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TURISTA ACIDENTAL
Leia entrevista com o autor de "A Arte de Viajar", em que sugere como ser feliz ao passear pelo mundo
Alain de Botton saca filosofia de viagens
LUÍS SOUZA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O suíço-britânico Alain de Botton, 36, freqüentemente tem suas
obras classificadas como "filosofia da vida cotidiana". Nelas, há
uma mistura de técnicas literárias
com discussões mais ensaísticas.
Sempre, ele não se cansa de citar
pensadores, artistas e viagens.
De Botton escreveu sete livros
até hoje. Quase todos foram best-sellers. O penúltimo deles, "A Arte de Viajar" (2004, ed. Rocco), lida com o que chama de "psicologia das viagens". No livro, o escritor toca em questões como a maneira idealizada de o turista imaginar um lugar antes de o visitar
ou como, em sua opinião, ficam
na memória apenas as boas lembranças de uma viagem.
Na entrevista a seguir, De Botton diz que prefere viajar sozinho
e de maneira independente. Também lista o que acha pior e melhor
em viagens. O escritor respondeu
às perguntas da Folha por e-mail,
de Londres, cidade que diz achar
feia, mas na qual vive.
Folha - O que o motiva a viajar?
Alain de Botton - Quando o assunto é viagem, acredito no que
dizia o poeta francês Charles Baudelaire [1821-1867]. Para ele, o
destino não era o que realmente
importava. Seu verdadeiro desejo
era o de ir embora. Para qualquer
lugar, desde que fosse fora da vida
cotidiana.
Folha - Por que você escreveu "A
Arte de Viajar"?
De Botton - O livro é uma tentativa de tratar da questão curiosa das
viagens: por que as fazemos? O
que tentamos tirar delas? Em uma
série de ensaios, escrevo sobre aeroportos, paisagens, museus, namoros que transcorrem em viagens, fotos, tapetes exóticos e o
conteúdo dos frigobares de hotéis. Misturo minhas reflexões
próprias sobre o viajar com as de
algumas grandes figuras do passado: Baudelaire, o também poeta
Willian Wordsworth [1770-1850],
os pintores Vincent Van Gogh
[1853-90] e Edward Hopper
[1829-70], o pensador John Ruskin [1819-1900], entre outras.
O resultado é uma obra que, à
diferença dos guias de turismo
existentes, pergunta qual pode ser
o objetivo e a razão de ser das viagens. Modestamente, também sugere como poderíamos aprender
a ser mais felizes em viagens.
Folha - No livro você diz que alguns lugares pelos quais não sentimos nenhum interesse podem tornar-se muito interessantes depois
de os vermos num livro ou num
quadro. Por que você acha que isso
acontece?
De Botton - Porque a arte é um
pouco como a antecipação: é uma
simplificação da realidade.
O desejo de viajar está ligado a
uma idéia enganosamente simples: a de que bastaria nos deslocarmos para outro lugar para ficarmos felizes. Com freqüência,
esse lugar será uma imagem que
vimos num folheto, na televisão
ou numa pintura.
Folha - O livro diz que criamos
muitas expectativas em torno do
viajar. Como podemos evitar isso e
não nos sentirmos frustrados?
De Botton - Um dos problemas
do viajar decorre do fato desconcertante de que, quando olhamos
para imagens de lugares que queremos conhecer (e imaginamos
quão felizes poderíamos ser se lá
estivéssemos), tendemos a nos esquecer de uma coisa crucial: que
teremos que nos carregar juntos.
Estaremos lá com nossas próprias pessoas, ainda presos dentro
de nossos próprios corpos e mentes, com todos os problemas que
isso acarreta, como nossa parte
comprometida com o tédio, a ansiedade, a melancolia, a auto-repulsa e a preocupação financeira.
Folha - Você disse certa vez que a
memória apaga coisas negativas
acontecidas durante uma viagem e
conserva as boas. Por que você
acha que isso acontece?
De Botton - Porque as férias são
o único momento em que, se não
conseguirmos ser felizes, sentiremos que fracassamos. Logo, tendemos não apenas a ser infelizes
quando viajamos, mas a nos sentirmos infelizes pelo fato de estarmos infelizes.
Folha - Como turista, você prefere viajar independentemente ou
comprar pacotes turísticos?
De Botton - Independentemente, sempre.
Folha - Você não acha que viajar é
gostoso simplesmente para praticar a observação de pessoas?
