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FERNANDO GABEIRA
Descobrindo o Brasil rural com atraso de 500 anos
O ministro José Serra, com mais
de 50 anos, nunca viu uma vaca.
Foi a imprensa que disse, e ele, alguns dias depois, desmentiu sem
muita ênfase.
A verdade é que milhares de habitantes das grandes cidades não
só desconhecem os animais como
nunca viram um pomar, uma lavoura, um engenho e não têm a
mínima idéia de onde se tira o leite da vaca.
Essa é uma das razões pelas
quais se abriu no Brasil um novo e
promissor ramo de viagens: o turismo rural. Não se trata de uma
invenção. Ele já é desenvolvido na
Europa, onde as grandes empresas alemãs já exploram não apenas o interior de seu país, mas
também se instalaram na Polônia
e na República Tcheca.
Agora, eles querem fazer isso no
Brasil. Querem abrir para o turismo as velhas colônias alemãs instaladas no país, porque acham
que, por meio desses circuitos, os
jovens vão se reencontrar com aspectos de sua cultura que pareciam perdidos, como por exemplo,
algumas receitas já esquecidas na
Europa.
A idéia imediata que nos vem à
cabeça é a do hotel-fazenda. O
conceito de turismo rural é mais
amplo. Muita gente viaja hoje
não só para descansar dos rigores
do trabalho cotidiano, mas também para aprender alguma coisa,
sair enriquecido culturalmente.
Campo fértil
O Brasil vive perdendo oportunidades nesse campo. É o caso do
cacau na Bahia. A lavoura está
em decadência porque foi atacada por uma praga chamada vassoura-de-bruxa.
Mas há um modo de plantar o
cacau que preserva a mata atlântica, porque usa a sombra das árvores para proteger os frutos. Nesse sentido, é uma lavoura ecológica.
Os baianos poderiam reformar
algumas fazendas, melhorar o
museu do cacau e oferecer um circuito do cacau para os turistas,
que teriam ainda como atração
um pedaço da mata atlântica que
é considerado o mais rico do
mundo em diversidade de espécies. E ainda por cima poderiam
uni-lo ao circuito do desenvolvimento, porque tudo isso está concentrado no sul do Estado.
Por que não se faz isso? Estamos
meio que engatinhando ainda
nesse campo. Há experiências em
Santa Catarina e uma disposição
européia de se associar ao nosso
esforço.
Acontece que turismo não depende só de boa vontade. É preciso infra-estrutura, gente treinada
e um pouco de propaganda. Um
amigo que vive nos Estados Unidos descobriu no México um cânion maior que o Grand Canyon
norte-americano. No entanto este
é mais procurado por turistas,
porque foi muito mais divulgado.
Num território com tantos problemas sociais como o brasileiro,
não seria um escárnio fazer turismo. Ora, com esse novo conceito
de turismo, mesmo os problemas
sociais poderiam ser tema de exploração. Os acampamentos dos
sem-terra já recebem pesquisadores, estudantes, pessoas que vão
aprender um pouco e, às vezes, ensinar o que sabem.
Para alojá-las e mostrar o trabalho cotidiano em seu acampamento, os sem-terra precisam se
estruturar melhor e, certamente,
mais do que os outros, vão precisar de ajuda material para esse
projeto.
Empregos
O turismo não vai complicar o
problema do campo. Na verdade,
vai apenas abrir milhares de novos empregos e oferecer uma
chance de sobrevivência a empreendimentos rurais quase falidos, que se deterioram num paraíso natural e numa atmosfera
cultural que as pessoas das grandes cidades gostariam de conhecer.
Se fizermos as contas, veremos
que muitos habitantes dos centros
urbanos vieram do interior. Conhecem muito bem uma vaca. E
têm saudade dela. Certamente,
essas pessoas iriam se beneficiar
da nova estrutura de turismo rural, pois poderiam rever seus lugares, agora recuperados.
Tudo isso não é sonho. É uma
possibilidade real. Fizemos um seminário para debater o tema, em
Brasília, e a sala foi pequena para
abrigar os interessados, tamanha
a curiosidade dos estudantes. Já
estamos entrando nos 500 anos,
mas nunca é tarde para começar
com bons planos e algum capital.
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