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São Paulo, segunda-feira, 27 de janeiro de 2003

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UMBIGO DO MUNDO

Em 1862, capitão raptou nativos e quase dizimou a população; a ilha, que é do Chile, tem 3.000 ilhéus

Rapanuis enfrentaram a cólera de Aguirre

DO ENVIADO ESPECIAL

A história de Rapa Nui se interrompeu abruptamente em 1862. Antes dessa data, já se sucediam na ilha excursões de caçadores de baleias e piratas que raptavam homens e mulheres para reduzi-los à escravidão. Assim, não surpreende que, naquele ano, uma frota comandada pelo capitão Aguirre chegasse para recrutar mão-de-obra para trabalhar no Peru.
O capitão esperava obter trabalhadores pela persuasão, mas acabou raptando-os. Entre os que morreram e os que saíram da ilha para morrer escravos, estavam o rei, seu filho Maurata e os maoris, sábios que guardavam os segredos da ilha e sabiam ler as tabuletas falantes, que nunca mais seriam decifradas. A ordem social e a memória foram perdidas, e os moai ficaram sem voz.
França e Inglaterra condenaram o episódio. O capitão Aguirre foi julgado. Em Papeete, o promotor francês escreveu em seu relato: "Eles se espalharam enquanto vários membros da tripulação atraíam os nativos mostrando objetos que seduziam a ganância deles. Quando cerca de 500 nativos se reuniram, o chefe dos piratas deu o sinal, que era um tiro de pistola. A esse sinal, os homens responderam com uma rajada e dez nativos caíram para nunca mais se levantar. Os outros, horrorizados, tentaram fugir correndo em todas as direções, alguns se lançando ao mar, outros escalando as rochas; mas 200 foram capturados e amarrados firmemente. Uma testemunha diz que o capitão do navio Cora, Aguirre, descobriu dois indianos tentando fugir dentro de uma gruta. Como não conseguiu convencê-los a ir com ele, matou-os cruelmente. Os 200 nativos capturados foram divididos entre os navios, que zarparam alguns dias depois".
As guerras intertribais, as incursões, o medo, a fome e as doenças, trazidas com a volta dos poucos escravos libertados, dizimaram os rapanuis. Em 1877, o capitão Alfonse Pinart encontrou o ínfimo número de 111 habitantes.
Contudo a extinção foi evitada. Onze anos mais tarde, o Chile, após consultar a França, tomou posse da ilha. A população voltou a crescer. Em 1915 havia idosos que ainda lembravam do triste dia de Aguirre.
Nas décadas seguintes, Rapa Nui foi arrendada a mercadores franceses e ingleses, para criar ovelhas. A vida melhorou, mas continuava dura. Inês Paoa Lankitopa, de 73 anos, lembra que a mãe lavava a roupa com cinza em lugar do sabão.
Nos últimos anos, as coisas mudaram. Graças também aos investimento do governo chileno, os ilhéus hoje são cerca de 3.000, vivem de turismo e a própria Inês é dona de uma pousada.
A partir dos anos 40, os etnólogos reconstruíram a história, a cultura e a língua rapanui. Os nativos voltaram a ter orgulho dos próprios ancestrais, sentem-se próximos da Polinésia, estudam espanhol, mas falam rapanui.
São na maioria católicos, por ação dos missionários, mas não renunciam os cultos antigos. Há grupos, como o Kari Kari, liderado pelo músico e coreógrafo Lynn Rapu Tuki, que pesquisam danças e musicas tradicionais (tel. 00/xx/ 56/32/100-595). Tatuadores locais, como Tito (rua Atamutekena, s/nš, tatuagens a partir de US$ 20), misturam signos e símbolos polinésios e rapanuis.
Na vida política, um importante grupo de idosos se reúne informalmente e influi nas decisões do prefeito (eleito) e do governador (nomeado pelo governo chileno).
Nove anos atrás, com a produção de "Rapa Nui - Uma Aventura no Paraíso", de Kevin Reynolds, filme medíocre com produção de Kevin Costner, mas embasado numa boa pesquisa, a ilha recebeu dinheiro de Hollywood.
Apesar disso, Rapa Nui não conhece o turismo de massa que invadiu o Taiti ou o Havaí. A ilha, que ficou preservada e se mantém misteriosa, continua a receber visitantes interessados em sua história. Mas ainda pede tempo para se revelar. (VINCENZO SCARPELLINI)

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