De Botton - Sim, viajar nos proporciona oportunidades fantásticas de olhar as pessoas, ao mesmo
tempo em que fazemos de conta
que não as estamos fazendo. Todo mundo vira romancista quando está em ônibus, aeroportos,
etc., porque esses são lugares onde você pode ouvir o que se passa
nas vidas de outras pessoas.
Folha - As viagens nos proporcionam as melhores oportunidades de
encontrar a nós mesmos?
De Botton - Não, esse é um mito
romântico. A indústria do turismo conspira para isso, ela nos
promete que a felicidade pode ser
alcançada mudando-se a cor do
céu. Mas ninguém nunca se alegrou por mais do que 15 minutos
com um lugar belo, exceto se já estava preparado para ser feliz de
qualquer maneira.
Para viajar, é necessário um coração calmo e uma mente satisfeita, além da consciência de que
não poderemos resolver a maioria de nossos males pela simples
mudança de lugar.
Folha - No livro, você fala sobre
viajar sozinho e viajar com outra
pessoa. O que é melhor?
De Botton - Sem dúvida alguma,
viajar sozinho. É muito mais assustador, mas, por outro lado, você observa muito mais e pode ser
tão estranho quanto quiser.
Folha - Qual é o melhor tipo de literatura para apreciar enquanto se
viaja?
De Botton - É sempre bom ler o
que outra pessoa enxergou quando foi ao lugar onde você se encontra. Você se dá conta de que
existem muitas maneiras diferentes de ver o mesmo lugar.
Folha - Qual é sua opinião sobre
os guias de viagens? Você os lê?
Qual é seu favorito?
De Botton - Os guias de viagens
podem ser perigosos se você acreditar piamente no que dizem. Eles
lhe dizem como ser um turista
"normal": o que é preciso ver para
ser respeitável. Na realidade, é claro, para a maioria de nós, a verdadeira alegria do viajar consiste em
seguir os caminhos apontados
por nossa própria imaginação e
curiosidade.
Folha - John Ruskin costumava
dizer que os tempos modernos são
rápidos demais, que as pessoas estão sempre com pressa e que isso
cega os turistas modernos. Você
acha que os turistas de hoje são cegos para a beleza?
De Botton - Dada a probabilidade de sofrermos decepções em
nossas viagens, meu guia favorito
é o escritor francês do século 18
Xavier de Maistre.
Numa era em que somos constantemente encorajados a viajar
para longe, a obra de De Maistre
apresenta um insight profundo e
sugestivo: o de que o prazer que
derivamos de nossas viagens talvez dependa mais de nosso modo
de enxergar o que fazemos, mentalmente, do que do destino para
o qual viajamos.
Talvez a parte mais importante
de ser um bom viajante seja a disposição de achar um lugar interessante, assim como o querer se
apaixonar talvez constitua o
maior pré-requisito para o apaixonar-se de fato.
Folha - A possibilidade de tirar fotos nos leva a prestar menos atenção durante as viagens, na medida
em que nos dá a ilusão de termos
aquele momento registrado?
De Botton - Sim, a câmera cria
grandes problemas para nós. Deveríamos seguir o belo conselho
de John Ruskin: parar de tirar fotos, e, em lugar disso, aprender a
desenhar. Não importa se o que
desenhamos tem aparência muito
amadora. Pelo menos o ato de desenhar nos ensinará a concentrar-nos sobre o verdadeiro olhar.
Folha - Qual é a melhor coisa de se
viajar? E a pior?
De Botton - Um insight que talvez seja útil aceitar é que o prazer
antecipado da viagem talvez
constitua sua melhor parte. Nossas viagens de férias nunca são tão
satisfatórias quanto são quando
existem em forma ainda não concretizada: sob a forma de uma
passagem de avião e um folheto.
Eu continuo a viajar, apesar de
todos esses inconvenientes. Existem momentos, no entanto, em
que também sinto que talvez não
existam viagens melhores do que
aquelas proporcionadas por nossa imaginação.
Folha - Qual é sua relação com
Londres? Você não faz elogios à cidade em seu livro. O que você recomenda em Londres? O que não recomenda?
De Botton - Londres, infelizmente, é uma cidade bastante feia. Para mim, as belas cidades da Europa são Amsterdã, Paris, Roma,
Florença, Veneza. Não obstante, é
possível viver uma vida boa mesmo numa cidade feia. E, se o lugar
onde eu morasse fosse belo demais, eu não sonharia em viajar.
Tradução de Clara Allain
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