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FERNANDO GABEIRA
Violência urbana, uma novela sem fim no Brasil
Sempre que acontece um
crime de grande repercussão, instala-se o debate sobre a
violência nas grandes cidades
brasileiras. O crime sempre nos
deixa muito tristes. Já o debate
traz sensações tão díspares que
às vezes me surpreendo rindo no
meio do tiroteio verbal.
Com o tempo, aprendi que os
governos, quando dizem que
vão tratar apenas da violência,
tratam apenas da indignação
popular. Às vezes, chegam a formular um plano nacional, a
prever inúmeras ações, a designar verbas. Passada a indignação, com a violência retomando
sua regularidade cotidiana, os
planos minguam, as ações coordenadas se desarticulam ou desaparecem. Tudo volta a ser como antes, até que uma nova comoção sacuda os editorialistas.
Os políticos, em ano de eleição, disputam entre si novas
medidas draconianas. Como há
eleitores que sonham com soluções rápidas e fáceis, surgem as
leis de crime hediondo, propostas de pena de morte, prisão perpétua. E tudo num tom apaixonado, com o ardor cívico fazendo saltar as veias da garganta.
E tome lição de moral nos traficantes. Outro dia, convidaram
Fernandinho Beira-Mar para
depor numa das comissões parlamentares. Havia uma câmera
e todos se comportavam com
bastante nitidez para que os espectadores não duvidassem de
que estavam dando duro nele,
que mostravam ao criminoso
toda a abjeção de seus crimes.
E as descobertas? Constata-se
nessa época que existe um poder
paralelo ao Estado nos morros
do Rio. O presidente diz que isso
é uma anomalia. Não pode continuar. Radialistas cospem fogo
em AM. Alguém se lembra do
salário da polícia. Quanto ganha mesmo um policial?
Reacende o debate sobre as
drogas, e reaparecem as mesmas promessas de acabar com o
problema desarticulando o tráfico e, para alguns, prendendo
os próprios usuários.
Talvez seja necessário deixar
passar a onda para que as soluções mais realistas venham à tona. Acontece que este é um ano
eleitoral e dificilmente os candidatos terão coragem de dizer
que não se acaba com a violência numa sociedade como a brasileira e que é possível, no espaço
de seus mandatos, apenas reduzi-la a níveis mais toleráveis.
Por enquanto estão batendo
tambores e prometendo uma
guerra ao crime. Logo a chuva
lavará suas pinturas e nos embates burocráticos cotidianos já
terão se esquecido dos cantos de
guerra, aos quais só voltarão
quando a mídia se indignar.
É preciso ter um plano real,
controlável no tempo. É preciso
gastar dinheiro com o tema. Um
bom argumento para isso é o dinheiro que a economia brasileira perde por causa da violência
urbana. Dinheiro por dinheiro,
melhor usá-lo de forma construtiva. Só um projeto com credibilidade poderia estimular a sociedade a fazer a sua parte na
luta contra a violência, o que,
aliás, acontece com sociedades
tão distintas como a israelense,
a suíça e a cubana. Nesse clima
de guerra, qualquer visão ponderada que não contemple a vitória total sobre o inimigo é considerada capitulação. Essas
grandes comoções sobre a segurança lembram o aniversário
dos filhos que vão se tornando
adultos. Você acaba sempre descobrindo que está ficando velho.
Desde a chamada Nova República, participo desse debate.
Ainda no tempo em que o Brasil
era presidido pelo general Figueiredo, um grupo de pioneiros, entre eles Paulo Sérgio Pinheiro, tentava entender a violência urbana no país.
Em alguns pontos avançamos,
tanto que Paulo Sérgio ocupa
hoje um cargo vital no governo,
pois cuida dos direitos humanos. Mas o processo de modernização e qualificação da polícia,
a revisão da política penitenciária, programas que abram horizontes para a juventude da periferia das grandes cidades, tudo
isso ainda está por fazer.
Os políticos preferem declarar
guerra ao crime de ano em ano
e empurrar o problema com a
barriga. Para dizer a verdade, o
Brasil grita muito em tempos de
tragédia, mas, de uma certa forma, ainda não decidiu tratar seriamente o problema.
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