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POLICROMIA AFRO
Secretário da Presidência prefere renunciar ao direito de perseguir carrascos para que todos sejam livres
Pais temem rediscutir a era do apartheid
Gabriela Romeu/ Folha Imagem
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Nokhasa Jako reclama do desemprego dos negros na África do Sul |
DO ENVIADO ESPECIAL À ÁFRICA DO SUL
O bispo Desmond Tutu -ganhador do Nobel da Paz de 1984
pela sua persistente campanha
antiapartheid- usou a metáfora
do arco-íris para definir seu país.
Nada mais apropriado. Na África
do Sul, a cor da pele determinava
a perda de diretos elementares, e a
cor das idéias, a prisão ou a morte.
Mas, mesmo por detrás das grades, o regime dividia brancos e
negros. Era cama para os primeiros e chão para os outros.
Em um trecho de "A Filha de
Burger" (ed. Rocco, 1985), a romancista branca sul-africana Nadine Gordimer, Nobel de Literatura de 1991, descreve num detalhe, aparentemente secundário,
como a repressão sabia se tingir
de legalidade: "À Rosa se permitia
uma visita ao presídio a cada dois
meses durante o primeiro ano,
enquanto seu pai [líder anti-racista branco que fora condenado à
morte] era prisioneiro classe "D".
Recebia dele, e escrevia de volta,
uma carta por mês, sem ultrapassar as 500 palavras regulamentares. Quando excedeu esse limite
por uma frase, a página foi cortada naquele ponto pelo chefe da
carceragem, que censurava a correspondência dos prisioneiros.
Seu pai lhe contou, na visita seguinte, como se divertira tentando construir, a partir do contexto
da frase antecedente, o que teria
acrescentado à parte que faltava".
Muitos pais ainda se perguntam
se é melhor discutir o passado
com os adolescentes -uma geração nascida após o fim do apartheid- ou enterrar os sofrimentos, por estarem próximos demais
daquela época.
O governo está lançando um
programa de anistia para que os
envolvidos nas torturas saiam do
anonimato e contem o que sabem. O secretário da Presidência,
Frank Chikane, negro, vítima de
torturas, dispôs-se publicamente
a renunciar ao direito de perseguir seus carrascos.
A explicação que ele deu recentemente ao "Sunday Independent" foi a de que a atitude seria
um exemplo a outros sul-africanos "para que os responsáveis pelas atrocidades se sintam livres e
não vivam com medo de que um
dia possam ser processados".
A África do Sul tem sorte. Tem
heróis e pode celebrá-los. Eles lutaram por uma causa incontestável, clara, definida e concreta. O
país conta com heróis conhecidos
e outros anônimos. Na península
do Cabo, há um pitoresco vilarejo
chamado Simon Town -símbolo da luta branca.
Na década de 60, uma lei obrigava os não-brancos a morar em
áreas expressamente reservadas, e
as remoções podiam ser dramáticas. Muitas vezes, os militares esperavam que todos saíssem de casa para trabalhar para jogar fora
os pertences e derrubar o imóvel.
Em Simon Town, os brancos assinaram uma petição contra a remoção de milhares de "coloured".
Ignorada pelo governo, a petição
entrou para a história local e é
lembrada com orgulho.
Com o programa de reclamação
de terra, os ex-deportados podem
entrar na Justiça e receber uma indenização ou as terras de volta.
Museu do apartheid
Recentemente foi erguido em
Johannesburgo o Museu do
Apartheid, que expõe recortes de
jornais, fotos e palavras das vítimas. Segundo o folheto de apresentação, o princípio básico do
apartheid era segregar tudo. Diz:
"Nos visite e entenda como toda
forma de iniquidade racial leva
inevitavelmente à destruição".
Ao chegar, o visitante recebe
uma etiqueta e pode entrar somente pela porta indicada na etiqueta. É um modo de experimentar, sem maiores consequências, a
separação.
(VINCENZO SCARPELLINI)
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