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RECIFE DAS ARTES
Para Ariano Suassuna, é o "único espaço no qual o povo conseguiu se expressar sem deformações"
Literatura de cordel seduz celebridades
em Pernambuco
Carlos Drummond de Andrade
e Ariano Suassuna estão entre as
pessoas ilustres que decidiram se
entregar à paixão pela literatura
de cordel.
Uma dica: o final da tarde, antes
do pôr-do-sol e dos preparativos
para cair na noite pernambucana,
é um bom momento para conhecer essa manifestação cultural,
tradicional no Nordeste.
Suassuna considera o cordel,
analisando-o sob o ponto de vista
literário, o "único espaço no qual
até hoje o povo brasileiro conseguiu se expressar sem deformações e sem imposições que viessem de cima ou de fora".
Indispensavelmente oral, a literatura de cordel ancorou por aqui
vinda de Portugal. No final do século passado, ela passou a ser impressa no Nordeste.
Independentemente desse, digamos, avanço, o folheto permaneceu simplesmente como um
suporte para que o poema se desprendesse, seja cantado, seja lido,
mas sempre em voz alta.
Seus autores lêem em mercados
e feiras, muitas vezes acompanhados de violão.
Origem
Sua origem vem da poesia medieval ibérica. Sua marca está impressa em obras de autores que
vão desde o escritor Guimarães
Rosa até o cineasta Glauber Rocha.
Suassuna, porém, talvez seja o
que tenha feito maior proveito,
imprimindo a qualidade de repentes e cordéis, além da cultura
dos poetas sertanejos, em diversas
obras, como a popular "Auto da
Compadecida", que virou minissérie da Rede Globo em 99.
O paraibano Leandro Gomes de
Barros (1865-1918), conhecido como uma espécie de Pelé do cordel,
autor de mais de mil folhetos, é
um dos seus favoritos.
O poeta pernambucano João
Cabral de Melo Neto, que morreu
no ano passado, também buscou
no ritmo e na dicção do cordel influências para "Morte e Vida Severina", dizem alguns especialistas em literatura de cordel.
E é justamente em Pernambuco, para ser mais preciso em Caruaru, que a obra de Olegário Fernandes da Silva, conhecido na cidade como o "rei do cordel", com
mais de 150 folhetos publicados
nos últimos 30 anos, é outro forte
exemplo de como a literatura de
cordel está ligada à vida e à cultura
pernambucanas.
A história do cordão
A literatura de cordel ganhou
esse nome pelo fato de os folhetos
serem vendidos em cordão, o que
ocorre até hoje. Não se sabe ao
certo quando ela ganhou reputação. É fácil encontrar esses folhetos, apesar de o cordel estar em
decadência desde a década de 60,
depois de ter vivido o seu auge
nos anos 40 e 50.
"Não acredito que ela esteja em
decadência. A televisão tomou
conta de uma parte do tempo que
o homem do interior tinha", afirma o folclorista nordestino Mário
Souto Maior, 80, da Fundação
Joaquim Nabuco, de Recife.
"As pessoas se reuniam nos alpendres das fazendas. Quem era
alfabetizado lia o folheto do cordel para os demais.
Muita gente aprendeu a ler com
esse tipo de folheto", diz o folclorista.
Sua impressão tradicional é tipográfica. Nada de cores. Na
maioria das vezes, utiliza papel
jornal. Simples, muito simples.
Ela sofreu influências de manifestações semelhantes que ocorreram em países como Portugal e
França, na Europa, e também no
Chile e no México, na América
Latina, mas há algumas propriedades típicas da poesia de cordel.
Ela é feita em sextilhas, ou seja,
estrofes de seis versos, e as rimas
acontecem nos segundo, quarto e
sexto versos.
Em média, os folhetos têm de 8
a 32 páginas, com preços que variam de R$ 1 a R$ 5.
São poemas longos e de narrativas lineares.
Entre os elementos frequentemente presentes nos poemas, estão a força dramática e o heroísmo. Grande número dos heróis
retratados é de origem religiosa.
Muitas vezes a fala cantada, entremeada de jogos sonoros e ritmos exuberantes, se aproxima
das ladainhas religiosas e das cantigas populares nordestinas. Enfim, uma manifestação rica, que
se diversificou.
A xilogravura de cordel, por
exemplo, transformou-se em
uma arte independente. Conseguiu se consagrar em galerias internacionais, como nos Estados
Unidos e na Europa.
"Falta ao povo brasileiro voltar
a dar valor à literatura de cordel e
prestigiá-la", diz Maior. Em Pernambuco, é um bom momento
para colocar essa idéia em prática.
(ROBERTO DE OLIVEIRA)
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