São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 2000


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RECIFE DAS ARTES
Para Ariano Suassuna, é o "único espaço no qual o povo conseguiu se expressar sem deformações"
Literatura de cordel seduz celebridades

em Pernambuco

Carlos Drummond de Andrade e Ariano Suassuna estão entre as pessoas ilustres que decidiram se entregar à paixão pela literatura de cordel.
Uma dica: o final da tarde, antes do pôr-do-sol e dos preparativos para cair na noite pernambucana, é um bom momento para conhecer essa manifestação cultural, tradicional no Nordeste.
Suassuna considera o cordel, analisando-o sob o ponto de vista literário, o "único espaço no qual até hoje o povo brasileiro conseguiu se expressar sem deformações e sem imposições que viessem de cima ou de fora".
Indispensavelmente oral, a literatura de cordel ancorou por aqui vinda de Portugal. No final do século passado, ela passou a ser impressa no Nordeste.
Independentemente desse, digamos, avanço, o folheto permaneceu simplesmente como um suporte para que o poema se desprendesse, seja cantado, seja lido, mas sempre em voz alta.
Seus autores lêem em mercados e feiras, muitas vezes acompanhados de violão.

Origem
Sua origem vem da poesia medieval ibérica. Sua marca está impressa em obras de autores que vão desde o escritor Guimarães Rosa até o cineasta Glauber Rocha.
Suassuna, porém, talvez seja o que tenha feito maior proveito, imprimindo a qualidade de repentes e cordéis, além da cultura dos poetas sertanejos, em diversas obras, como a popular "Auto da Compadecida", que virou minissérie da Rede Globo em 99.
O paraibano Leandro Gomes de Barros (1865-1918), conhecido como uma espécie de Pelé do cordel, autor de mais de mil folhetos, é um dos seus favoritos.
O poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, que morreu no ano passado, também buscou no ritmo e na dicção do cordel influências para "Morte e Vida Severina", dizem alguns especialistas em literatura de cordel.
E é justamente em Pernambuco, para ser mais preciso em Caruaru, que a obra de Olegário Fernandes da Silva, conhecido na cidade como o "rei do cordel", com mais de 150 folhetos publicados nos últimos 30 anos, é outro forte exemplo de como a literatura de cordel está ligada à vida e à cultura pernambucanas.

A história do cordão
A literatura de cordel ganhou esse nome pelo fato de os folhetos serem vendidos em cordão, o que ocorre até hoje. Não se sabe ao certo quando ela ganhou reputação. É fácil encontrar esses folhetos, apesar de o cordel estar em decadência desde a década de 60, depois de ter vivido o seu auge nos anos 40 e 50.
"Não acredito que ela esteja em decadência. A televisão tomou conta de uma parte do tempo que o homem do interior tinha", afirma o folclorista nordestino Mário Souto Maior, 80, da Fundação Joaquim Nabuco, de Recife.
"As pessoas se reuniam nos alpendres das fazendas. Quem era alfabetizado lia o folheto do cordel para os demais.
Muita gente aprendeu a ler com esse tipo de folheto", diz o folclorista.
Sua impressão tradicional é tipográfica. Nada de cores. Na maioria das vezes, utiliza papel jornal. Simples, muito simples.
Ela sofreu influências de manifestações semelhantes que ocorreram em países como Portugal e França, na Europa, e também no Chile e no México, na América Latina, mas há algumas propriedades típicas da poesia de cordel.
Ela é feita em sextilhas, ou seja, estrofes de seis versos, e as rimas acontecem nos segundo, quarto e sexto versos.
Em média, os folhetos têm de 8 a 32 páginas, com preços que variam de R$ 1 a R$ 5.
São poemas longos e de narrativas lineares.
Entre os elementos frequentemente presentes nos poemas, estão a força dramática e o heroísmo. Grande número dos heróis retratados é de origem religiosa.
Muitas vezes a fala cantada, entremeada de jogos sonoros e ritmos exuberantes, se aproxima das ladainhas religiosas e das cantigas populares nordestinas. Enfim, uma manifestação rica, que se diversificou.
A xilogravura de cordel, por exemplo, transformou-se em uma arte independente. Conseguiu se consagrar em galerias internacionais, como nos Estados Unidos e na Europa.
"Falta ao povo brasileiro voltar a dar valor à literatura de cordel e prestigiá-la", diz Maior. Em Pernambuco, é um bom momento para colocar essa idéia em prática.
(ROBERTO DE OLIVEIRA)

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