São Paulo, quinta-feira, 29 de maio de 2008

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MODOS CAPIXABAS

Panela de barro artesanal tem status de ingrediente

Em Goiabeiras, um bairro de Vitória, paneleiras fabricam o utensílio que prepara a legítima moqueca

Maurício Mercer
Peças produzidas pela Associação das Paneleiras de Goiabeiras são queimadas em fogueira feita de lenha, que chega a registrar 600°C; depois da queima, as panelas recebem a tinta de tanino

MÁRCIO SAMPAIO
ENVIADO ESPECIAL AO ESPÍRITO SANTO

Está na primeira página do "Livro de Registro de Saberes de Patrimônio Imaterial de Bens Culturais do Brasil": "Registro número hum; bem cultural: ofício das paneleiras de Goiabeiras. Descrição: é a prática artesanal de fabricação de panelas de barro, atividade econômica culturalmente enraizada na localidade de Goiabeiras, bairro de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo."
Tombadas em novembro de 2002 pelo Iphan -o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional- como patrimônio imaterial brasileiro, essas panelas de barro são mais do que um utensílio para o preparo da moqueca e da torta capixabas. Elas têm status de ingrediente: sem a panela, a receita fica diferente.
O bairro de Goiabeiras, onde são produzidas, serve de ponto de partida para conhecer o trajeto da moqueca capixaba, que começa na extração do barro no vale do Mulembá e acaba, com sorte, na barriga do turista.
As panelas são produzidas de acordo com técnicas indígenas, principalmente da tribo una. Nada de europeu ou africano foi incorporado à prática, autenticamente indígena.
Uma vez em Vitória, siga para o bairro de Goiabeiras Velha, onde ficam as paneleiras.
A origem de tudo fica no vale de Mulembá, de onde os homens extraem o barro, que, em bolotas, é levado para Goiabeiras. Também coletam a casca do mangue-vermelho, de onde será extraída a tintura de tanino usada ao fim da produção desses utensílios.
Nos quintais coletivos de Goiabeiras, barro e cascas seguem caminhos distintos. As bolotas de terra são pisadas -depois de terem sido retirados dela gravetos, pedrinhas e outras sujeiras- para ficar no ponto de serem modeladas.
A casca da árvore é socada, macerada e posta de molho. Depois desse processo, a tinta está ali, diluída no líquido.
Com tudo à mão, é hora de puxar -ou levantar- a panela.
Ou seja, de modelar cada uma.
Isso é feito sobre uma tábua, com as mãos. Depois são moldadas as alças, aplicadas com os dedos e coladas com água. O acabamento é feito com facas e com pedras do rio, que deixam a superfície da panela lisa.
Modeladas e polidas, as peças vão para a queima, em fogueiras. Depois de meia hora de fogo, estão prontas para o açoite. Com a chamada vassourinha de muxinga -espécie de planta da região- a tinta de tanino é aplicada sobre a peça. É essa tinta que deixa as peças pretas.
Os formatos mais comuns são o que é chamado de frigideira, panela rasa para a moqueca e para a torta capixaba; o caldeirão fundo para sopas; e o médio, perfeito para pirões.
Todas as panelas feitas pela Associação das Paneleiras de Goiabeiras têm um selo de autenticidade, trazendo todas as informações sobre a panela.

Marca registrada
Panela em mãos, é hora de preparar a moqueca capixaba.
Puxando o badejo para o lado deles, os nativos do Espírito Santo asseveram: "Moqueca é capixaba, o resto é peixada". É preferencialmente com badejo que se prepara a receita -também pode ser com pargo e robalo. Em postas, coloque o peixe para marinar com sal e limão.
Na panela, vai uma camada de óleo, azeite, colorau, cebolinha, coentro, cebola e tomate, tudo picado. Uma camada com as postas do peixe. E outra com os temperos por cima.
Há algumas regras: nada de adicionar água, nem pense em mexer no peixe e não deixe ferver. Um pirão vai bem. Portanto, guarde a cabeça do peixe.


MÁRCIO SAMPAIO viajou a convite da rede Bristol Hotels e da operadora Tourlines


PANELEIRAS - A Associação das Paneleiras de Goiabeiras fica na rua das Paneleiras, 55; tel.: 0/xx/27/3327-0519. Informações sobre o tombamento:
http://portal.iphan.gov.br



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