São Paulo, segunda-feira, 29 de abril de 2002

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LADO B

Um dos tesouros naturais do Rio, arquipélago, de onde se vê a cidade de ângulo privilegiado, dista 5 km de Ipanema

Cagarras têm vista única do mar para terra

Silvio Cioffi/Folha Imagem
Ilha do arquipélago de Cagarras, cujo nome deriva do guano (fezes das aves marinhas), convida visitante à prática do ecoturismo


FERNANDO COREIXAS DE MORAES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Cidade privilegiada em termos de biodiversidade e de atrativos naturais, o Rio possui a maior floresta urbana do mundo e uma importante região costeira.
Há praias arenosas, costões rochosos, restingas, manguezais, lagunas, baías e ilhas. Alguns desses ecossistemas vêm sofrendo impactos desde a chegada dos portugueses, em 1502, e mais recentemente, após a década de 50, quando a urbanização se intensificou.
Dentre os ambientes afetados destacam-se a baía de Guanabara, os manguezais e as restingas cariocas, vitimados por despejos de esgoto, aterros e especulação imobiliária -mas felizmente hoje a conscientização de grande parte da população é maior, levando-a a valorizar ações em prol da conservação ambiental.
Motivados pela crescente aceitação pública de iniciativas ecologicamente corretas, mais políticos e empresários envolvem-se em causas preservacionistas.
Um dos grandes tesouros naturais do Rio é o arquipélago das Cagarras, formado por três ilhas principais -Cagarras, Palmas e Comprida-, duas ilhotas e duas lajes. Distante cerca de 5 km ao sul da praia de Ipanema, o local é de fácil acesso para interessados em conhecer as belezas da cidade a partir de um ângulo pouco comum: do mar para a terra.
A melhor época para visitar o local é no verão, quando a incidência de frentes frias é menor, o mar permanece calmo e a visibilidade da água aumenta. Mas essa época costuma trazer águas mais frias para a costa, decorrentes da influência da ressurgência da região de Arraial do Cabo.
A ressurgência é um fenômeno de afloramento de uma massa de água fria, rica em nutrientes, até as camadas superficiais, impulsionando diretamente o desenvolvimento do fitoplâncton e consequentemente dos níveis tróficos superiores. O fato é responsável pela grande quantidade de peixes nas áreas sob sua influência.
As Cagarras são recobertas por palmeiras, gramíneas e bromélias, espécies resistentes à insolação, maresia e ventos constantes -e, sobre elas, voam atobás, fragatas e gaivotas. O nome do arquipélago, aliás, deriva do guano (fezes das aves marinhas) que recobre as ilhas. O guano é rico em fosfato, um fertilizante natural para as algas microscópicas que constituem a base da teia alimentar na maioria dos ambientes marinhos, o fitoplâncton.
A área das Cagarras abriga rica fauna submarina. Há espécies de esponjas, equinodermos, moluscos, crustáceos, peixes, tartarugas e mamíferos, algumas de valor comercial, como polvo, lagosta, garoupa e badejo. A pesca é ali praticada quase diariamente.
Golfinhos e baleias são avistados esporadicamente, reforçando a necessidade de preservação. Dentre os invertebrados marinhos destacam-se as esponjas, animais muito antigos do ponto de vista evolutivo, sésseis (sem locomoção ativa), filtradores e que desempenham importantes papéis nas comunidades marinhas bentônicas (associadas ao fundo).
Servem de abrigo para diversas espécies de invertebrados, de alimento para peixes e tartarugas, contribuem para a produção primária através de cianobactérias associadas e participam de processos de erosão e sedimentação em alguns ambientes marinhos.
As esponjas possuem grande valor científico e econômico, já que são fontes de compostos bioativos com interesse farmacológico. Muitos desses compostos foram isolados e sintetizados para a fabricação de remédios.
A comunidade de esponjas das Cagarras vem sendo estudada por pesquisadores do Laboratório de Porifera do Museu Nacional. O trabalho de pesquisa é tema da monografia de Leandro Monteiro e tem como principal objetivo identificar e quantificar as espécies de esponjas na área.
"Nosso estudo é o primeiro levantamento sobre a comunidade de esponjas do arquipélago, tendo sido registradas 51 espécies de esponjas, das quais pelo menos três são novas para a ciência", explica Monteiro, bolsista do CNPq.
A partir das informações quantitativas, será possível estabelecer um parâmetro sobre a estrutura da comunidade de esponjas e fazer um acompanhamento ambiental da área, utilizando esses seres como bioindicadores da qualidade da água. Este é um estudo coordenado por Guilherme Muricy, do Museu Nacional, e viabilizado no programa Cientista do Nosso Estado, da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro).
Fora d'água destaca-se ainda a incrível vista que se tem do Rio, com seus principais cartões-postais reunidos: Pão de Açúcar, Corcovado, pedra da Gávea, pedra Bonita, pico da Tijuca e do Papagaio. A beleza cênica, o contato com a natureza, a qualidade da água e o fato de estar a apenas uma hora e meia de barco da cidade atraem cada vez mais pessoas.
Passeios guiados para o arquipélago, com acompanhamento de profissionais ligados à área ambiental para informar os visitantes sobre as peculiaridades do local, os benefícios que representa para o homem e os riscos da má utilização dos recursos, são uma excelente forma de conciliar turismo com educação ambiental.
A preservação é condição fundamental para o sucesso a longo prazo do turismo ecológico, visto por muitos como a atividade econômica do futuro.
A importância ambiental, cultural e econômica das ilhas Cagarras levou o Ministério do Meio Ambiente, através do Ibama, a propor a classificação da região como Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie). Foi garantida uma vaga para o arquipélago no primeiro concurso para analista ambiental do Ibama.
Atitudes como esta, somadas a estudos científicos e a atividades culturais e econômicas ecologicamente fundamentadas, são importantes passos para a preservação e o desenvolvimento sustentável da área.


Fernando Coreixas de Moraes, 26, é biólogo marinho, mestrando do Museu Nacional (RJ) e bolsista do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq)

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