São Paulo, segunda, 27 de abril de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

POESIA CONCRETA
Arquiteto quer edificar um museu de arte no Eixo Monumental "para a salvar unidade do projeto"
Niemeyer revela as histórias de Brasília

SILVIO CIOFFI
Editor de Turismo

Brasília foi inaugurada em 21 de abril de 1960, credenciando a moderna arquitetura brasileira como uma arquitetura livre, baseada na técnica mais apurada.
No Planalto Central, os desenhos delicados de Oscar Niemeyer se tornaram palácios de curvas líricas feitas de concreto armado.
E, passados 38 anos da inauguração, Niemeyer diz que Brasília tem urgência de uma obra. "É preciso fazer agora, antes que a cidade perca a unidade, um museu para completar o Eixo Monumental".
Aos 90 anos, o arquiteto que imprimiu sua marca em obras plantadas num sem-número de países, fala das dificuldades e alegrias vividas durante a construção da capital que ajudou a criar, por determinação de Juscelino Kubitschek.
Mas, carioca incorrigível, confessa que no seu "museu particular" -que é como o pensador francês André Malraux, seu amigo, se referia à lembrança das coisas de que mais havia gostado- o Rio ocuparia uma sala ainda maior que a de Brasília.


TEMPOS MODERNOS - "Brasília começou quando Juscelino visitou minha casa, em Canoas (RJ). Aí descemos juntos para a cidade, enquanto ele me dizia que ia fazer Brasília e precisava da minha colaboração. Isso tudo decorreu da construção da Pampulha, entre 1942 e 1943, quando JK era o prefeito de Belo Horizonte. Quando fiz a Pampulha, ele me explicou quão formidável seria esse novo bairro com um pedido urgente: "Só que eu preciso da planta do cassino para amanhã'.
Trabalhei a noite inteira no hotel e, no dia seguinte, apresentei o projeto. Foi então que ele sentiu que eu seria a pessoa para andar ao lado dele naquela corrida. Por ocasião da construção de Brasília ele me convocou novamente, a mim e ao Marco Paulo Rabello, um engenheiro que construiu a Pampulha, seu amigo e assessor. Ajudaram ainda o Israel Pinheiro, braço direito dele, o Rabello e eu, na minha modéstia de trabalho."

A PRIMEIRA VISITA - "Estive no local em que a nova capital seria construída na primeira vez que Juscelino foi lá, com todo seu ministério. Lembro que no caminho, sentado ao lado do marechal Lott, ouvi dele a seguinte pergunta: "Doutor Niemeyer, o senhor, quando fizer o palácio da gente, bem que podia fazer um prédio clássico'. E eu disse: "Mas marechal, o senhor na guerra quer arma antiga ou moderna?'."

EPOPÉIA MODERNA - "Começou então o romance. Trabalhar dia e noite numa terra hostil, sem estrada. Mas seguimos Juscelino na sua determinação. Os projetos foram feitos num barracão coberto de zinco. E foi ali que fizemos os palácios. Havia desconforto, mas havia confiança e solidariedade."
O CATETINHO - "Juscelino precisava de um lugar para ficar quando ia para Brasília, nos fins-de-semana, e fizemos o Catetinho. Então eu e um grupo de amigos, incluindo o Milton Prates, piloto dele, assinamos uma promissória para construí-lo."

MEDO DE AVIÃO - "Fui de avião algumas vezes para lá. Naquele tempo o avião não caía, mas levava três horas... Mas eu ia mesmo é de automóvel. Numa das últimas vezes sofri um desastre. JK telefonou para mim dizendo que vinha para o Rio e perguntou se eu queria ir com ele, de avião. Eu disse que não -e acabei ficando 15 dias no hospital."

OS CANDANGOS - "Logo chegaram os candangos. Brasília surgiu como a terra da promissão. Então, nessa miséria imensa que até hoje anda por aí, quem precisava cuidar da vida correu para lá, mas muitos continuaram pobres."
A EQUIPE PIONEIRA - "Precisava de uma equipe e levei 15 arquitetos comigo. Mas levei também um médico, um jornalista e um jogador do Flamengo. Queria que a conversa lá fosse mais variada, pois não dá para falar só de arquitetura o tempo todo. E todo mundo colaborou. Levei uns três ou quatro amigos que estavam na merda e precisavam de trabalho -e eles deram duro, foram úteis."

O TEMPO E A NOVA CAPITAL - "Acho que ninguém prejudicou a nova capital, nem mesmo os militares. Ninguém teve essa intenção. Por vezes há um clima de desprezo pela cidade e sua arquitetura. Assim, muita coisa andou errado. Mas, de modo geral, ela está lá."

O PRÉDIO PREFERIDO - "Em Brasília, o prédio que mais gosto é o do Congresso. É o mais simples e apurado. Com dois traços você o representa. A catedral foi feita para dar idéia de uma coisa na Terra ligada ao infinito, com espaços transparentes, de onde se avistam as estrelas. Já as colunas do Alvorada, que o André Malraux tanto gostava, eu vi copiadas pelo mundo inteiro: na Grécia e nos EUA, numa sede de correios e telégrafos. Em Paris dei de cara com a fachada da Kodak, que trazia a fotografia da coluna em toda a extensão da fachada. Os sujeitos gostam e copiam -e eu fico satisfeito."

OS PROBLEMAS DE BRASÍLIA - "Há na capital uma densidade excessiva. Brasília deveria parar. Mas ela foi completada como Lúcio Costa a imaginou. As cidades que crescem demais se degradam. Brasília está pronta, mas é preciso acabar o Eixo Monumental, sob pena de uma perda de unidade. Falta fazer o museu de arte para completar o Eixo. Digo que unidade é quando os prédios de um conjunto têm entre si um denominador comum de formas. Tenho tido muita chateação com isso, mas ponho tudo de lado. O importante não é Brasília, é a vida, a luta contra a miséria, que aumenta, contra o desemprego, que é maior ainda. O Lúcio fez lá o que devia ter feito e eu fiz o que podia fazer."




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.