São Paulo, segunda-feira, 27 de maio de 2002

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ILHAS À PORTUGUESA

Geografia e desastres naturais constróem caráter dos açorianos, que ajudaram a colonizar o Sul do Brasil

Vulcão e mar moldam cultura dos Açores

JOÃO BITTAR
ENVIADO ESPECIAL A PORTUGAL

As técnicas de navegação desenvolvidas pelos portugueses, como o manejo de velas para avançar contra o vento e a descoberta do exato movimento das correntes marítimas (espelhadas nos dois hemisférios), os levaram aos Açores, uma Atlântida em forma de arquipélago, com nove ilhas formadas a partir da mesma erupção vulcânica.
A frota comandada por Diogo de Silves, que operava as teorias do infante dom Henrique, o Navegante, chegou aos Açores em 1427. A primeira das ilhas foi batizada de Santa Maria.
Depois, ao longo de 30 anos, foram descobertas outras oito, a nordeste da Santa Maria, a mais próxima ao continente, localizada na altura de Lisboa -mais precisamente a duas horas de vôo da capital portuguesa.
Ao se aproximarem do local, os aventureiros logo avistaram alguns milhafres e os confundiram com açores (ambos aves de rapina típicas da região).
De mesma formação geológica, separadas e limitadas pelas águas do oceano e pelos vulcões que nunca morrem, as ilhas dos Açores se tocam pelas raízes e se complementam na superfície, como se uma fosse a resposta da outra.
De geografia surpreendente e espetacular, as ilhas oferecem uma história salpicada de lutas contra acidentes naturais, como abalos sísmicos e erupções vulcânicas, e contra invasões de piratas e da Armada Espanhola.
O cenário bélico entre d. Pedro 6º (o nosso d. Pedro 1º) contra seu irmão d. Miguel e sua mãe, Carlota Joaquina, inspirou o poeta Almeida Garrett (1799-1854) a acrescentar ao nome da então cidade de Angra o termo "do Heroísmo". Mas isso aconteceu anos depois de ela ser parada obrigatória das naus e caravelas que percorriam os mares em direção à América, à África ou às Índias, para que se abastecessem de água e outros suprimentos.
Essas curiosidades, além das peculiaridades da civilização açoriana, que ajudou a colonizar o Sul do Brasil, participando da formação de cidades como Porto Alegre, são os principais tesouros do arquipélago, que é região autônoma de Portugal.
As temperaturas amenas, raramente acima dos 20C, não atraem os turistas às suas praias. Porém os amantes da natureza podem se deleitar com as paisagens exuberantes, que convidam à reflexão, com seu "espólio" vulcânico a produzir "cerrados" de fertilidade agrícola.
Exemplo disso é a planície da Achada, ao pé da serra do Cume, na ilha Terceira, onde pequenos muros de pedras basálticas geometricamente dispostos formam colchas com plantações de milho ou de uvas. Ali os pastos em fartura saciam bem o gado, graças à generosa quantidade de chuva.
Outra bela paisagem é a ponta dos Capelinhos, onde em 1957 uma violenta erupção soterrou milhares de pessoas e destruiu, com 432 abalos sísmicos num só dia, algumas "freguesias", provocando o êxodo de 15 mil habitantes para os EUA, cerca da metade da população da ilha do Faial na época, deixando seu rastro de destruição ao sabor de um vento incessante e poderoso que esculpe a pedra com a ajuda do mar.
Além de Santa Maria e São Miguel, a maior de todas as ilhas e o centro econômico e político dos Açores, há as ilhas do grupo central: Terceira, Faial, Pico, Graciosa e São Jorge. Mais ao noroeste estão as ilhas de Flores e do Corvo, que é a menor de todas, com apenas 340 habitantes.
Assim os Açores desfilam suas belezas geográficas e a integração humana com a paisagem, formando uma cultura "vulcanista" de respeito aos limites da terra e do mar, que inspirou inúmeros escritores e artistas portugueses e que definiu o caráter açoriano.


João Bittar viajou a convite da TAP


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