São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 2000


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FERNANDO GABEIRA
Descobrindo o Brasil rural com atraso de 500 anos

O ministro José Serra, com mais de 50 anos, nunca viu uma vaca. Foi a imprensa que disse, e ele, alguns dias depois, desmentiu sem muita ênfase.
A verdade é que milhares de habitantes das grandes cidades não só desconhecem os animais como nunca viram um pomar, uma lavoura, um engenho e não têm a mínima idéia de onde se tira o leite da vaca.
Essa é uma das razões pelas quais se abriu no Brasil um novo e promissor ramo de viagens: o turismo rural. Não se trata de uma invenção. Ele já é desenvolvido na Europa, onde as grandes empresas alemãs já exploram não apenas o interior de seu país, mas também se instalaram na Polônia e na República Tcheca.
Agora, eles querem fazer isso no Brasil. Querem abrir para o turismo as velhas colônias alemãs instaladas no país, porque acham que, por meio desses circuitos, os jovens vão se reencontrar com aspectos de sua cultura que pareciam perdidos, como por exemplo, algumas receitas já esquecidas na Europa.
A idéia imediata que nos vem à cabeça é a do hotel-fazenda. O conceito de turismo rural é mais amplo. Muita gente viaja hoje não só para descansar dos rigores do trabalho cotidiano, mas também para aprender alguma coisa, sair enriquecido culturalmente.

Campo fértil
O Brasil vive perdendo oportunidades nesse campo. É o caso do cacau na Bahia. A lavoura está em decadência porque foi atacada por uma praga chamada vassoura-de-bruxa.
Mas há um modo de plantar o cacau que preserva a mata atlântica, porque usa a sombra das árvores para proteger os frutos. Nesse sentido, é uma lavoura ecológica.
Os baianos poderiam reformar algumas fazendas, melhorar o museu do cacau e oferecer um circuito do cacau para os turistas, que teriam ainda como atração um pedaço da mata atlântica que é considerado o mais rico do mundo em diversidade de espécies. E ainda por cima poderiam uni-lo ao circuito do desenvolvimento, porque tudo isso está concentrado no sul do Estado.
Por que não se faz isso? Estamos meio que engatinhando ainda nesse campo. Há experiências em Santa Catarina e uma disposição européia de se associar ao nosso esforço.
Acontece que turismo não depende só de boa vontade. É preciso infra-estrutura, gente treinada e um pouco de propaganda. Um amigo que vive nos Estados Unidos descobriu no México um cânion maior que o Grand Canyon norte-americano. No entanto este é mais procurado por turistas, porque foi muito mais divulgado.
Num território com tantos problemas sociais como o brasileiro, não seria um escárnio fazer turismo. Ora, com esse novo conceito de turismo, mesmo os problemas sociais poderiam ser tema de exploração. Os acampamentos dos sem-terra já recebem pesquisadores, estudantes, pessoas que vão aprender um pouco e, às vezes, ensinar o que sabem.
Para alojá-las e mostrar o trabalho cotidiano em seu acampamento, os sem-terra precisam se estruturar melhor e, certamente, mais do que os outros, vão precisar de ajuda material para esse projeto.

Empregos
O turismo não vai complicar o problema do campo. Na verdade, vai apenas abrir milhares de novos empregos e oferecer uma chance de sobrevivência a empreendimentos rurais quase falidos, que se deterioram num paraíso natural e numa atmosfera cultural que as pessoas das grandes cidades gostariam de conhecer.
Se fizermos as contas, veremos que muitos habitantes dos centros urbanos vieram do interior. Conhecem muito bem uma vaca. E têm saudade dela. Certamente, essas pessoas iriam se beneficiar da nova estrutura de turismo rural, pois poderiam rever seus lugares, agora recuperados.
Tudo isso não é sonho. É uma possibilidade real. Fizemos um seminário para debater o tema, em Brasília, e a sala foi pequena para abrigar os interessados, tamanha a curiosidade dos estudantes. Já estamos entrando nos 500 anos, mas nunca é tarde para começar com bons planos e algum capital.



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