São Paulo, quinta-feira, 27 de setembro de 2007

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VENEZA EM LETRAS

Casanova e amigos barbarizavam as noites venezianas

Famoso por mulheres, conquistador também tocava sino e saía correndo e soltava gôndolas pelos canais

DO ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

Casanova era um moleque. Principalmente no Carnaval. Se festasse no Pelourinho hoje, e não na piazza San Marco há 260 anos, acumularia mais mulheres e apavoraria mais as ruas do que qualquer folião daqui.
Era um patusco. Uma vez, pegou "emprestada" uma esposa por uma noite. Estava com sete amigos. Entraram em um bar, todos mascarados, e disseram para três homens ao lado de uma mulher que, por ordem do Conselho dos Dez (o conselho que mandava e desmandava, torturava ou aliviava na República de Veneza), eles deveriam sair dali. Os três foram levados até a ilha de San Giorgio Maggiore, e depois a mulher, Casanova e os amigos passaram a noite bebendo e flertando.
Era um fanfarrão. Também avacalhava a ordem pública em outras épocas. De madrugada, soltava gôndolas vazias pelo Grande Canal para complicar a vida dos gondoleiros pela manhã ou anunciava falsos partos para obrigar médicos e parteiras a acordar subitamente. Na falta dos ainda não inventados interfones para tocar e sair correndo, badalava os sinos das casas. E saía correndo.
Apesar dessas molecagens, o que levou o substantivo "casanova" aos dicionários foi o mulherio: "Indivíduo mulherengo", resume o Aurélio; "indivíduo que se dedica com grande empenho a conquistas amorosas; mulherengo", define o Houaiss; "indivíduo sedutor, que faz sucesso com as mulheres", diz a definição italiana original, compreensivelmente mais orgulhosa. Don Juan não teve tanta sorte: para o Houaiss, significa "libertino sedutor e sem escrúpulos".
Mas não que Casanova tivesse esses tais de escrúpulos. Saiu até com a própria filha. Também questionável era o fato de Bettina, Lucia, Teresa, Giulietta, Nanetta, Marta, Lucrécia, Cecília, Henriette e outras que compuseram seu vasto portfólio serem casadas, virgens, irmã uma da outra...
E não que Casanova escondesse sua amoralidade. Até a ostentava. Conta que, certa vez em Orsara, na Itália, um médico o convidou para almoçar. Por quê? Para agradecer, porque havia ficado muito tempo sem pacientes mas, depois de uma antiga passagem de Casanova pelo município, uma doença venérea se espalhara, lotando o seu consultório.
Em um conto, o italiano Italo Calvino (1923-1985) debocha do currículo do compatriota - imagina um Casanova neurótico com tantas conquistas: "Certas expressões que com Cate eram moeda corrente, com Ilda soavam falsas (...). Meu espírito tornara-se o campo de batalha das duas mulheres", diz o fictício Casanova, que afirma já não saber quem "verdadeiramente" é. O portfólio tornara-se um peso. Casanova era um devasso. E Calvino, um invejoso.
(THIAGO MOMM)


LIVRO - "History of my Life"
Giacomo Casanova; ed. Penguin, 576 págs., R$ 35,88


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