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Lobisomem reaviva costume de contar causos no interior
Uma das versões do mito conta que o rei da Arcádia, após oferecer carne humana a Zeus, foi transformado em lobo
DO ENVIADO ESPECIAL A JOANÓPOLIS (SP)
Na semana passada, na praça
central de Joanópolis, bem em
frente à igreja matriz, a Folha flagrou um encontro entre Valter
Cassalho, vice-presidente da Associação dos Criadores de Lobisomens com o personagem do folclore e um dos maiores atrativos
turísticos da cidade.
O mito, segundo o entrevistado,
estimula o turismo em Joanópolis
e tem ajudado as pessoas "a redescobrir o lado lúdico e cultural" da
região. Leia abaixo trechos da
conversa.
(LUIZ ANTONIO DEL TEDESCO)
Valter Cassalho - Mas diga lá, seu
Lobisomem, o senhor é uma lenda
ou um mito?
"Lobisomem" - Me respeite, moço! Eu não sou lenda, não, sou um
mito. Um mito universal -e dos
bons. Eu tenho uma existência individualizada dentro do mundo
sobrenatural e uma função social
muito antiga, que dá origem e explicações a alguns fatos. As lendas
são apenas relatos desses mitos.
Cassalho - Tá bom, tá bom, mas o
que vem a ser o lobisomem?
"Lobisomem" - Eu sou um grande
cachorro preto, de pêlos eriçados
e de olhos faiscantes. Tenho uma
altura média de 1,5 m e, de pé,
posso ultrapassar os 2 m. Sou um
condenado que está pagando seu
fadário. Tenho de percorrer sete
cidades em uma única noite e, antes do amanhecer, volto ao lugar
de origem. Minha sina é correr
sob a proteção da lua cheia. É uma
vida dura, principalmente para
um cara simpático como eu.
Cassalho - Como o sr. chegou ao
Brasil?
"Lobisomem" - A nossa origem é
muito controversa. O primeiro lobisomem de que se tem notícia é
grego. Foi Licaon, um antigo rei
da Arcádia, região do Peloponeso.
Esse rei organizou um banquete e
sabia que Zeus estava presente,
incógnito entre os convidados.
Querendo identificar Zeus -e sabendo que apenas os deuses podem diferenciar o gosto da carne
humana-, Licaon decidiu então
matar seu filho mais novo e oferecer sua carne na refeição. Zeus
percebeu o que o rei havia feito e
transformou-o em lobo. Roma
também teve seus homens-lobos
e depois o mito espalhou-se por
toda a Europa, incluindo Portugal. Foi assim que chegou aqui.
Cassalho - E como uma pessoa vira lobisomem?
"Lobisomem" - Existem várias
maneiras. Eu virei lobisomem
porque fiquei dez anos sem pôr a
mão em água benta. A forma mais
comum é ser o sétimo filho de
uma seqüência de homens. Tem
até gente que vira lobisomem por
vontade própria.
Cassalho - Como assim?
"Lobisomem" - Na Antigüidade,
muitos queriam, através de rituais, virar lobisomem para adquirir as características do lobo
-astúcia, virilidade. Na Idade
Média e mesmo na Idade Moderna, muitas pessoas acusadas de
serem lobisomens foram enforcadas e queimadas vivas, principalmente na França, onde, de 1520 a
1630, foram catalogados 30 mil
casos de supostas aparições de lobisomens.
Cassalho - Em Joanópolis, o sr.
saiu das encruzilhadas e foi para a
mídia, virou personalidade. Isso foi
bom?
"Lobisomem" - Para Joanópolis
foi bom, divulgou a cidade, revitalizou as histórias dos mitos e outras assombrações e reavivou a
memória das pessoas, que redescobriram o lado lúdico e cultural
do povo. Voltaram a contar causos e a falar de suas assombrações.
Para os lobisomens também foi
positivo, mas nossa agenda vive
cheia e todo mundo quer ver e fotografar o lobisomem. Não gostamos muito de flashes. Hoje estou
abrindo um exceção à Folha. À
vezes me preocupo, pois, como
ensina Maquiavel, "é melhor ser
temido do que amado".
Cassalho - Na vida extralobisomem, o sr. é um homem comum?
"Lobisomem" - Na vida diária, sou
um homem magro e pálido que
tem as sobrancelhas unidas, os
cotovelos calosos e as orelhas
grandes. Numa noite de quinta
para sexta-feira de lua cheia chego
a uma encruzilhada, tiro minhas
roupas, espojo-me no chão e me
transformo. O resto da história,
todos sabem.
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