São Paulo, quinta-feira, 28 de abril de 2011

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DEPOIMENTO FIM DO COMUNISMO

Em Praga, cartunista viu o desenrolar da Revolução de Veludo

Estudante na época, Cláudio de Oliveira, do jornal "Agora", tomou parte da primeira passeata antirregime

AS PROFESSORAS DESACONSELHARAM ESTRANGEIROS A IREM PARA O ATO; APESAR DISSO, ACOMPANHEI O PROTESTO DE 17 DE NOVEMBRO

CLÁUDIO DE OLIVEIRA
DO "AGORA"

Vivi em Praga de 1989 a 1992 como estudante de artes gráficas na Escola Superior de Artes Industriais. Como cursar o idioma tcheco era obrigatório, fiz o Instituto de Línguas da Universidade Carlos, diante da Faculdade de Ciências Naturais.
E foi ali, em 17 de novembro de 1989, que ocorreu a primeira das manifestações que derrubaram o regime comunista, no episódio da Revolução de Veludo.
A passeata, autorizada pelo governo, era organizada pela União da Juventude Socialista. Estava marcada para aquela sexta-feira em memória aos dez estudantes tchecos fuzilados em 1939, após protestos contra a ocupação da então Tchecoslováquia pela Alemanha nazista.
As professoras desaconselharam estrangeiros a irem ao ato, temerosas de repressão. Apesar disso, acompanhei o protesto com o estudante brasileiro Marcelo Paim e o colega português Pedro Penilo.
Em seu segundo ano no país, Pedro ajudava a traduzir discursos, cartazes e faixas dos estudantes tchecos.
Uma das faixas nos chamou atenção pela ironia. Ela dizia: "União Soviética, nosso exemplo". Era uma alusão à frase repetida pelo regime e, ao mesmo tempo, uma crítica velada ao Partido Comunista Tcheco, contrário às reformas democratizantes de Mikhail Gorbachev.
A manifestação seguiu para a avenida Nacional, local em que oficialmente deveria terminar, mas os estudantes resolveram continuar a marcha até a praça de São Venceslau, no centro de Praga.
A polícia impediu com cassetetes a continuidade da passeata. A repressão foi suficiente para que a estudantada, no sábado, decretasse greve nas escolas superiores.
No domingo, artistas e intelectuais lançaram o oposicionista Fórum Cívico, liderado pelo dramaturgo e dissidente Václav Havel. Duas semanas de gigantescas manifestações -a maior delas, estima-se, com 800 mil pessoas- bastaram para derrubar 40 anos de "socialismo real" de forma pacífica.
Apesar da ironia da faixa, o exemplo que muitos dos tchecos mirava era o dos EUA e do capitalismo liberal. O primeiro aniversário da revolução foi comemorado com a presença de George Bush (pai), ao lado de então presidente Václav Havel.
Vi a praça de São Venceslau tomada pela multidão e por bandeiras dos dois países. E ouvi o então ministro das finanças (e atual presidente) Václav Klaus declarar admiração pela ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher. Ele estava disposto a implementar um choque ultraliberal no país, com privatização e entrada na economia de mercado.
Klaus contava com apoio da maioria dos tchecos -não encontrei um único estudante apoiando o velho regime.
Eram simpáticos ao Fórum Cívico e pareciam irritados com a anterior atmosfera política repressiva e com a estagnação econômica.
Compreendi a irritação dos tchecos diante de uma economia em que até o boteco da esquina era estatal.
E fui vítima do choque do ministro Klaus. Numa reforma, minha bolsa de estudo perdeu 3/4 do valor. Fui procurar trabalho para me manter em Praga estudando. Fiz caricaturas para a imprensa tcheca e colaborei com uma revista da comunidade brasileira na Alemanha.
Com o fim do regime, o que era censurado voltou. Nos primeiros dias das manifestações, ouvi Marta Kubiüová, musa de uma espécie de Jovem Guarda local dos anos 1960, cantar canções proibidas -uma fazia referência à Primavera de Praga.
Também ouvi, na praça de São Venceslau, Alexander Dubcek, o líder da Primavera de Praga, discursando. Seu governo tentara democratizar o regime e fora derrubado, em 1968, pelo Pacto de Varsóvia. Vi, depois, um documentário daqueles tempos, com imagens da multidão postada em frente à sede do Comitê Central do PC Tcheco madrugada adentro e, também, imagens dramáticas de tchecos em prantos diante dos tanques soviéticos em ruas de Praga.
Mas, quando deixei a ainda Tchecoslováquia, em 1992, senti que o entusiasmo inicial dos tchecos por uma economia ao estilo norte-americano diminuía. Surgia um senso crítico em relação àquelas reformas liberais.
E saí de lá com uma convicção: para a grande maioria dos que viveram a experiência do comunismo, o antigo regime deveria tornar-se peça de museu.

CLÁUDIO DE OLIVEIRA é jornalista e cartunista do jornal "Agora"


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