São Paulo, segunda-feira, 24 de junho de 2002

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FERNANDO GABEIRA

Violência urbana, uma novela sem fim no Brasil

Sempre que acontece um crime de grande repercussão, instala-se o debate sobre a violência nas grandes cidades brasileiras. O crime sempre nos deixa muito tristes. Já o debate traz sensações tão díspares que às vezes me surpreendo rindo no meio do tiroteio verbal.
Com o tempo, aprendi que os governos, quando dizem que vão tratar apenas da violência, tratam apenas da indignação popular. Às vezes, chegam a formular um plano nacional, a prever inúmeras ações, a designar verbas. Passada a indignação, com a violência retomando sua regularidade cotidiana, os planos minguam, as ações coordenadas se desarticulam ou desaparecem. Tudo volta a ser como antes, até que uma nova comoção sacuda os editorialistas.
Os políticos, em ano de eleição, disputam entre si novas medidas draconianas. Como há eleitores que sonham com soluções rápidas e fáceis, surgem as leis de crime hediondo, propostas de pena de morte, prisão perpétua. E tudo num tom apaixonado, com o ardor cívico fazendo saltar as veias da garganta.
E tome lição de moral nos traficantes. Outro dia, convidaram Fernandinho Beira-Mar para depor numa das comissões parlamentares. Havia uma câmera e todos se comportavam com bastante nitidez para que os espectadores não duvidassem de que estavam dando duro nele, que mostravam ao criminoso toda a abjeção de seus crimes.
E as descobertas? Constata-se nessa época que existe um poder paralelo ao Estado nos morros do Rio. O presidente diz que isso é uma anomalia. Não pode continuar. Radialistas cospem fogo em AM. Alguém se lembra do salário da polícia. Quanto ganha mesmo um policial?
Reacende o debate sobre as drogas, e reaparecem as mesmas promessas de acabar com o problema desarticulando o tráfico e, para alguns, prendendo os próprios usuários.
Talvez seja necessário deixar passar a onda para que as soluções mais realistas venham à tona. Acontece que este é um ano eleitoral e dificilmente os candidatos terão coragem de dizer que não se acaba com a violência numa sociedade como a brasileira e que é possível, no espaço de seus mandatos, apenas reduzi-la a níveis mais toleráveis.
Por enquanto estão batendo tambores e prometendo uma guerra ao crime. Logo a chuva lavará suas pinturas e nos embates burocráticos cotidianos já terão se esquecido dos cantos de guerra, aos quais só voltarão quando a mídia se indignar.
É preciso ter um plano real, controlável no tempo. É preciso gastar dinheiro com o tema. Um bom argumento para isso é o dinheiro que a economia brasileira perde por causa da violência urbana. Dinheiro por dinheiro, melhor usá-lo de forma construtiva. Só um projeto com credibilidade poderia estimular a sociedade a fazer a sua parte na luta contra a violência, o que, aliás, acontece com sociedades tão distintas como a israelense, a suíça e a cubana. Nesse clima de guerra, qualquer visão ponderada que não contemple a vitória total sobre o inimigo é considerada capitulação. Essas grandes comoções sobre a segurança lembram o aniversário dos filhos que vão se tornando adultos. Você acaba sempre descobrindo que está ficando velho.
Desde a chamada Nova República, participo desse debate. Ainda no tempo em que o Brasil era presidido pelo general Figueiredo, um grupo de pioneiros, entre eles Paulo Sérgio Pinheiro, tentava entender a violência urbana no país.
Em alguns pontos avançamos, tanto que Paulo Sérgio ocupa hoje um cargo vital no governo, pois cuida dos direitos humanos. Mas o processo de modernização e qualificação da polícia, a revisão da política penitenciária, programas que abram horizontes para a juventude da periferia das grandes cidades, tudo isso ainda está por fazer.
Os políticos preferem declarar guerra ao crime de ano em ano e empurrar o problema com a barriga. Para dizer a verdade, o Brasil grita muito em tempos de tragédia, mas, de uma certa forma, ainda não decidiu tratar seriamente o problema.


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