São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 2000

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PARIS "CHIC"

Estabelecimentos de luxo, muitos hoje nas mãos de grupos estrangeiros, orgulham-se de suas lendas e hóspedes

Hotéis emolduram o glamour da cidade

PLÍNIO FRAGA
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

A cidade é Paris. Os prédios, suntuosos. A comida e o vinho, soberbos. O que poderia atrapalhar? Tratando-se dos mais caros e finos hotéis parisienses e preconceituosamente julgando os "habitués" de seus salões, talvez valesse a resposta do escritor Ernest Hemingway (1899-1961):
"A única coisa capaz de nos estragar um dia eram pessoas, mas, se pudesse evitar encontros, os dias não tinham limites. As pessoas eram sempre limitadoras da felicidade, exceto aquelas poucas que eram tão boas quanto a própria primavera", escreveu o norte-americano em "Paris É uma Festa", livro em que relata os anos vividos na cidade, de 1921 a 1926.
No lobby do Hotel de Crillon -um palácio erguido em 1775 na Place de la Concorde, no coração de Paris-, a relações-públicas Adélaïde de Rougé sorri ao dizer que aquele é um dos últimos dos refinados hotéis parisienses ainda pertencentes e administrados por uma família francesa, a mesma que detém o champanhe Taitinger e os cristais Baccarat.
O dinheiro novo, emergente, como visto pelos franceses, circula não só nos salões, nas mãos de asiáticos, norte-americanos e sul-americanos. Está também atrás dos balcões dos mais charmosos e ricos hotéis da cidade: o Ritz pertence a uma família anglo-egípicia (Al Fayed); o Plaza Athénée, a um grupo asiático; o Le Bristol, a uma família alemã; o hotel Meurice, a um grupo de Brunei; o Lancaster, a um de Hong Kong.
Mas dinheiro é dinheiro. Quem se preocupa se é novo ou velho ou de onde vem? Não os administradores desses hotéis que emolduraram o sonho de uma Paris glamourosa, apesar de ainda exigirem um pouco do que resta dos símbolos da aristocracia francesa: paletó nos jantares, por exemplo.
Mas haverá sempre um americano a portar paletó e boné, mesmo que por instantes. "São irreverentes", resume polidamente um atendente do hotel Meurice, um dos que fazem restrições a clientes não adequadamente vestidos.
Construído em 1817, o Meurice foi reaberto em julho deste ano, depois de dois anos de reformas. É um hotel que se orgulha de sua história. Hospedou a rainha Vitória em 1855 e, desde então, pelo incontável número de nobres que recebeu, batizou-se de "o hotel dos reis e das rainhas".
Esta fama aguçou o interesse dos nazistas durante a ocupação de Paris, na Segunda Guerra Mundial. Em 1944, do quarto 213, o general Dietrich von Choltitz comandou as operações alemãs na capital francesa.
Os soldados e os oficiais cuidavam das chamadas telefônicas ao eventual recebimento de hóspedes -sim, havia quem viajasse a Paris mesmo em período tão turbulento e se hospedasse em um local gerido por nazistas.
Os alemães ocuparam o Meurice até sua rendição, mas não descobriram a adega com vinhos das melhores safras. Haviam sido amontoados por trás de cestas.

Histórias da guerra
A ocupação alemã rende histórias e mais histórias aos hotéis parisienses. O Ritz, por exemplo, deu o nome de Hemingway a seu bar em homenagem ao escritor. Ele começou a frequentá-lo na década de 20, ao lado de gente como Scott Fitzgerald, James Joyce, Gertrude Stein e Erza Pound.
Conta a lenda do Ritz que, anunciada a rendição nazista, Hemingway irrompeu o lobby do hotel com uma garrucha para resgatá-lo dos alemães -que também o utilizavam como base de apoio a suas tropas.
Um funcionário do hotel, aturdido com a retirada dos nazistas em andamento e com a arma do escritor, encaminhou-o para um martíni no bar. O local hoje leva o nome do escritor.
Não há comprovação da veracidade dessa história. No livro que escreveu sobre Paris, Hemingway cita o Ritz uma única vez, quando o barman lhe questiona qual do antigo grupo era Fitzgerald, o autor de "O Grande Gatsby".
Reclama que, já naquela época (o texto se refere a um diálogo ocorrido depois da Segunda Guerra), os turistas o abordavam com questões sobre os escritores famosos que frequentavam o bar. Mas, de Fitzgerald, ele não se lembrava. "Então, invento algo interessante para agradar aos curiosos", disse o barman ao escritor.
Em uma cidade como esta, importa pouco o que é história e o que é lenda, como conclui o próprio Hemingway: "Paris não tem fim, e as recordações das pessoas que lá tenham vivido são próprias, distintas umas das outras. Mais cedo ou mais tarde, não importa quem sejamos, não importa como o façamos, não importa que mudanças se tenham operado em nós ou na cidade, a ela acabamos regressando. Paris vale sempre a pena e retribui tudo aquilo que você lhe dê".


Plínio Fraga viajou a Paris a convite da companhia aérea Air France e da The Leading Hotels of the World


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