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UMBIGO DO MUNDO
Em 1862, capitão raptou nativos e quase dizimou a população; a ilha, que é do Chile, tem 3.000 ilhéus
Rapanuis enfrentaram a cólera de Aguirre
DO ENVIADO ESPECIAL
A história de Rapa Nui se interrompeu abruptamente em 1862.
Antes dessa data, já se sucediam
na ilha excursões de caçadores de
baleias e piratas que raptavam homens e mulheres para reduzi-los à
escravidão. Assim, não surpreende que, naquele ano, uma frota
comandada pelo capitão Aguirre
chegasse para recrutar mão-de-obra para trabalhar no Peru.
O capitão esperava obter trabalhadores pela persuasão, mas acabou raptando-os. Entre os que
morreram e os que saíram da ilha
para morrer escravos, estavam o
rei, seu filho Maurata e os maoris,
sábios que guardavam os segredos da ilha e sabiam ler as tabuletas falantes, que nunca mais seriam decifradas. A ordem social e
a memória foram perdidas, e os
moai ficaram sem voz.
França e Inglaterra condenaram
o episódio. O capitão Aguirre foi
julgado. Em Papeete, o promotor
francês escreveu em seu relato:
"Eles se espalharam enquanto vários membros da tripulação
atraíam os nativos mostrando objetos que seduziam a ganância deles. Quando cerca de 500 nativos
se reuniram, o chefe dos piratas
deu o sinal, que era um tiro de pistola. A esse sinal, os homens responderam com uma rajada e dez
nativos caíram para nunca mais
se levantar. Os outros, horrorizados, tentaram fugir correndo em
todas as direções, alguns se lançando ao mar, outros escalando
as rochas; mas 200 foram capturados e amarrados firmemente.
Uma testemunha diz que o capitão do navio Cora, Aguirre, descobriu dois indianos tentando fugir dentro de uma gruta. Como
não conseguiu convencê-los a ir
com ele, matou-os cruelmente. Os
200 nativos capturados foram divididos entre os navios, que zarparam alguns dias depois".
As guerras intertribais, as incursões, o medo, a fome e as doenças,
trazidas com a volta dos poucos
escravos libertados, dizimaram os
rapanuis. Em 1877, o capitão Alfonse Pinart encontrou o ínfimo
número de 111 habitantes.
Contudo a extinção foi evitada.
Onze anos mais tarde, o Chile,
após consultar a França, tomou
posse da ilha. A população voltou
a crescer. Em 1915 havia idosos
que ainda lembravam do triste dia
de Aguirre.
Nas décadas seguintes, Rapa
Nui foi arrendada a mercadores
franceses e ingleses, para criar
ovelhas. A vida melhorou, mas
continuava dura. Inês Paoa Lankitopa, de 73 anos, lembra que a
mãe lavava a roupa com cinza em
lugar do sabão.
Nos últimos anos, as coisas mudaram. Graças também aos investimento do governo chileno, os
ilhéus hoje são cerca de 3.000, vivem de turismo e a própria Inês é
dona de uma pousada.
A partir dos anos 40, os etnólogos reconstruíram a história, a
cultura e a língua rapanui. Os nativos voltaram a ter orgulho dos
próprios ancestrais, sentem-se
próximos da Polinésia, estudam
espanhol, mas falam rapanui.
São na maioria católicos, por
ação dos missionários, mas não
renunciam os cultos antigos. Há
grupos, como o Kari Kari, liderado pelo músico e coreógrafo Lynn
Rapu Tuki, que pesquisam danças e musicas tradicionais (tel.
00/xx/ 56/32/100-595). Tatuadores locais, como Tito (rua Atamutekena, s/nš, tatuagens a partir de
US$ 20), misturam signos e símbolos polinésios e rapanuis.
Na vida política, um importante
grupo de idosos se reúne informalmente e influi nas decisões do
prefeito (eleito) e do governador
(nomeado pelo governo chileno).
Nove anos atrás, com a produção de "Rapa Nui - Uma Aventura
no Paraíso", de Kevin Reynolds,
filme medíocre com produção de
Kevin Costner, mas embasado
numa boa pesquisa, a ilha recebeu
dinheiro de Hollywood.
Apesar disso, Rapa Nui não conhece o turismo de massa que invadiu o Taiti ou o Havaí. A ilha,
que ficou preservada e se mantém
misteriosa, continua a receber visitantes interessados em sua história. Mas ainda pede tempo para
se revelar. (VINCENZO SCARPELLINI)
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