São Paulo, segunda, 27 de abril de 1998 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice POESIA CONCRETA Arquiteto quer edificar um museu de arte no Eixo Monumental "para a salvar unidade do projeto" Niemeyer revela as histórias de Brasília
SILVIO CIOFFI TEMPOS MODERNOS - "Brasília começou quando Juscelino visitou minha casa, em Canoas (RJ). Aí descemos juntos para a cidade, enquanto ele me dizia que ia fazer Brasília e precisava da minha colaboração. Isso tudo decorreu da construção da Pampulha, entre 1942 e 1943, quando JK era o prefeito de Belo Horizonte. Quando fiz a Pampulha, ele me explicou quão formidável seria esse novo bairro com um pedido urgente: "Só que eu preciso da planta do cassino para amanhã'. Trabalhei a noite inteira no hotel e, no dia seguinte, apresentei o projeto. Foi então que ele sentiu que eu seria a pessoa para andar ao lado dele naquela corrida. Por ocasião da construção de Brasília ele me convocou novamente, a mim e ao Marco Paulo Rabello, um engenheiro que construiu a Pampulha, seu amigo e assessor. Ajudaram ainda o Israel Pinheiro, braço direito dele, o Rabello e eu, na minha modéstia de trabalho." A PRIMEIRA VISITA - "Estive no local em que a nova capital seria construída na primeira vez que Juscelino foi lá, com todo seu ministério. Lembro que no caminho, sentado ao lado do marechal Lott, ouvi dele a seguinte pergunta: "Doutor Niemeyer, o senhor, quando fizer o palácio da gente, bem que podia fazer um prédio clássico'. E eu disse: "Mas marechal, o senhor na guerra quer arma antiga ou moderna?'." EPOPÉIA MODERNA - "Começou então o romance. Trabalhar dia e noite numa terra hostil, sem estrada. Mas seguimos Juscelino na sua determinação. Os projetos foram feitos num barracão coberto de zinco. E foi ali que fizemos os palácios. Havia desconforto, mas havia confiança e solidariedade." O CATETINHO - "Juscelino precisava de um lugar para ficar quando ia para Brasília, nos fins-de-semana, e fizemos o Catetinho. Então eu e um grupo de amigos, incluindo o Milton Prates, piloto dele, assinamos uma promissória para construí-lo." MEDO DE AVIÃO - "Fui de avião algumas vezes para lá. Naquele tempo o avião não caía, mas levava três horas... Mas eu ia mesmo é de automóvel. Numa das últimas vezes sofri um desastre. JK telefonou para mim dizendo que vinha para o Rio e perguntou se eu queria ir com ele, de avião. Eu disse que não -e acabei ficando 15 dias no hospital." OS CANDANGOS - "Logo chegaram os candangos. Brasília surgiu como a terra da promissão. Então, nessa miséria imensa que até hoje anda por aí, quem precisava cuidar da vida correu para lá, mas muitos continuaram pobres." A EQUIPE PIONEIRA - "Precisava de uma equipe e levei 15 arquitetos comigo. Mas levei também um médico, um jornalista e um jogador do Flamengo. Queria que a conversa lá fosse mais variada, pois não dá para falar só de arquitetura o tempo todo. E todo mundo colaborou. Levei uns três ou quatro amigos que estavam na merda e precisavam de trabalho -e eles deram duro, foram úteis." O TEMPO E A NOVA CAPITAL - "Acho que ninguém prejudicou a nova capital, nem mesmo os militares. Ninguém teve essa intenção. Por vezes há um clima de desprezo pela cidade e sua arquitetura. Assim, muita coisa andou errado. Mas, de modo geral, ela está lá." O PRÉDIO PREFERIDO - "Em Brasília, o prédio que mais gosto é o do Congresso. É o mais simples e apurado. Com dois traços você o representa. A catedral foi feita para dar idéia de uma coisa na Terra ligada ao infinito, com espaços transparentes, de onde se avistam as estrelas. Já as colunas do Alvorada, que o André Malraux tanto gostava, eu vi copiadas pelo mundo inteiro: na Grécia e nos EUA, numa sede de correios e telégrafos. Em Paris dei de cara com a fachada da Kodak, que trazia a fotografia da coluna em toda a extensão da fachada. Os sujeitos gostam e copiam -e eu fico satisfeito." OS PROBLEMAS DE BRASÍLIA - "Há na capital uma densidade excessiva. Brasília deveria parar. Mas ela foi completada como Lúcio Costa a imaginou. As cidades que crescem demais se degradam. Brasília está pronta, mas é preciso acabar o Eixo Monumental, sob pena de uma perda de unidade. Falta fazer o museu de arte para completar o Eixo. Digo que unidade é quando os prédios de um conjunto têm entre si um denominador comum de formas. Tenho tido muita chateação com isso, mas ponho tudo de lado. O importante não é Brasília, é a vida, a luta contra a miséria, que aumenta, contra o desemprego, que é maior ainda. O Lúcio fez lá o que devia ter feito e eu fiz o que podia fazer." Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
|