São Paulo, segunda, 29 de junho de 1998

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QUALQUER VIAGEM
Wildwood, na costa de Nova Jersey, tem "doo-wop motels"

DAVID DREW ZINGG
na costa de Nova Jersey

"... Será que parto meu cabelo atrás? Será que ouso comer um pêssego? Vou vestir calças de flanela branca e caminhar pela praia." T. S. Eliot, "The Love Song of J. Alfred Prufrock"

Era sábado à noite, por volta das oito, no mundo da costa de Nova Jersey, onde tudo o que se podia ver e ouvir -pizzas transbordando de queijo, fritas, montanhas-russas e ondas quebrando com estrondo- parecia datar de 1939.
"Acerte duas bolas na cesta e ganhe o prêmio grande!", gritava o camelô de meia-idade no "boardwalk" de Wildwood, Nova Jersey, acertando casualmente uma bola numa cesta de madeira inclinada debaixo de fileiras de enormes cachorros de pelúcia. "Duas jogadas por um dólar!"
Dois dólares, seis jogadas, dois gols da bola dentro da cesta fugidia e uma discussão sobre as regras do jogo mais tarde, o Velho Boardwalk Dave ganhou um minúsculo boneco em forma de cão usando capacete de bombeiro.
Embora a população de Wildwood aumente nos finais de semana do verão, chegando a estimadas 200 mil pessoas, você não encontrará por aqui nem uma única loja GAP, e diversões modernas tipo Montanha Espacial ou até mesmo um prato de "fajitas" mexicanas parecem distar quatro décadas daqui.
Segredo de Férias
Mas o que você vai encontrar, sim, é provavelmente o mais bem guardado segredo para passar férias de verão a preço acessível a 300 quilômetros da Times Square de Nova York.
Wildwood, na realidade, é uma ilha de dez quilômetros de extensão, que consiste em várias cidades de veraneio.
É um local de férias ainda em estado bruto, que se conservou permanentemente fiel a suas raízes, plantadas por gringos trabalhadores do interior dos EUA na primeira metade deste século.
O coração de Wildwood é um "boardwalk" de três quilômetros de extensão -o segundo mais comprido na costa de Nova Jersey, depois de Atlantic City.
Minha apresentação a ele se deu a bordo do bondinho Sightseer, que percorre sua extensão inteira por US$ 1,50, só ida. O antiquado bondinho possui um alto-falante embutido, que berra um aviso gravado, aparentemente sem parar: "Atenção ao bondinho, por favor!".
Ainda consigo ouvi-lo quando estou dormindo.
A segunda melhor maneira de conhecer o "boardwalk" é por meio da cortesia de seus dois pés ou de uma bicicleta.
As "bikes" são permitidas no "boardwalk" todas as manhãs até as 11h. Você sabe que são 11h e em que país você está quando o sistema de alto-falantes públicos começa a tocar "God Bless America", na voz de Kate Smith.
Existe neste mundo, acredito, uma linhagem muito especial de humor deturpado, próprio para turistas, e o "boardwalk" é seu lar natural.
As lojas de camisetas põem à mostra suas melhores tentativas de fazer o turista sorrir: "Cheguei a este mundo gordinho e careca e pretendo deixá-lo do mesmo jeito" é uma amostra de sua veia cômica refinada.
Mas a maioria das piadinhas praieiras costuma seguir uma linha mais próxima de: "Quer moleza, é? E na bunada, não vai dinha?".
Compras para Brazucas
Passear pelo "boardwalk" à procura de lembranças para levar para casa é algo capaz de deixar feliz qualquer brasileiro de mentalidade econômica.
As opções de lojas de suvenires de classe consistem em, respectivamente, a Loja de US$ 1, a Loja de 99 Centavos e a Loja de 98 Centavos.
Quase todos os quarteirões ostentam uma loja de doces que oferece de brinde aos consumidores a célebre bala de puxa-puxa de água salgada, típica de Nova Jersey.
A última campanha para atrair turistas a Wildwood teceu elogios ao tamanho das praias da ilha, tão largas que os bombeiros frequentemente são obrigados a resgatar banhistas dominados pelo cansaço de ir e voltar da beira da água.
A nova e mais ambiciosa idéia promocional capitaliza em cima do fato de que Wildwood possui a maior coleção de gritantes "motels" kitsch dos anos 50 e 60 deste lado da Rota 66 ou de Miami Beach.
Há mais de 250 "motels" por aqui, competindo pela atenção dos viajantes com enormes e gritantes placas de neon.
Eles conferem a Wildwood um ambiente que lembra "Além da Imaginação" -o de um lugar preso em outra era.
Durante muito tempo, atribuiu-se aos "motels" a culpa por impedir a ilha de atingir seu potencial turístico máximo. Mais recentemente, porém, à medida que o século 20 chega perto do fim, ocorreu uma mudança sensível de atitude.
Os "motels" (além dos restaurantes forrados em alumínio da ilha e das fluorescentes construções ao lado do "boardwalk") estão começando a adquirir o valor histórico dos dentes de madeira originais de George Washington.
Arquitetos e estudantes de design de toda a América do Norte vêm para cá e ficam maravilhados com eles. Historiadores escrevem sobre eles. Fotógrafos (como tio Dave) e artistas estudam seus menores detalhes.
"Wildwood possui o maior tesouro de arquitetura comercial das décadas de 50 e 60 que já vi em um só lugar", disse outro dia um erudito professor da Universidade Yale.
"É uma espécie de antídoto muito necessário à crescente comercialização de praticamente tudo neste mundo. A costa de Nova Jersey, graças a Deus, é um anti-Disneyworld", acrescentou o professor. "O que torna Wildwood tão interessante é o fato de ser "in', mas atípico. Quanto mais temos Disney, mais precisamos de Wildwood."

Na semana que vem o Velho Rato de Praia Dave vai continuar sua viagem pela estrada da memória no destino de veraneio menos cheio, mais desconhecido (e legal) da Gringolândia: a costa de Nova Jersey.


Tradução de Clara Allain.



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