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VENEZA EM LETRAS
Casanova e amigos barbarizavam as noites venezianas
Famoso por mulheres, conquistador também tocava sino e saía correndo e soltava gôndolas pelos canais
DO ENVIADO ESPECIAL A VENEZA
Casanova era um moleque.
Principalmente no Carnaval.
Se festasse no Pelourinho hoje,
e não na piazza San Marco há
260 anos, acumularia mais mulheres e apavoraria mais as ruas
do que qualquer folião daqui.
Era um patusco. Uma vez,
pegou "emprestada" uma esposa por uma noite. Estava com
sete amigos. Entraram em um
bar, todos mascarados, e disseram para três homens ao lado
de uma mulher que, por ordem
do Conselho dos Dez (o conselho que mandava e desmandava, torturava ou aliviava na República de Veneza), eles deveriam sair dali. Os três foram levados até a ilha de San Giorgio
Maggiore, e depois a mulher,
Casanova e os amigos passaram
a noite bebendo e flertando.
Era um fanfarrão. Também
avacalhava a ordem pública em
outras épocas. De madrugada,
soltava gôndolas vazias pelo
Grande Canal para complicar a
vida dos gondoleiros pela manhã ou anunciava falsos partos
para obrigar médicos e parteiras a acordar subitamente. Na
falta dos ainda não inventados
interfones para tocar e sair correndo, badalava os sinos das casas. E saía correndo.
Apesar dessas molecagens, o
que levou o substantivo "casanova" aos dicionários foi o mulherio: "Indivíduo mulherengo", resume o Aurélio; "indivíduo que se dedica com grande
empenho a conquistas amorosas; mulherengo", define o
Houaiss; "indivíduo sedutor,
que faz sucesso com as mulheres", diz a definição italiana original, compreensivelmente
mais orgulhosa. Don Juan não
teve tanta sorte: para o
Houaiss, significa "libertino sedutor e sem escrúpulos".
Mas não que Casanova tivesse esses tais de escrúpulos. Saiu
até com a própria filha. Também questionável era o fato de
Bettina, Lucia, Teresa, Giulietta, Nanetta, Marta, Lucrécia,
Cecília, Henriette e outras que
compuseram seu vasto portfólio serem casadas, virgens, irmã
uma da outra...
E não que Casanova escondesse sua amoralidade. Até a
ostentava. Conta que, certa vez
em Orsara, na Itália, um médico o convidou para almoçar.
Por quê? Para agradecer, porque havia ficado muito tempo
sem pacientes mas, depois de
uma antiga passagem de Casanova pelo município, uma
doença venérea se espalhara,
lotando o seu consultório.
Em um conto, o italiano Italo
Calvino (1923-1985) debocha
do currículo do compatriota -
imagina um Casanova neurótico com tantas conquistas: "Certas expressões que com Cate
eram moeda corrente, com Ilda
soavam falsas (...). Meu espírito
tornara-se o campo de batalha
das duas mulheres", diz o fictício Casanova, que afirma já não
saber quem "verdadeiramente"
é. O portfólio tornara-se um peso. Casanova era um devasso. E
Calvino, um invejoso.
(THIAGO MOMM)
LIVRO - "History of my Life"
Giacomo Casanova; ed. Penguin,
576 págs., R$ 35,88
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