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QUALQUER VIAGEM
Comida de graça na estrada nos EUA
DAVID DREW ZINGG
em Sampa
"Um gourmet nada mais é do que
um guloso inteligente." Philip Haberman Jr.
Fazer suas refeições é uma das
grandes despesas de qualquer viajante.
Agora tio Dave oferece a seus
leitores frugais uma dica de como
economizar dinheiro em sua próxima viagem à Gringolândia.
Pensando única e exclusivamente no bem-estar dos viajantes
conscientes de suas restrições orçamentárias, os inteligentes legisladores do grande Estado sulino
norte-americano do Tennessee
redigiram um projeto de lei que
barateia em muito as refeições
dos motoristas.
A lei inovadora e de muito bom
senso pretende tornar gratuita a
coleta de determinados tipos de
alimentos saborosos e nutritivos.
A única coisa que você precisa
fazer é encontrar e matar esses
alimentos -com seu carro.
Manifestando um dom certeiro
pelo tipo de coisa que provocaria
a inveja dos políticos de Brasília,
o autor da nova e revolucionária
lei estadual a formulou nos seguintes termos: "Qualquer pessoa
pode apropriar-se, para seu uso e
consumo pessoais, de animais silvestres que tenham sido mortos
acidentalmente por veículos automotores".
Em outras palavras, o projeto
de lei legaliza o consumo de "road
kill".
"Road kill" é como os gringos
rotulam os animais atropelados e
mortos pelas rodas de seus carros.
A lei proposta pretende legalizar o consumo dos milhares de esquilos, gambás, guaxinins e outras criaturas quadrúpedes que,
todos os anos, morrem de dolorosa morte horizontal, esmagados
por pneus de borracha.
A nova e criativa lei estadual
significa que, a partir de hoje, tudo que o viajante esfomeado precisa fazer para saciar seu apetite é
raspar o McBicho Feliz do asfalto.
A carne tem garantia de frescor.
Basta temperar e cozinhar.
Foi como se o governo estadual
tivesse ordenado o retorno às raízes caipiras montanhesas do Tennessee, fechando os açougues e
quitandas e obrigando os habitantes a caçar sua comida.
Diversão no jantar
A mídia, que só come em restaurantes chiques, recebeu a novidade com enorme prazer.
"Vá azeitando a frigideira, mamãe! Nova lei legaliza consumo
de "road kill"", disse a manchete de
um jornal.
"Cadê a receita de guisado de
gambá da vovó?", era a manchete
de outro jornal, este de Memphis.
Os locutores de rádio se divertiram para valer. O senador do
Tennessee que propôs a lei e que
adora aparecer recebeu uma enxurrada de livros de receitas em
tom humorístico e dicas de como
melhor realçar o sabor de um cozido de guaxinim.
Um cidadão presenteou o infeliz
com um adesivo para colar no
carro, dizendo: "Gato também
tem carne branca".
Apesar da gozação toda, existe
uma razão séria por trás da nova
lei. O senador foi procurado por
um eleitor que havia sido multado por ter batido acidentalmente
num veado e logo depois ter dado
a carne do animal a uma família
migrante. Pela lei antiga, acidentes desse tipo tinham de ser comunicados imediatamente à Agência
de Proteção à Fauna do Tennessee, que era obrigada a registrar o
animal antes que ele pudesse ser
consumido.
Acidentes desse tipo são cada
vez mais frequentes no Tennessee.
O rebanho de cervos do Estado
multiplicou-se por mais de 200 ao
longo dos últimos 50 anos, até
atingir suas dimensões atuais, que
constituem um recorde: quase 1
milhão de veados.
A agência estima que ocorrem
anualmente cerca de 10 mil colisões de veículos com veados. E ela
não tem funcionários suficientes
para acompanhar o que acontece
com todos esses animais.
Com isso, desperdiça-se muita
carne de veado que poderia perfeitamente ser doada para os sem-teto (ou, o que é mais provável, levada pelos responsáveis pelos acidentes para ser usada em verdadeiros banquetes caseiros à moda
antiga).
A agência temia que muitos
motoristas apreciadores de carne
de veado pudessem promover "caçadas automobilísticas" propositais aos veados, atropelando-os e
depois alegando ter sofrido acidentes.
O sábio senador concordou em
acrescentar a seu projeto de lei
uma emenda pela qual fica permitido o consumo dos animais vitimados na estrada, desde que o
motorista comunique o ocorrido à
polícia no prazo de 48 horas.
A agência considerou que, com
isso, vai poder monitorar a população de veados e assinalou sua
concordância com a lei, que, agora, deve ser aprovada sem dificuldade.
Como bem observou um deputado co-autor do projeto da Lei
Animais Atropelados para o Jantar, não é por acaso que todos os
anos o presidente da Câmara
abre sua casa para um rodízio de
guaxinim, numa festa aberta a todos os seus correligionários.
"Muita gente da área rural do
Tennessee sabe muito bem do que
se trata essa lei", disse o deputado,
originário de uma região rural
nas montanhas.
"Eu, pessoalmente, não gosto de
comer guaxinim. O sabor é ruim.
Mas lá na minha terra há muita
gente que faz cachorro-quente de
guaxinim e que caça o bicho. É
verdade que são poucos os que caçam com seus carros."
Portanto, Joãozinho, se por algum acaso você ficar faminto enquanto estiver atravessando o
grande Estado do Tennessee de
carro, tio Dave tem uma sugestão
a lhe dar que ele acha muito boa...
Tradução de Clara Allain
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