São Paulo, Segunda-feira, 29 de Novembro de 1999


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QUALQUER VIAGEM
Comida de graça na estrada nos EUA

DAVID DREW ZINGG
em Sampa

 "Um gourmet nada mais é do que um guloso inteligente." Philip Haberman Jr.
Fazer suas refeições é uma das grandes despesas de qualquer viajante.
Agora tio Dave oferece a seus leitores frugais uma dica de como economizar dinheiro em sua próxima viagem à Gringolândia.
Pensando única e exclusivamente no bem-estar dos viajantes conscientes de suas restrições orçamentárias, os inteligentes legisladores do grande Estado sulino norte-americano do Tennessee redigiram um projeto de lei que barateia em muito as refeições dos motoristas.
A lei inovadora e de muito bom senso pretende tornar gratuita a coleta de determinados tipos de alimentos saborosos e nutritivos.
A única coisa que você precisa fazer é encontrar e matar esses alimentos -com seu carro.
Manifestando um dom certeiro pelo tipo de coisa que provocaria a inveja dos políticos de Brasília, o autor da nova e revolucionária lei estadual a formulou nos seguintes termos: "Qualquer pessoa pode apropriar-se, para seu uso e consumo pessoais, de animais silvestres que tenham sido mortos acidentalmente por veículos automotores".
Em outras palavras, o projeto de lei legaliza o consumo de "road kill".
"Road kill" é como os gringos rotulam os animais atropelados e mortos pelas rodas de seus carros.
A lei proposta pretende legalizar o consumo dos milhares de esquilos, gambás, guaxinins e outras criaturas quadrúpedes que, todos os anos, morrem de dolorosa morte horizontal, esmagados por pneus de borracha.
A nova e criativa lei estadual significa que, a partir de hoje, tudo que o viajante esfomeado precisa fazer para saciar seu apetite é raspar o McBicho Feliz do asfalto.
A carne tem garantia de frescor. Basta temperar e cozinhar.
Foi como se o governo estadual tivesse ordenado o retorno às raízes caipiras montanhesas do Tennessee, fechando os açougues e quitandas e obrigando os habitantes a caçar sua comida.

Diversão no jantar
A mídia, que só come em restaurantes chiques, recebeu a novidade com enorme prazer.
"Vá azeitando a frigideira, mamãe! Nova lei legaliza consumo de "road kill"", disse a manchete de um jornal.
"Cadê a receita de guisado de gambá da vovó?", era a manchete de outro jornal, este de Memphis.
Os locutores de rádio se divertiram para valer. O senador do Tennessee que propôs a lei e que adora aparecer recebeu uma enxurrada de livros de receitas em tom humorístico e dicas de como melhor realçar o sabor de um cozido de guaxinim.
Um cidadão presenteou o infeliz com um adesivo para colar no carro, dizendo: "Gato também tem carne branca".
Apesar da gozação toda, existe uma razão séria por trás da nova lei. O senador foi procurado por um eleitor que havia sido multado por ter batido acidentalmente num veado e logo depois ter dado a carne do animal a uma família migrante. Pela lei antiga, acidentes desse tipo tinham de ser comunicados imediatamente à Agência de Proteção à Fauna do Tennessee, que era obrigada a registrar o animal antes que ele pudesse ser consumido.
Acidentes desse tipo são cada vez mais frequentes no Tennessee. O rebanho de cervos do Estado multiplicou-se por mais de 200 ao longo dos últimos 50 anos, até atingir suas dimensões atuais, que constituem um recorde: quase 1 milhão de veados.
A agência estima que ocorrem anualmente cerca de 10 mil colisões de veículos com veados. E ela não tem funcionários suficientes para acompanhar o que acontece com todos esses animais.
Com isso, desperdiça-se muita carne de veado que poderia perfeitamente ser doada para os sem-teto (ou, o que é mais provável, levada pelos responsáveis pelos acidentes para ser usada em verdadeiros banquetes caseiros à moda antiga).
A agência temia que muitos motoristas apreciadores de carne de veado pudessem promover "caçadas automobilísticas" propositais aos veados, atropelando-os e depois alegando ter sofrido acidentes.
O sábio senador concordou em acrescentar a seu projeto de lei uma emenda pela qual fica permitido o consumo dos animais vitimados na estrada, desde que o motorista comunique o ocorrido à polícia no prazo de 48 horas.
A agência considerou que, com isso, vai poder monitorar a população de veados e assinalou sua concordância com a lei, que, agora, deve ser aprovada sem dificuldade.
Como bem observou um deputado co-autor do projeto da Lei Animais Atropelados para o Jantar, não é por acaso que todos os anos o presidente da Câmara abre sua casa para um rodízio de guaxinim, numa festa aberta a todos os seus correligionários.
"Muita gente da área rural do Tennessee sabe muito bem do que se trata essa lei", disse o deputado, originário de uma região rural nas montanhas.
"Eu, pessoalmente, não gosto de comer guaxinim. O sabor é ruim. Mas lá na minha terra há muita gente que faz cachorro-quente de guaxinim e que caça o bicho. É verdade que são poucos os que caçam com seus carros."
Portanto, Joãozinho, se por algum acaso você ficar faminto enquanto estiver atravessando o grande Estado do Tennessee de carro, tio Dave tem uma sugestão a lhe dar que ele acha muito boa...


Tradução de Clara Allain


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