA - O senhor nasceu no Brás?
ERNESTO PAULELLI -
Nasci, sim. Foi numa casa da rua Flora. Mas isso já faz tempo... Eu nasci no começo do século passado, minha filha! (risos). Hoje moro nas imediações do bairro, na casinha que eu comprei depois de muita luta.

FOLHA - Essa luta foi trabalhando com quê?
ERNESTO -
Eu era vendedor da fábrica de ceras Record. Pergunta pra sua mãezinha que ela vai se lembrar. A propaganda falava: "Por onde passa, brilha!" Só aos 60 anos me formei na faculdade, como advogado, e trabalhei com direito civil durante mais de 25 anos.

FOLHA - Como o senhor foi parar na música do Adoniran Barbosa?
ERNESTO -
Em 1938 eu participava com uma amiga, a Nhá Zefa, que era uma excelente cantora, de programas de rádio. Eu tocava violão -bem mal na época (risos)- e ela me convidou para acompanhá-la. Um dia, na entrada do prédio da Record, eu conheci o Adoniran.

FOLHA - E vocês viraram amigos?
ERNESTO -
A gente se encontrava todo domingo que eu ia à rádio dar uma canja.

FOLHA - E como nasceu o "Samba do Arnesto"?
ERNESTO -
Logo que a gente se conheceu ele pediu um cartão. Quando entreguei ele disse "Arneeeesto!". Eu respondi que o nome era "Ernesto", com "e", mas ele retrucou: "Ernesto não dá samba. Arnesto dá. "Aduvida'? Pode cobrar que eu vou fazer um samba pra você!".

FOLHA -E ele fez logo?
ERNESTO - Bom, 17 anos depois.

FOLHA - Como foi quando você a ouviu pela primeira vez?
ERNESTO -
Era 1955. Eu estava ouvindo rádio em casa, quando anunciaram a música. Chamei a minha mulher, que estava costurando, ficamos abobados... e começamos a chorar.

FOLHA - Você e o Adoniran se encontraram depois disso?
ERNESTO -
Voltei a vê-lo dois anos depois disso, quando fui convidado para acompanhar um amigo no violão, de novo na Record. O Adoniran bateu nas minhas costas dizendo: "Te fiz um samba. Você gostou?" Eu respondi que adorei, e ele continuou: "Agora somos compadres, já que você batizou a minha filha". Na hora não entendi. Mas depois ele me explicou que a filha dele era aquela música.
Como ela tinha meu nome, era como se eu a tivesse batizado.

FOLHA - A música conta que você furou num encontro na sua casa. Como ela era na época?
ERNESTO -
Eu morava na rua Tagi, numa casinha simples, geminada e bege. A porta era de madeira, tinha folgadamente uns três metros e dava direto na sala. Em cima dessa porta tinha uma bandeira -um quadrado de vidro verde-claro usado para entrar claridade. Mas olha, eu nunca furei um samba, não! Isso foi uma criação do Adoniran (risos).


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