|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FERNANDO GABEIRA
Visconde de Mauá, a invenção do turismo
Depois de muitos anos, subi a serra para visitar Visconde de Mauá, que fica entre o
Rio e São Paulo. Foi um centro de
atração para alternativos, hippies
e místicos. Talvez um pouco envelhecidos, eles continuam a viver
ali. Mas como tudo mudou...
Para começar, metade da estrada que sai da Dutra e sobe a montanha, de 1.400 m, foi asfaltada. O
asfalto até o meio do caminho reflete, de uma certa forma, a correlação de forças entre os que querem manter o lugar meio inacessível e os que querem mais conforto, independentemente da existência de uma infra-estrutura sanitária mais ampla.
Quem quiser conforto e tiver
muito dinheiro pode chegar às
pousadas de alto nível como a
Quinta da Grama ou a Fronteiras, que surgiram nos últimos
anos e são exemplos de requinte
internacional. Basta entrar na internet, fazer sua reserva, anotar
as coordenadas do campo de pouso e chegar de helicóptero para
um festival de vinhos ou de trutas
criadas nas águas frias da região.
Programas para os turistas
mais exigentes não faltam, a começar pelo restaurante Rosmarino, onde comemos um dos jantares mais saborosos e delicados de
nossas vidas, desde a sopinha de
cenoura orgânica e a massa feita
em casa ao peixe San Pierre e ao
creme de papaia da sobremesa. O
segredo do Rosmarino é a dedicação do dono, Julio Buschinelli,
que viveu numa família italiana
que adorava comida e estudou
culinária numa escola americana
que atraiu chefs europeus e se tornou referência mundial.
Mas o lado alternativo de Mauá
revela-se numa experiência turística singular, no sítio Alcantilado.
Ali, em 36 hectares, nove famílias
decidiram abrir suas cachoeiras
para os turistas e continuar seu
trabalho normal, criando algumas cabeças de gado, plantando
alguma coisa para comer.
Na entrada do sítio foi erguido
um pequeno bar de madeira, que
oferece salgados e refrigerantes,
com destaque para um caldo de
feijão, muito solicitado por quem
desce a montanha faminto depois
de banhos nas cachoeiras.
O preço da entrada é de R$ 2.
Com esse dinheiro, os sitiantes de
Alcantilado fazem a manutenção
do lugar. Todas as trilhas são limpas e ao longo delas há cestas para lixo, cartazes indicando perigo
e, nas subidas mais difíceis, cordas para que as pessoas se
apóiem, pequenos degraus, enfim, uma infra-estrutura excelente, apesar de sua pobreza rústica.
O interessante dessa experiência de turismo ecológico é o fato
de que o governo jamais tomou
consciência dela, nenhum dos donos jamais pediu ajuda, e as coisas funcionam bem, com um potencial até de prosperidade.
Esse é o espírito de Mauá. As
pessoas que vivem lá ou que deixaram as grandes cidades em
busca de uma vida alternativa
aprenderam a construir seus próprios sonhos, desde a pousada elegante ao homem que desce com
sua mula trazendo ovos embrulhados em palha e outros modestos frutos de seu pequeno sítio.
Chega um momento, entretanto, que essa multiplicidade de pequenos sonhos realizados precisa
de alguma ordem, de algum plano, de algum governo. O primeiro
sintoma do esgotamento da experiência é a poluição do rio Preto.
É a alma do lugar, porque percorre tudo e, em caso de degradação,
inviabilizaria um crescimento
sustentável. É difícil encontrar a
forma de salvação. O rio corre por
três municípios: Itamonte e Bocaina, em Minas, e Resende, no
Rio. Nem sempre os prefeitos se
interessam por essas regiões montanhosas, aonde gente um pouco
estranha chegou para construir
uma nova vida.
Mesmo sem a estrada asfaltada,
no entanto, o processo turístico
floresce, mas está muito aquém
de uma exploração inteligente.
Há muitos pássaros e gente se
educando para mostrá-los. Muito
em breve, os observadores de pássaros, que são um importante nicho desse mercado, terão a chance de viver alguns dias na montanha, conhecer cachoeiras, pescar
trutas e fotografar algumas das
mais lindas espécies brasileiras.
O interessante é que a região
poderia ser incluída num pacote
turístico ligado tanto ao Rio como
a São Paulo. Mas precisa ainda
ser descoberta pela Embratur, por
exemplo. Precisa de uma pequena injeção para construir seu saneamento básico, de alguma publicidade no exterior, enfim, de
coisas mínimas que possam dar
um empurrão no esforço local.
Há quase 20 anos, vivi um mês
na região. Na época ocupávamos
um quartinho perto do estábulo
de uma fazenda. Fazíamos longas caminhadas pelas montanhas
e comíamos ovo cozido. No centro
de Maringá, por exemplo, onde
bares, restaurantes , carros e pessoas bonitas se multiplicaram, a
virada já aconteceu.
Ainda assim, a região ainda pode ser um pólo de atração de vários níveis de loucura e, sobretudo, de vários poderes aquisitivos.
Casinhas brancas com a inscrição
já desbotada oferecendo tarô, sítios onde se começou a tomar o
Santo Daime no sul do país, todos
esses vestígios do passado ainda
estão por lá. Mauá inventou seu
turismo. Só os poderes ainda não
a descobriram.
Texto Anterior: Acervo de aviões faz visitante "levitar" Próximo Texto: Panorâmica: 1 United Airlines dribla crise com acordos Índice
|